quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

baby, what else can I do?


*hanging onto every heartbeat/ cut copy

Tantas emoções na última semana, Alberta. Nem sei por onde começar. Minha mãe se foi. O chão também. Mas será por pouco tempo. Ela me deu a base necessária para seguir adiante. Ensinou-me a construir novas estradas com coragem e bravura.

Estou devastada, porém confiante de que estarei, em tempo breve, recuperada através do tudo que a minha velhinha semeou em mim por tantos anos lindos. Saudade é uma dor calada. A saudade é muda, e nós ainda assim a escutamos. Cada um de nós só pode ouvir a própria saudade. Saudade é solitária. Saudade é difícil. Não sei se é bom. Às vezes é, né? Acho que sim. Porque há a saudade que me traz o sorriso e a alegria. Há saudade que me faz feliz. Há a saudade que me alimenta e a saudade que me levanta. É verdade. Saudade é assim. É cada hora de um jeito. No momento a minha arde como a minha cabeça que parece prestes a explodir.

Oh, gloriosa Virgem da Conceição (08 de dezembro)! Que eu receba sua força no dia de hoje para ultrapassar mais esse obstáculo: a dor de uma perda natural que deixa no ar os mistérios e as incertezas existenciais. Por sorte não deixou-me o vazio, pois sim a vasta gratidão e o imenso orgulho por tê-la tido como mentora de uma vida que se reinventa, hoje, a partir do seu legado: seu amor, seus ensinamentos, sua força impressionante, sua dedicação e astuta fé na vida. Minha leoa domada. Que os deuses te recebam com toda a alegria que você merece.
Sofro recatada. Acho mais digno.

Sem maior inspiração deixo aqui registrado os resquícios das últimas conversas fúteis com algumas amigas e minha filha nas últimas 48hs.

Diana: - mãe, você já se sentiu uma cachorra?

- de rua e abandonada e escorraçada e que abana o rabo para qualquer um que lhe passa pelo caminho, crente de que haveria alguém piedoso para me acarinhar. Justo nesses momentos esse alguém jamais se manifesta.

Eva: - tia, estou ok, entende? ok é fundamental para acenar a falsa segurança, sem maiores expressões de medos ou constrangimentos.

- ok, Eva. Ok. Nada como estar ok.

Eva: - tia, as gueis são as mulheres so século XXI. Temem tudo na hora do sexo. Temem. Temem tudo.

- eu não temo. Como mulher do século XXI faço apenas o que quero e quando quero.

Eva: - conversando com minhas amigas gueis chego a seguinte conclusão: uma guei comprando equipamentos de chuca é como uma mulher escolhendo a pílula nos anos 70, ou o melhor absorvente nos anos 80. Todo mundo pensa que as gueis só pensam em sexo. Não gosto quando meus amigos são vistos assim. As pessoas não são iguais.

- sou uma mulher livre, dengosa, fogosa, versátil e dona dos meus desejos. As gueis não podem se ater aos prejuízos dessa sociedade doente. As gueis precisam das antigas e boas e eternas referências. Sejamos Tieta. Sejamos nossas donas. Sou dona de mim.

Paola: - tia, eu não penso apenas em sexo. Penso em tantas outras coisas. Sou senhora das minhas vontades e dona de mim. Penso em um corte de cabelo, em roupa, em taças de champa, de pró... Iiiiiii! Tanta coisa...

Diana: - bom, Paola, você reflete bem o que os sujeitos indeterminados de nossa límpida sociedade pensam sobre as gueis. A sociedade é tão machista e nojenta que rejeita a guei que tem atributos femininos em demasia. É como se fosse degradante ser mulher. É inconsciente. Mas ainda é assim. Por isso um homem que reproduz trejeitos estereotipados femininos sofre ainda mais que os outros. Afinal portar características tidas por femininas, nessa sociedade, ainda é algo inferior e alvo de escárnios perversos e ultrajantes. As passivas são motivo de chacota entre as mesmas gueis. É incrível esse ranço maldito. A posição que a mulher ocupa no imaginário dos mediocres é lamentável. Sou mulher e, portanto solidária as gueis. Vive la fete! Nossa! Está se armando um temporal por aqui!

- quisera eu que fosse uma tempestade de amor. Amo temporais. Juro. Amo mesmo. Acho tão Iansã. Uma coisa poder dos ventos e dos raios! Mude e transforme minha vida!

Diana: - sei, mãe. Ô, se sei.

*harmonix/ surfer blood

Chat do facebook:

Alice: - Joana, ouvi Madonna hoje e lembrei tanto de você! Lembra que éramos apaixonadas? Na verdade eu adoro a Madonna até hoje apesar dela ter virado uma velhONNA ridícula e papa feto.

- Olha, não duvido nada, Alice, que ela alugue uma barriga de aluguel para gerar um embrião do sexo masculino e passe a andar de mãos dadas com a grávida sob o argumento de estar apaixonada pelo seu namorado mais jovem: o feto.

Alice: - ai, para, Maria Joana!

Desliguei a porcaria do chat. O iTunes abriu as vendas para o Brasil. Fali. Comprei 100 músicas em meia hora e nesse instante ouço: I got a guy/ Ella Fitzgerald.

- she is my thrill

Diana: - é mãe... We got a guy! Ufa!

Maria Joana.

sexta-feira, 25 de novembro de 2011

Armanda



(..) pedia atenção a ela, explanando minha carência, sem pudor algum. às vezes a única solução que temos na vida é nos fazermos de loucas. senão o único método de sobrevivêcia. entender as pessoas está cada vez mais difícil. quando o assunto são os homens o mistério aumenta. a Armanda me contou que está apaixonada por um artista plástico. macho, gostoso, com pegada.ui! inteligente, talentoso e produzindo a todo vapor. como se não bastassem tantas qualidades, ele ainda é carinhoso. fazia dois anos que Armanda comemorava uma vida solteira e equilibrada. o que convenhamos, é um feito na atualidade. Armanda nunca fez o tipo histérica ou deprimida por estar só. ufa! sempre se virou muito bem. uma mulher atípica. em ralidade uma mulher a frente do seu tempo. avant-garde (vanguarda. acho lindo. acho poder). mas, como você muito bem sabe, a paixão, o amor, a atração e outros sentimentos que compõem o universo mítico das relações a dois, é fora do tempo e do espaço. em qualquer era é abstrato sentir. em qualquer tempo é imprevisível lidar com a emoção que não se explica, que não se diz, mas que grita e que arde dentro de cada um (a) de nós. Armanda resistiu. mas os rodeios foram tantos e tão preciosos, que a envolveram. de repente ela passou a pensar nele. esperar por ele. sonhar com ele. foi aí ela se deu conta de que estava enamorada outra vez. acordou com o canto dos passarinhos. sorriu para os bebês em seus carrinhos. comprou flores. sentiu-se linda, encantada. rodopiou na feira ao receber galanteios de gosto duvidoso dos feirantes, que lhe ofertaram morangos e outras frutas de colorido vibrante! sentiu o sabor da vida irradiar seu paladar. O vento parecia lhe acariciar a pele ainda mais macia. cantou no banho. ouviu música alto. sorriu por qualquer coisa e amou ainda mais o mundo e a humanidade. o chocolate também já não era mais importante. fitou-se no espelho e sentiu-se bonita a ponto de agradecer a deus. ela é mesmo linda. preparou um jantar cheio de temperos e sabores envolventes e inebriantes para um encontro especial. à noite trouxe a lua e ... bom, à noite o céu fechou de repente. ficou tudo cinza. a salada secou. o vinho virou vinagre e o cabelo minguou. ele não ligou. nem mesmo para dizer um desculpa qualquer. ai, que triste. mas Armanda não quis se afundar. ficou triste. magoada. sentida. puta. sofridinha. e foi dormir. refletiu sobre essas atitudes dos homens. não entendeu. não tem como entender (tem sim, mas é preciso estudar demais). tudo ficou opaco outra vez. tudo sem graça de novo. a vida sem perfume. sem quase nenhuma graça. um dia, out of the blue, o cara mandou uma mensagem: 'tem alguma coisa para hoje à noite'?. quem mensagem foi essa, gente?! isto é, 'a vagina está disponível'? ficou brava, e sentindo-se como um buraco oco. respondeu-lhe: hoje estou ocupada. ou seja: ficou puta e fechou o parque. vetou a entrada do varão. me perguntou o que eu achava e eu disse: faça-se de louca. mas seja plausível. loucura deve ser dosada. loucura deve ser usada. hoje não deu. amanhã já passou. aja assim. você gosta dele? então dá outra chance. é melhor. para você e para o mundo. nem tanto, nem tão pouco. é melhor assim. de resto só o tempo, (ó deus tempo, seja piedoso!), vai contar. é preciso se permitir sem se rasgar. sabe como? bom, em relação a mim o tempo parece andar com algum defeito. meu timing tem me levado ao passado. ando nostálgica. com saudades das emoções felizes e revigorantes que senti aonde não se pode voltar: no mesmo tempo. espero que ele siga adiante e não mais retrógado, como tem sido para mim nas últimas semanas. tempo, me leva ao futuro feliz? me leva, vai! mereço. ah, e obrigada pelo presente que é eterno. desculpe-me por reclamar tanto. sou humana. às vezes esqueço que tenho o bom dom ao meu lado. beijo. ah, me montei inteira. para ficar em casa. me amo. me fotografei. me (a)creditei: musa. do contrário, néan?...

quinta-feira, 24 de novembro de 2011

petit cadeau.



Ah, Alberta, estou tão, tão... não sei se estou sendo dramática. Estou preocupada com a Diana. #pronto falei. Não é assim que os jovens se expressam hoje em dia? joguinho da velha + palavra chave = hashtags. Apavorada como sou uma cacura por dentro. Adoro essa pontualidade fútil. Ai, ai, não sei a quem a Diana saiu, gente. Tão sofrida. Tão densa. Tão plutoniana. Tão uraniana. Tão saturnina com ela mesma. Ai, coitada. Que coisa. Uma dificuldade para lidar com as adversidades. Sinto-me tão arrasada. A menina está dilacerada, Alberta. Não sei o que dizer a ela, tão talentosa, inteligente, espirituosa. Mas uma burra, uma anta, uma verdadeira toupeira emocional.

Que é isso, Maria Joana?! Você não é sempre tão positiva? Está vendo? Não é fácil mesmo lidar com os entreveros de toda ordem, Maria Joana. Desde quando foi fácil lidar com os nãos? O problema dessa menina é você! Olha, Maria Joana, só não cometo uma atrocidade porque, para a sua sorte, você está do outro lado dessa linha invisível que nos liga a quilômetros de distância (acho ma ra vi lho so . Jamais me cansei de apreciar essa fantasia concreta). Como você chama a menina assim? Que horror! Ainda bem que ando pacificada.

Ah, Alberta, mas... Não sei lidar. Tenho pavor de sofrimento. Não lido bem com isso. Coisa desagradável.

Para agora com esse “ah, Alberta”! Depois eu desligo o telefone na sua cara e você me chama de grosseirona. Eu?! Sou é muito franca, meu amor. No alto de minha vida semi centenária, já desenvolvi alguma sabedoria. Ah, isso me fez lembrar tanto de uma imbecil do meu passado com quem encontrei no início do ano. Uma cretina que, em meio a conversas condizentes com a sua boçalidade, quis me convencer que o tempo é atemporal e que qualquer experiência que tivemos em nossa vã existência é nada frente ao infinito. Ou seja, todos os meus 62 anos de nada me valem frente ao cosmos. Ok, o que são 62 anos em um contexto tão impensável? Mas não me venha dizer que de nada valeram porque não. Não dá. Meu cu, Maria Joana, para esse tipo de colocação fundamentada em argumentos místicos. Não que eu os desqualifique. De modo algum. Mas vindo dela... Ora, me poupe. Aliás, meu cu não! Meu excremento para ela. Pois meu cu tem imenso valor. Eu hein. Mas seguindo adiante, MJ, devo dizer que entendo a Diana, viu? Escutar suas lamúrias faz com que, inevitavelmente, eu revisite meu passado. Afinal, sempre fui uma ansiosa incorrigível como a Diana. Ah, saudades dos tempos d’outrora. Saudades da aurora de minha vida. Ai, que horror! Vamos transmutar essa melancolia. É isso. Bom, mais tarde convidarei a Diana para jantar comigo. Certamente tenho coisas mais interessantes que as suas para dizer a ela.

Ah, Alberta, que coisa, que horror! Muito apavorada! Não precisa vir com 7 (número cabalístico porque estou mística) pedras na mão! O que você diria a ela que eu não poderia dizer?

Primeiramente que não escute a você e suas ladainhas insanas e inoportunas em um momento tão delicado. Lembra, MJ, que chegar aos 34 é uma batalha? Você se lembra bem do quanto conversávamos? Sei que sua memória é bastante defasada pelo uso contínuo de ervas tão naturais, mas concentre-se. Revisite o tempo. Aos 34, éramos ainda jovens, mas já nem tanto. Aos 34 entendemos, cruelmente, a finitude da vida. É visceral. Percebemos o deus tempo de outro modo. Compreendemos o seu peso e o seu valor e a sua importância. O deus tempo é tão poderoso, fascinante e implacável que se torna assustador. Aos 34 queremos resoluções para males já antigos. Desejamos nos livrar dos incômodos remanescentes. Lutamos para deixar para trás aquilo que se arrasta sem mais razão e ainda assim, a nossa vontade não é capaz de concretizar nossos ideais. Mais que isso, há aqueles resquícios que não foram deixados para trás pela simples percepção da realidade que nos desperta sem qualquer pudor. Aos 34 é preciso fazer um balanço da vida para que novas escolhas possam determinar a próxima vida que se inicia aos 40. É um período angustiante. Mais para uns que para outros. Diana é uma romântica incorrigível. Uma sonhadora e uma idealista. Sofre mais um pouco que muitos. Mas pequenas crises existenciais são bem vindas. Não se preocupe tanto. Confie nela. Ela saberá o que fazer. Ao beirar os 34 (3+4=7=número cabalístico=misticismo=adoro) é natural que ela se sinta frustrada por ainda ter que resolver assuntos que julga estarem esgotados. Enquanto há vida, não há fim definitivo. Ela ainda não entendeu que se determinadas questões ainda pulsam no ar em que respira é porque restam fragmentos do passado que necessitam ser trabalhados. Esse papo de passado é um porre, mas é inevitável. É preciso investir em desapego e, portanto é necessário reinventar antigos maus hábitos. Para alguns funciona assim. Para a Diana é um estilo de vida. Mas ela vai se reestruturar. Quantas coisas essa menina já passou. Ela sempre levanta, sempre sai melhor e mais segura ao fim de cada desafio. Convenhamos, o pior deles foi ter sido parida por você.

Ai, que horror, Alberta. Estou preocupada, sou mãe, sou apavorada. Tenha algum respeito e carinho. Diz que me ama.

E o que mais exprime esse meu gesto, que não carinho? Você é uma pândega, MJ. Todos dizemos "eu te amo" e são inúmeras as maneiras de dizer a mesma coisa. É impressionante. Não sei como somos amigas há mais de 30 anos. Aos 59 (mentira. 62) ainda te aturo. Estou fatigada hoje. Pouco inspirada. Não insista em provocações tolas. Vamos desfilar na Vila Isabel? A Gabi Miracle enviou o email com as coordenadas para que desfilemos na ala que ela representa. Estou animadíssima, só que não, sabe? Tal como direi a Diana, é preciso balançar a tristeza, meu amor. Tem acompanhado o noticiário? Nojo do Sérgio (Cabral). Precisamos discorrer sobre esse ponto em breve. Ganhei um chá de coca da Ortega Flores e estou a-pai-xo-na-da. Frescor dos mais altos picos bolivianos. Uma delícia. Ah, Maria Joana, começo a escutar uma canção que me parece muitíssimo apropriada ao momento da Diana. Vou enviar a ela esse petit cadeau:

“(...)mon dieu que c'est moche, c'est ennuyeux. tu t'es joué de moi. Mon dieu que c'est cloche de se dire adieu et paris est si froid. mon dieu si tu existes même un peu. ramène-moi. mon aquarelliste si vaniteux qui ne peignait que moi, même si le temps passe je n'oublie pas: le samba de jours avec toi, le samba de mon coeur qui bat”.

Que linda essa música. Irônica. Acho que vai cair bem. Vou convidá-la para um vinho. Deixe-a em minhas mãos e devolverei sua joia polida e ainda mais reluzente. Adooooro ( é tudo o que eles dizem hoje. É como vírgula). Lamento por não ter ido além. Mercúrio deve andar retrógado ou em vias de. C’est ça pour aujourd’hui. Pouco profunda. Bastante otimista (ainda que você acredite no contrário). Como sempre. Não é possível nos entregarmos às tragédias pessoais. O pensamento é o condutor mais poderoso de todas as nossas energias vitais. Com isso, direi a Diana o seguinte: sofra, chore, sinta-se péssima. Por pouco tempo. Reaja, repense, resista ao lado negro da força. Seja combativa. O mundo acaba inúmeras vezes na vida, mas a gente sobrevive; Descarregue suas dores e compreenda suas razões. É assim. Os ciclos não cessam e tampouco a luta. Não há gozo mais esplêndido que o provocado pela superação. Diana sabe bem disso. Basta seguir. Ela conhece o ensinamento. Soube usá-lo por instinto outras vezes. Isso prova minha teoria de que a sua força é inerente a sua essência. Nos falamos.

Alberta.

Obs- Escuto ao fim desse email “satisfy my soul (bob marley)” e aos 59 (mentira. 62) sinto-me uma menina de 20 em Trancoso, pela primeira vez. Ai, ai. Calor que provoca arrepio.

quarta-feira, 23 de novembro de 2011

eu e a besta.



É.

‘Vou sobrevivendo sem um (e sim com centenas de arranhões) arranhão, da caridade (sequer isso) de quem me detesta'.

Um luto é sempre plural. Sempre. Um merda nunca é sozinha. Impressionante, não? Sempre vem acompanhada. O luto comumente faz a cova dos desesperos mal enterrados ser escancarada e então aquele cheiro de vala, que nos lembra que a merda é mesmo plural, sobe e se espalha sem piedade. Não tem jeito. Basta uma mortezinha para que um motim de assombrações entre em festa! É. Foda.

Mais difícil ainda é ter que lidar com a constatação de que encontrar um tempo para sofrer em paz é mera utopia. Seria luxuoso demais para uma ordinária como eu, tão frágil como todos os reles mortais. Perdi mais uma batalha e já preciso estar a postos para a próxima que se faz, sempre, do confronto com a derrota mais recente. Foda. Fodinha.

Restou-me a esperança. Geralmente ela tomba das minhas mãos quando mais preciso.

Sonho/ pesadelo:

Uma sede voraz abate minha alma. Agonizo por necessidade d'água. Rogo por socorro. Estou completamente exaurida. A insanidade torna-se meu exílio. Minha rspiração ofegante traduz o desejo pelo último copo d'água. O sol arde em brasa, sem dó, sobre meu corpo que definha e sequer é capaz de suar. Enxergo um vulto. Sinto um calor a abrandar minha alva tez. Uma minúscula sombra me conforta. Um nobre inseto acaricia minha pele ao pousar em mim. Agradeço, emocionada, tamanha compaixão. Ensaio um sorriso. Minha tentativa é frustrada. Faltou-me força. Um vulto humano se aproxima. Não reconheço aquela voz que brada: - água! Um pequeno copo de plástico surge diante de minha prejudicada visão. Alguém tenta me levantar. Meus ossos doem demais. Ajudam-me, em vão, a conduzir aquele único resto d'água à minha boca. O copo arrebenta. Sinto um pouco d'água a escorrer sobre minha pele que absorve o líquido pelos poros enquanto respiro ofegante um choro que não vinga. Não há mais nenhuma gota d'água e sem a água não nasce a lágrima. Derrota e dor. Minha língua gruda em minha garganta e deixo de respirar.

Desperto sufocada. Que alívio.

Curioso como o dia de ontem me fez revisitar um tempo tão outro. Um tempo em que, exatamente no mesmo dia do mesmo mês, as coisas pareceram dar muito errado. Recordar foi precioso. Pois foi depois daquele horror, há 6 anos, que renasci para o agora.
Resolvi regar com o pranto a minha força. Levantei-me, tarde, sem preocupar-me com atrasos e afins. A única coisa que realmente importou foram as músicas que me serviram como mantras. Refugio-me no universo inefável. Ponto de encontro crucial.

Falta-me inspiração para dizer mais. Tudo bem. Pouco é o suficiente. Um simples desabafo composto de metáforas duvidosas me caem bem. Foi somente mais uma dor. Só mais uma. Nada demais. Nada além disso.

Perdi uma batalha, mas jamais a guerra. Sigo adiante no caminho. É do meu andar que o refaço. É disso que me vale a existência e continuo, formosa e fagueira, a balançar meu corpo, ainda distante (ufa!) de sua dernière danse. Uh lá lá!

Olho o mundo lá fora pela janela. Fito a vida em movimento. Como eu gosto disso. Sinto imenso desejo de voar para o meu ninho. Meu ninho é o meu mundo e esse mundo é o nosso. Todo ele. Não há fronteiras. Os caminhos são todos. O caminho é aquele que eu tomar. É simples (mentira). Basta seguir em frente. O espaço tem amplitude infinita (magia) e devo ir apenas a qualquer lugar e, ainda, a tantos outros. Para que me preocupar mais? O tudo é sempre o incerto. O incerto é sempre o caminho. Preste bem atenção.

Carrego comigo uma besta pela estrada. Tudo bem. Ela sou eu. Somos dupla, afinal. Precisamos uma da outra. Somos una. A besta e eu. Somos duo a remar contra a maré. Coisa comum às bestas como nós. Sou uma iludida e quando me reconheço sou mais contente. Não me basto se não sonho. O sonho é o meu estilo e tá tudo bem. Assim.

Obrigada.

Diana.

terça-feira, 22 de novembro de 2011

encore une fois.



Paola, dear! Acabo de ler o seu email e: a=pa=vo=ra=da. Mal posso acreditar naquilo que li. Paola, quem diria, tornou-se a mais nova menina bahiana com jeito de deusa dos trópicos. Nada como um bom mergulho naquele mar caribenho para alterar os temperos dessa vida, não é mesmo? Haja dendê e ervas da Provance.

Hoje passei por mais uma, dentre as inúmeras e incessantes, situações humilhantes da minha vida. Recebi mais um não para a minha coleção de outros incontáveis tantos. Sabe aquela vaga com a qual tanto sonhei? Aquela mesmo, com quem tanto fiz planos. Aquela que me fez acreditar que tudo seria diferente, que finalmente poderia trilhar um caminho novo, alternativo e mais feliz para minha singela vidinha. Aquela que oferecia inúmeras e interessantes oportunidades de capacitação, aquela que me levaria ao exercício diário da escrita, meu prazer mais visceral. Aquela vaga que faria sentir-me orgulhosa no alto do meu salto que já pisava leve a irradiar vigor pelo corredor. Ficou horrível essa frase. Não foi intencional essa rima uó. Deixei-a passar apenas pelo fato dela condizer com o dia do não.

Tudo uma merda.

Não consegui a porra da vaga dos sonhos, Paola. Justo agora você vai para a Austrália e me deixa aqui sozinha.

Sou uma tola. Porque, de qualquer forma, ainda que aqui você estivesse tudo o que poderia dizer não seria nada além das suas cruas verdades. Diria apenas que é isso mesmo e seguiria feliz em seus afazeres. Tudo bem. Que se foda o não.

Mas vamos lá mesmo assim.

Dei uma choradinha. Me emocionei por auto piedade. Chorei calada, sozinha. No banheiro, na cozinha e na sala da colega do escritório. Chorei quando pensei que o problema é comigo. Chorei quando me senti uma fracassada. Chorei quando pensei no incerto ano que se aproxima. Chorei quando lembrei do massacre ao meu ego que representou o ano de 2010. Temor absoluto. Frustração. Cansaço. Fatiga.

O que será de mim?

O ano nessa cidade só começa em março, isto é, tou fodida, tou cagada. Puta que me pariu! Por que tudo é tão difícil para mim? Caralho, vai tomar no cu! Quero que o mundo acabe, quero que o candidato que conseguiu a vaga, conquiste algo muito mais incrível na sua vida e que lhes deixe na mão.

Isto é, Paola, em suma: sofri como uma vaca que perde o bezerro. Me fudi. Aí resolvi praguejar todo o mundo. Me enraiveci. Mas sabe o que aconteceu depois desse circo?

Pensei. O seguinte:

As coisas nunca foram fáceis mesmo. Sempre houve pedras e mais pedras e toda sorte de trolhas no caminho. Já levei inúmeros foras na vida, ou da vida (voz). Fato é que já sou um pouco calejada, néan? Menina, depois daqueles espasmos de nervosismo contido que tive lá no escritório, retomei a reflexão de maneira mais sensata.

Tentei. Não consegui.

Rapidamente, fui mais uma vez possuída pela ira e maquinei pequenas e absurdas vinganças contra a humanidade. Já cansada de tanto pensar peguei o iphone para procurar uma trilha sonora que pudesse alimentar aquele momento. Vício. (T.O.C).

Escolhi uma vala’s music, deprê total, bem 'afunda a carranca na lama dos vitimados' e sequer surtiu efeito. Fiquei apavorada. Deixei o modo aleatório, mais incompetente da história(pois escolhe sempre a mesma sequencia de merda), rolar e eis que fui contagiada por um sambão que me abalou, surpreendentemente!

Assim, mais empolgada pelo samba, segui meu caminho até meu doce lar e acreditei ser mais uma das muitas brasileiras que levam, com dignidade, uma boa e ardente “vida de mulata”*** em plena Saint Sebastian of January River (apavorada com o horror desse nome em inglês).

Fazer o que, não?

Ao chegar, bem calma a casa, resolvi regar minhas lindas plantas e o borrifador, fofo que eu amo, quebrou em minhas mãos enquanto eu as molhava. Foi difícil não associar o incidente à péssima notícia que recebi. Ou seja, neurotizei e achei que tudo que está acontecendo hoje, prova a minha teoria imunda de que “hoje não é o meu dia”.

Silêncio.

Não tardou para que eu percebesse que seguir essa linha de raciocínio seria inútil, afinal todos passamos por isso na vida,não é mesmo? Todos temos nossas dores, angústias e frustrações e, portanto não sou uma barata desprezível. Viajando nessa onda “positiva”, resolvi acender um cigarrão. Porém o isqueiro, simplesmente, parou de funcionar de uma noite para a outra. Inacreditável. Pensei, até mesmo, que poderia ser alguma problema com minhas mãos, tipo 'toco = destruo'.Fui ao banheiro e ao puxar a descarga deixei a toalha de mão cair no vaso. Isso significou que perdi uma toalha, do meu pequeno enxoval, para as bactérias.

Decidi não malhar, não sair de casa, sob nenhuma hipótese. Achei prudente tragar o esquecimento e relaxar ouvindo os ruídos da rua.

Daqui a pouco ligo o som e tomo uma banho e vou jantar e assim seguirá tudo, tal como o antes, o hoje, o amanhã. Chove lá fora. Como gosto desse barulho.

Para tudo há alternativa, não é mesmo¿

Só posso mesmo ser simples. Simplicidade, muitas vezes, é puríssima sofisticação.

Felicidade agora seria a mais franca mentira.

Sou phyna.

Diana.

*** POIVRE, Daniel et al. Vida de Mulata. 1. ed. Rio de Janeiro: Ed. Urus Truculentus, 2011.

quinta-feira, 17 de novembro de 2011

diamante da ilha.



Prezada Diana, ou melhor, Diana apenas. Prezada é o caralho! De saco cheio desse monte de informalidades imundas, sórdidas e hipócritas. Olha, Diana, li tudo o que você escreveu na última carta e vou direto ao assunto: não tenho nada para te dizer. Você está de-ve-ras chata. Entendo. Entendo tudo. Sou mulher, sou fêmea, sou fatal. Mas só percebi isso ontem, ao sair da Martinica, depois de ingerir por 6 dias aqueles kilos de quinua boliviana, que importei para a missão. Não seria capaz de engolir nada, além disso.

Ai, foi difícil, viu? Já deu uma olhadinha na Suzan? Alguma novidade astrológica quente? Pois eu tenho. Eu, que nasci com a Vênus em Câncer no mapa natal, fui premiada com um trânsito que levou a mesma Vênus a uma regência (temporária) leonina. Causou furor. Total. Crise no casamento. Crise na profissão. Crise. E eu?! Só sei que quero mais! Necessito ser mais bem tratada, mais valorizada e muito mais reconhecida. Preciso de alguém que me corteje e que prove que estou certa. Certa de que sou o máximo. Quero situações que fomentem minha segurança, que espalhem meu brilho, meu glamour, minha glória. Estou assim. Quero coisas simples. Quero somente o mais!

A astrologia vem me conduzindo por novas percepções e tenho tão pouco tempo para fazer valer meus mais densos anseios. Eike ansiedade, gente! Diana, acorda! O tempo tá aí, na cara do gol. Já temos 30 e poucos! Estamos em plena meia idade. O que nos restará após os 70? Espero, meu amor, que muito dinheiro e sucesso na geladeira. Como assim?! Sucesso se guarda na geladeira, minha querida. Ai, sei lá, um lance assim. Penso em dizer e dizer, porém sou somente capaz de vomitar um texto solto que diz mais a mim que a você. Mas o que poderia eu fazer? Cansei da minha vida erudita e dessa militância engajada e alucinada. Quero mesmo é me arrepiar inteira ao mirar um mancebo alucinante que me faça vibrar o corpo dos pés a cabeça. Quero tom sûr tom em minha juba cristalina. Quero, quero, aiê... Como eu quero.

“(...)o que você precisa é de um retoque total, vou transformar o seu rascunho em arte final. Agora não tem jeito, cê tá numa cilada, cada um por si, você por mim e mais nada (...)”. sou cafona, sou apaixonada.

Entendeu? Me apaixonei na Martinica, Diana. Me fudi! Me fudi? Me ajuda, Diana. Cadê o guru? Cadê? Passa o telefone? Faz alguma coisa! Maldito arrepio que me suplanta a mente e a razão. Ai, me inundo de desejo. Deliro naquele beijo que não dei. Só consigo me arrepiar. Perdi 3 kilos de quadril, só de pensar. Isso sim é spa humanitário. Não sei se perdi a razão ou se a encontrei naquele membro do panteão solar. Meu Deus, sou somente sua! Me leva com você! Meu sangue corre feito tsunamis, minhas veias não suportam tanta pressão! Aiiii, que delícia de sentir.

Jamais fui tão feliz, Diana. Desamarra esse bode, mulher! Se entregue a luxúria que não passa de portal pros encantos dos desejos que se fundem ao universo em desalento. Sai dessa, Di! Pula na canoa do brejeiro e balbucie feliz: “(...)tudo fica mais bonito quando você está por perto. Você me levou ao delírio por isso eu confesso, os seus beijos são ardentes(...)”. malemolência mais safada e divina.

Aiiii, que suspiro dengoso que me faz mais tão plena. Meu cérebro desceu. Pensava que isto só era fenômeno entre os homens, mas ledo engano meu. Não tenho cabeça. Não temo a vagina. Penso através dela. Sou bicho, sou fera insana que caça na mata que arde em brasa por um beijo. Estou transtornada de felicidade. Não penso mais. Não penso. Eu suo. Suo os neurônios pela carne que se amacia pelo calor que me arde e me leva a loucura. Jamais, antes nessa vida insana, imaginei que justo eu, compreenderia a Alcione pelas entranhas. Minha estranha loucura. Seu beijo no meu.


urubus truculentus. Sou escárnio.

Sabe o que sou de fato? Um piranha platônica. Somos. Por fim devo dizer que: se eu for à Fort-de-France não respondo por mim. E tenho dito. Tou fora de mim. Não sou mais nada sem minha fantasia. Que sufoco.

Paola.

sexta-feira, 28 de outubro de 2011

pensar é poder (com trocadilhos).



Cara Paola,

Não sei o porquê, mas não recebi ainda seu email. Estou saudosa. Como andam as coisas por aí? Aguardo notícias.

Um beijo,

Diana.

Obs. Hoje é dia de São Judas Tadeu, epíteto, o santo das causas impossíveis.
Não pude deixar de fazer essa menção, Paola. Dei-me conta de que sou, eu mesma, minha causa impossível. Parece que o terremoto do Haiti passado há quase dois anos me atingiu recentemente. Tenho fendas abertas. Minha terra estremeceu. Justo agora... Em realidade, estou angustiada faz muitos anos. Busco incessantemente a reestruturação dos meus escombros e quando pareço atingir um feito, tudo balança outra vez. Eu sei, eu sei... Sou tida por dramática. Sou mesmo exagerada. Sei de tudo isso, mas estou a sofrer, poxa... E discorro, sem hipérboles tolas sobre minha pequena dor:

Quero transformar tudo e não dá! Que difícil de lidar com tantas negações! Que merda ter que viver a esperar. Tudo é tão fugaz e efêmero... Tem sido foda viver de maneira tão saturnina. Responsabilidades. São apenas as realidades. São as fantasias resistentes que me tornam assim, tão desiludida. Possivelmente ajo, mais uma vez, como uma babaca inconformada, que insiste em buscar prazeres hedonistas em meio à desvirtuada maneira que tenho de enxergar a vida. Acatar com a rotina tem sido um desafio imenso. É tão natural para tantas pessoas agir de modo a agradar, simplesmente, aos outros. No entanto, para mim, que detesto máscaras, tem sido um tormento domesticar meus impulsos libertários em prol das minhas necessidades mundanas. Minhas idiossincrasias tornam-se afrontas ao sistema que remove a originalidade de uma sociedade em que o importante é ter. Ser é funcional quando somos. Sou e, portanto não me somo àquilo, dito por certo, quando não quero. Porém tudo o que quero é tão uno que é impossível ser quando sou só eu quem deseja. É, portanto que lembrar-me do meu querido santo gera alívio e consolo durante essa tarde tão linda tal como tantas outras já vividas.

Meu Santo amigo,

Clamo sua força para que possa eu ser abençoada por sua egrégora. Rogo sua misericórdia para que eu seja vigilante. Peço sua piedade para que seu calor toque meu coração e possa me trazer paz, conforto e sabedoria. É preciso cautela e prudência. É preciso esperança e empenho. É fundamental perseverar e repensar a maneira de me ajustar ao universo em que habito. Sou grata às minhas glórias que consistem em viver sob a busca infinita por aquilo que só se sente quando somos iluminadas. A razão é a luz que me orienta. A generosidade uma ferramenta que se lapida. A fé o veículo incerto que traz o norte quando somos cegos. A perseverança é a máquina motriz. O amor... O amor... Dele não sei bem dizer. Sei que sentir é o que me faz viver. O amor é transformador e a paz é o meu desejo. Obrigada por representar o ponto de apoio que ensina, por uma estrada imprecisa e mal interpretada, a ser eu mesma minha maior aliada. Obrigada me parece tão pouco. Mas, como se sabe, sou mesmo uns tons acima. Exagerada, repito.

É, Paola, meus ímpetos transgressores associados às necessidades impostas por um ano regido por um capricórnio me ensinam que é hora de me reinventar. Preciso cultivar a sutileza tão defasada em meu ser.

Bom, Paola, a essa altura você deve estar se perguntando que tipo de dorgas eu tomei. Por incrível que pareça, ingeri um simples café.
Sei que falar de fé não cabe em nosso meio. Sei de tudo isso. Mas defeco(adoro a palavra) solene para o(s) fato(s). Preciso do inefável quando o tangível não me atinge.
Será que eu não me toco? Bom, depende da circunstância. Você entendeu, não é mesmo?
Não deixe de me enviar notícias, sua serelepe. Imagino que as coisas por aí estejam divertidas. E cá estou eu, densa, chata, mala, uó. Ui! Perdoe-me. Não consegui reter minha carência e escrevi, com pouca dó de seus olhinhos, para dizer, em outras palavras, que é você uma querida amiga.

Arrepiada.

Diana.

Obs.2 pensar é poder (com trocadilhos).

quarta-feira, 5 de outubro de 2011

sem saber.



Down on me. *Janis Joplin.

Esperar. Esperar é reconhecer a finitude da vida. Esperar é reconhecer que a vida é exaurível. Reconhecer os limites é reconhecer a morte em si. Lidar com os limites é enfrentar uma guerra sem armas apontadas, sem um campo de guerra definido e em meio a soldados dissonantes.

Ando urgindo por vitórias, mas encontro apenas mais e mais limites. A batalha é perene. Minha força perece. Tudo aquilo que é urgente apenas o é porque o limite não o faz fluir. É aí que nascem as emergências. Os tempos são únicos. São relativos e intransponíveis. Meu tempo é limite. Minha ânsia sinaliza a urgência. Minha emergência é a expressão do meu limite. O meu limite é o limiar entre a sanidade e a loucura. Minha sanidade grita socorro.

Eva, amiga querida, obrigada pelo seu email. Por aqui está tudo bem sim. Ontem me deitei e levei a faca comigo. Fiquei fazendo cosquinha no pulso com ela, sabe? Até pegar no sono. Mas tá tudo bem. “Hoje é dia de rock, bebê”. Entender isso é o que me faz seguir plácida e confiante.

Minha paz é minha mentira mais cretina. Perdi a sensatez assistindo ao rock in rio na tv. Tal constatação surgiu quando percebi que sem o Mauro eu sou metade. Quando metade eu sou... Não achei palavra. Sou uma reles metade. Uma metade é uma sobra. Uma metade é um pedaço solto e sem justificativa. Uma metade triste e vazia. A metade que me representa é desarmônica e lamuriosa. Será um trânsito qualquer? Desejo que sim de modo a encontrar qualquer justificativa. Repudio a minha tristeza refeita da melancolia que nasceu de uma breve ausência. Que cresceu com o limite que me foi imposto e que não me permitiu estar lá com ele a gozar de um mundo novo que se revela sonho apenas quando sou completa.

Estou ressentida. Por mim mesma. Porque não consegui ser a metade de mim para mim. Porque fui reduzida a metade através da incompletude que existiu quando não consegui ir além.

Recorro a todas essas alegorias com um único intuito: não ser óbvia; para dissimular meias verdades. Ando turbulenta e ansiosa. Estou temerosa. É como se estivesse sob algum risco iminente. Estou impotente diante dessa sombra que me envolveu. Impontente diante da minha própria história. Quero mais e já não sei mais onde encontrar o rumo que me leve ao porto.

Renúncia. Uma pequena grande dor. Uma pequena morte. Uma esperança renasce da lembrança de um acerto (?). Já venci esse perigo amorfo antes. Quem sabe posso derrubá-lo outra vez. Temores plutonianos. Inimigos sem face. Preciso encerrar esse ciclo. Preciso virar a página. Preciso reescrever minhas linhas. Preciso de um encontro. Preciso do sol para que ele queime essa treva desgostosa que insiste em resistir. Necessito do sol posto que é chama. Preciso de uma chance. Preciso de luz posto que é força.

Em relação ao Mauro resta-me a certeza (ufa!) de que é ele. Sempre foi. Sempre será.

Você está para vir ao Rio? Ah, amiga, quando vier traz aquele facão de ponta para churrascos dos Pampas para mim? Não fique preocupada. É só para fazer cosquinha no meu pulso até cair de sono. Soninho gostoso que dá, sabe? Técnica milenar chinesa. Estou super bem. Sou um pouco exagerada.

Mas dói demais sentir.

Temo o medo do que não sei.

Temo a minha própria chatice.

Diana.

terça-feira, 4 de outubro de 2011

on the road



Sabe quando alguém te pergunta como você está e é impossível disfarçar? Não estou péssima, mas estou. Sinto-me presa. Don´t give up the fight! Era tudo o que precisava ouvir para tentar uma reação.

Minha vontade louca me diz assim: - levanta dessa porra desse marasmo e vaza! Não tem nada para você aí. Trabalho chato do caralho. Gente nada a ver contigo. Essa grana curta que você ganha aí não serve para comprar sequer um bode, querida. Levanta e vai atrás!!!

- Não. Não posso. Tenho o aluguel. Tenho tantas coisas para pagar. Todas as minhas dívidas. Todos os meus débitos. Tudo o que preciso. Tudo o que desejo. Tudo aquilo sobre o qual eu divago. Todas as minhas dúvidas...

Que bizarra a sensação de ter tudo e de não ter nada. Se tudo o que tenho é provido por terceiros nada é meu, não é mais ou menos isso? Tenho que seguir em frente. Tenho que fazer algo que me apeteça. Tenho que saber o que gosto de fazer. Tenho que isso e tenho que aquilo. Sempre soube que tenho muitas coisas, mas há anos busco algo que não tenho. Há anos busco o que ninguém jamais conseguiu me dar. Tento encontrar tudo o que não sei nem como é porque eu nunca tive. Eu tento tanto, mas ao final estou em um movimento circular em que não é possível identificar o começo ou o fim desse ciclo de não respostas.

- Queria apenas me divertir.

Tá tudo dentro de mim. Toda essa explosão de vontades. Mas elas não podem ser cuspidas. Não podem. Eu sou presa às mentiras que todos contam. Eu sou presa às verdades mentirosas que me fazem seguir uma estrada que não dá em lugar algum.

- É... “é preciso um bocado de tristeza (...) a tristeza tem sempre uma esperança de um dia não ser mais triste não”. Sabe o que é pior? O samba é uma tristeza que balança. Fudeu mesmo para mim. Nunca soube sambar. Como vou balançar minha tristeza? Ao menos já senti a luz do coração sambando em outra cadência, quando venci fronteiras e fui quem eu quis por aí. Ah, Senhor, dá-me a chance outra vez de flanar pelo mundo a buscar! Dá-me, ó Senhor! É preciso alimentar o espírito um pouquinho como uma injeção de prazer, sabe? Já tentei de tudo. Chocolate, vinho e por aí vai, mas quero passear pelo mundo a fora. Já cansei da cidade que não tem mais fim (ou que é o fim).

E o Mauro lá tão longe. Saudade arde e aperta o coração. Caramba! Não lembrava mais. Sou um arco sem flecha. Estou tão confusa (nada a ver com ele). Não sei mais o que sinto. Como faz falta aquela sweet sensation de quando estamos into the groove. É apenas isso o que tinha para dizer. O mesmo se sempre. É só o que dito há alguns meses desde que me dei conta de que o alívio virou martírio outra vez. Foi, portanto, que vim aqui. Do lamurio fiz pequena oração. É assim mesmo. Melhor transformar a maneira de dizer o mesmo. Quem sabe assim eu vejo o tudo igual de uma maneira diferente.

Tanta vontade de abraçar o Mauro.

Diana.

terça-feira, 20 de setembro de 2011

voo a lugar algum.



Cara Eva, mais uma vez distantes pelo tempo que venta afazeres e dúvidas. Tanta coisa é muito pouco. Muito pouco é tanta coisa. As eternas questões existenciais que contaminam minha atmosfera me levam ao mergulho profundo na imensidão impalpável do meu universo. Hoje ele é apenas um espaço vazio. Não sei se claro ou se escuro. Um espaço vazio. A ausência de gravidade faz o meu corpo flutuar estático. Enxergo dentro de mim e posso ver o infinito e o caos. Lá dentro se confunde com o aqui fora. Penso ser tudo parte de um mesmo todo. Somos um. Tudo e todos. É esse espaço vasto que cospe a vida. Esse espaço é oco e preenchido de ilusão. De ilusão é composta a vida. A ilusão é a arte manifestada. Você já escutou o silêncio? Desde muito nova aprecio escutá-lo sob as águas. Recordo-me da primeira vez que percebi ser possível escutar o silêncio. Foi mágico. Sob a densidão da água ouvi o som universal. O silêncio é cálido. É curioso. Instigante. Gosto dele. Embora só, ele é uno quando dois. Ele só existe se alguém o ouve. O silêncio é o encontro.

Gosto de estar sozinha. É quando fica mais fácil ser. Talvez por isso o mantra maior tenha o som do silêncio universal. Talvez por isso os orientais busquem no silêncio a base. O respirar profundo também é canal para a escuta do silêncio. O perceber do respirar é o reconhecer do ser em vida. A meditação conduz ao silêncio. O silêncio cala a crise. O silêncio cala a dúvida. O silêncio é o encontro com as poucas respostas que podemos ter. O silêncio é um luxo.

Evandra, não consigo dizer nada. Por isso tanta referência ao silêncio. Realmente ele tem me servido como conforto. Ando conflituosa. É foda ter consciência. É foda ter que lidar com minhas mesquinharias. Mauro viajou. Fiquei sozinha. Fiquei com raiva por não ter ido. Não pude. Não deu. Faltou. Mas ele foi. Foi se divertir. Desabei ao chegar a casa ontem à noite. Dramática. Chorei de saudade. Foi um ensaio. Depois da catarse a mesquinharia. Ele se diverte e cá estou tolhida.

No entanto, bastou uma noite apenas para que entendesse que quinze dias não são nada. Já entendi que quando a ausência do Mauro se tornar aprazível haverá seu retorno e então meus pequenos infernos explodirão em chamas outra vez. É assim a vida. Uns dias felizes e outros não. É duro ter que lidar com desejos frustrados. É tão difícil resignar-me diante dos meus desejos frustrados. É fácil, porém, admitir minha mesquinharia. Talvez seja a melhor maneira de lidar com meus nãos. Portanto é melhor mesmo recolher-me e manter-me muda. Às vezes simplesmente não há o que possa ser feito. Tudo o que nos resta é enfrentar nossos demônios olhando-os nos olhos e dizendo: é difícil ter que te vencer, mas é minha única saída. Há horas que eu queria mesmo era soltá-los e deixa-los conduzir os rumos. Mas preciso admitir que seria muita burrice. Os demônios têm inteligência muito objetiva. Eles sempre pensam de forma atemporal. Não assimilam futuro. Para eles é sempre o agora. Embora, carregue os meus capetas, preciso ter razão. Preciso lembrar-me sempre que para mim há futuro. Pois que o tempo para nós corre em linha reta ao encontro de um destino certo e impreciso. Ao ultrapassar esse limite que me arranca o corpo e me transcende em alma pura - alguma outra forma de vida - não posso ignorar o amanhã. O tempo é mesmo Senhor. Ele é tão misteriosamente irritante. Sou tão inconformada, Eva. Para quê, né? Para quê tudo isso?

- deve ser para você escrever.

Se ainda servisse para alguma coisa essa escrita. Há de servir. Serve-me. É verdade. Aqui dialogo com eles - meus demônios. Demônios são assim. Não são bons, não são maus. São nossos. Somos os responsáveis por eles. Demônios são bestas. Somos nós quem os educamos. Odeio isso. Odeio essa responsabilidade. Mas é o que me resta. Odeio minhas crenças que me levam a acreditar no desenvolvimento do espírito.

Porém amo a liberdade que me permite voar. Eu voo. Longe. Sei lá para onde.

Diana.

terça-feira, 13 de setembro de 2011

all the single ladies.



Mais um dia de desassossego. Mais um dia buscando com todo meu afinco os pequenos prazeres que me fazem insistir. Como é bom atravessar aqueles corredores de frutas, verduras e legumes e sentir aquele aroma de boa vida no ar. Não tarda muito para eu correr atrás de um coletivo até chegar cá. É cá que penso na brevidade da vida. Aqui me deparo com as portas entre abertas sem poder dar algum passo adentro em nenhuma delas. Ao longo de quinze dias me depararei com atípica solidão. Não faço a mais vaga ideia do que esse tempo de reserva me dirá. Tenho apreço pelo dizer do tempo que sempre me recorda a necessidade de se esperar. Não sei o quê. Quanto mais aguardo, mais ele parece correr. Não há sinergia entre o anseio, o desejo e o tempo. Penso e logo morre um burro. Da maneira com a qual venho a pensar sobre o penar creio, pois sim, nascerem muitos burros. Sou burra nascida e criada. Metáfora de quinta.

- De quinta não, minha filha. De segunda. Quinta é chic. Quinta é babado. Quinta é mara! Quinta é bapho! Quinta é véspera de sexta. Quinta é o dia perfeito para sair. Só quem pode e quem tem sai quinta à noite, meu amorrr!

- Ah tá. Desculpe. Havia pensado alto.

- Ih, bee! Se joga! Pensa alto, desembucha!

Odeio esse vocabulário. Acho tão excessivo. Pensava baixinho, a inconformada Lisboa enquanto sorria simpática para o amigo, ou amiga (nesse caso é impreciso) do escritório.

Enquanto vejo ao meu redor todo o meu círculo social se desmontar devido a viagens interessantes para destinos tão atraentes me percebo tolhida e sendo assim... oprimida, deprimida e vazia. Ai, ai...

- Bamos almoçar, cariños?

Aquele sotaque parecia o soprar de um anjo a trazer boas novas a introspectiva Lisboa.

- É un conbite! Bamos para Santa Tereça ya!

A atmosfera ganhou um novo e acolhedor filtro de luz, algo que remetia Lisboa à imagem de uma foto antiga e fascinante, algo que a fez revisitar seu misterioso passado ancestral. Imagem onírica e apaziguante. Subir aquelas ladeiras a gozar de tão doces companhias lhe parecia um convite do olimpo para a pequena felicidade. Santa Teresa que tanto diz a jovem Lisboa sobre suas origens parecia o lugar perfeito para tão bem vindo escapismo vespertino. Caipirinha. Dois ou três brindes à amizade! Palavras soltas e felizes escapavam em voo lento e suave através da brisa morna e primaveril. Outra caipirinha. Finalmente os sinos tocam dentro da melancólica Lisboa e ela sorri satisfeita ao abraçar novamente a pequena e sempre enorme Alegria! Um som que ela tanto curte lhe surge em mente. Instantaneamente ela se projeta à boa e velha Bahia. Lisboa desliza nua sobre a areia molhada daquele litoral inebriante.

- Ó febril caipirinha mística que para cá me transportou! Sou tão grata a ti!

Lisboa desfrutou do prazer de ser índia em um Rio dourado de sol! Lisboa refeita após um terremoto. Lisboa baiana, Lisboa em paz. A marola lambeu seus pés e subiu por seu corpo a fim de lhe provar o tempero daquela nudez imaculada. Era a primeira vez que Lisboa se deixava transportar acordada para a liberdade que só é capaz ao sonhar.

- Xentchy! Lisboa, aonde você estába?

Ah, a viajar um bocadinho para aquele lugar.

- Chegou o bobô! Bamos! Sirva-se!

Lisboa retornou ao tempo de todos levando consigo aquele cheiro de mar. Ao deixar a bucólica Santa guardou consigo seu sonho.

- iiiiiiiiii... tá chapada, Lisboa?

- não, Olívio. Apenas contente.

- iiiiiiiiiiiii viu algum bofe?

Lisboa foi escovar seu alvos dentes e fitou-se no espelho. Observou-se. Não se achou feia, tampouco bonita. Respirou fundo. Não encontrou o que dizer. Voltou a sala. Sentou-se diante do computador. Olhou o teclado inerte. Passou seus dedos sobre algumas letras buscando dizer algo. Escreveu:

Em silêncio é mais gostoso.

...

Os ruídos lá fora sempre escassos parecem explodir. Um caminhão promocional para em frente ao prédio e sua caixa de som explode: “all the single ladies! all the single ladies”.

- iiiiii, racha! A-TÓ-RON a BEYONÇA, LISBO-ÁÁÁ! Ui! Loucura! Mexe esse cu, portuga!

Apavorada ela sorri sem mostrar os dentes, notavelmente constrangida, para Olívio (ou Olívia. Já não sei).

Lisboa permanece em silêncio e escreve:

So-cor-ro.

terça-feira, 6 de setembro de 2011

sem mais.



Véspera de feriado. Um alívio momentâneo. O romper de um tempo entediante que se repete e se repete e se repete e que se confunde ao me confundir. Sei ser em vão refletir sobre esse assunto. Esse caminho não leva a nada. Nada adianta. Que fase. Nada parece ter solução. Resta-me aceitar as limitações saturninas impostas pela vida e me entregar ao prazer – frustrado - dos mais delirantes sonhos netunianos. Outro dia fui obrigada a escutar de uma senhora a seguinte frase:

- ah, você não conseguiu isso (algo que queria muito e que cheguei a sentir o gostinho, quando de repente tudo foi para os ares)? Pôxa, ao menos você sonhou... E isso foi dito com um sorriso bem fofo (e que me pareceu puro cinismo).

Preciso dizer o que tive vontade de dizer a ela? Ai,ai... Acho que não, né? De que adianta um sonho quando irrealizável?

Minha rebeldia uraniana corre em círculos sem qualquer aspecto que a faça valer. Ela existe e pulsa em fúria buscando expansão. Contudo, percebe-se tolhida. Completamente contida ela pensa em explodir. Se presa ela é sem razão. Pobre da rebeldia que pulsa para não ser nada. A inutilidade absoluta da ideia controversa. O contentar-se com a liberdade de um pensamento que pensa voar e que jamais se expande. A foda mal dada que tornou-se a vida quando não se é quem se sonhou.

- Que triste.

Foi o que escutei ao ler o texto acima para a Paola Bittencourt.

Eva, amiga querida. Como é comum, tu nada dirás a respeito disso. Pouco te importa meu drama pessoal. Pouco importa a minha vida para ti e para o mundo. Não sou nada. Sequer uma ninguém. Se sou sem ser o aquilo que sinto, para que, ora bolas, cá estou? Para isso. Para afogar minha angústia nessa poça de letrinhas que se faz do meu pequeno pesar.
E assim segue a vida. Uns satisfeitos e outros não.
Não se preocupe (sei que sequer preciso pedir), amanhã será como ontem e como o dia depois e tudo seguirá tal qual como agora. Sem mais.

Diana.

quarta-feira, 31 de agosto de 2011

o feitiço vira contra o feiticeiro. capítulo III. margot.



eis que de repente Margot corre para um lado, corre para o outro e vê umas quatro mãos vindo ao seu encontro. Ela se contrai. Fecha os olhos e faz força contra o vidro. Tenta sumir. Em vão. Sente duas mãos a agarrar seu frágil corpinho e em franco desespero tenta escapar do vidro em que estava vivendo. Escorregou inúmeras vezes daquelas pequenas mãos. Ela suava por seus olhinhos arregalados pelo medo. Em poucos segundos tudo o que ela viu foi uma grande escuridão. Ao abrir os olhos: uma cela. O sol quadrado. Ela tem, portanto, a certeza de que morrerá. Lamenta que sua vida tenha sido tão curta e pragueja a vil humanidade. Espera sua sentença. Ouve vozes. Uma criança feliz. Um homem. Uma mulher. Pensa nas leoas do programa de TV. Sente uma tremenda inveja da força daqueles animais e resignada desmaia na gaiolinha.

Uma luz. Muitas flores, vasos de plantas, um lar aconchegante, um chão de madeira. Letícia. A menina de pele alva, cabelos lisos e escuros e rosto delicado sorri para ela e lhe dá uma cenoura. Margot tem certeza de que está no inferno. As mãozinhas da menina tinham esmalte cor de rosa descascado e a tocavam a todo instante. Ela levou um tempinho para entender tudo o que se passava. A semana de férias ia muito bem. Letícia, feliz no casarão de seu pai, sentia-se livre colhendo frutas do pé das árvores, cuidando da sua rebelde coelha e brincando com as outras crianças do condomínio. Tudo isso deixara seus pais bastante satisfeitos.

Enquanto isso, no Rio, Letícia, a mãe, preparava a casa para receber o novo membro da pequena família.

É chegada a hora da filha voltar para casa e agora com o melhor dos presentes: a Margot!

Tudo seguia bem. A menina feliz da vida, com sua coelha arredia, seguia sua dolce far niente vida na mais absoluta paz. Margot se recusava a comer verduras e estava sempre a cata de restos de biscoitos, sanduíches e pedacinhos de pizza que pudessem ser encontrados pelo chão da cozinha ou da sala. Tudo era motivo para alegria, até mesmo um derradeiro incidente durante o jantar. Um dia um copo escapou das mãos da mãe e se espatifou em vários pedacinhos pelo chão. Margot zarpou por entre os cacos de vidro lambendo com agilidade cada gota do restinho de refrigerante. Embevecida a coelha deitou-se no chão após aquela injeção de açucar e relaxou como nunca havia feito antes. A menina, com medo da coelha se machucar, foi retirá-la da zona de risco e escutou, literalmente, Margot falar para ela, com toda clareza, que lhe deixassem em paz num tom rabujento, tirânico e malcriado:

- Ai, garota chata! Me deixa dormir só mais 10 minutinhos! Que saco, aonde eu tô vem você me agarrar. Garota carente, insuportável. Essa separação dos seus pais não te fez bem. Eu, hein. Insolente! Não suportarei tamanha petulância! Ouça bem essas palavras!

As duas se fitaram surpresas e Letícia a largou no chão recebendo em seguida uma tremenda bronca de sua mãe, que chegou a dizer que a menina estava muito estranha e que talvez precisasse de uma psicóloga.

- O que foi, Letícia?! Você largou a Margot no chão?! Mas o que é isso?! Quanta distração! Daqui a pouco vou levar você a psicóloga. Estou preocupada. Não para de falar com aquela boneca velha e agora escuta uma coelha... Ai, meu Deus. Acho que você já está ficando grandinha para isso. Está na hora de ler Maquiavel.

Catatônica, a garotinha passou a apresentar um comportamento um pouco estranho aos olhos de sua mãe a partir desse dia. Margot, ao perceber que a sua dona podia ouvi-la, resolveu tornar a criança seu animal de estimação.

- Ah, então você pode ouvir bem o que eu te digo?! Muito bem, garotinha! Agora quem manda aqui sou eu. Vamos ver quem é o brinquedo de quem! hua hua hua (risadas sinistras). O que temos para hoje? Brigadeiro? Bolo de cenoura com calda quente de chocolate? Traz o menu, menininha!

Sempre temerosa, Letícia cedia aos seus inúmeros caprichos. A fome dela era insaciável! Uma loucura!

- Letícia, traz chocolote? Letícia, mais coca-cola! Ah, traz batata frita e pizza de peperoni. Pega o vinho da sua mãe? Hoje eu tô que tô! hihihi

- Mas acabou, Margot...

- Então pede para a sua mãe ligar para lá e pede outra, ué. Eu, hein. Garota abusada. Chata! Você é uma chata!! Também, com essa mãe não poderia ser outra coisa.

- Mas a mamãe vai achar estranho, Margot!

- A mamãe vai achar estranho você falando comigo, não é? hãhãhã.

Margot só queria saber de porcaria! Ah, ela também adorava escutar um sambinha. Bastava um ziriguidum na caixa de som para que começasse a sambar com a maestria de uma mulata! Toda vez que a Rômula, a cozinheira, ia a casa da família preparar seus pratos incríveis era uma festa para a excêntrica coelha.

- Põe Alcione aí, Rô!! Pô, ela não me escuta! Que horas a Letícia volta da escola, hein?

em realidade, Margot curtia mesmo uma boa fossa. Era dada a emoções muito intensas e a voz da Marrom a conduzia ao mergulho dentro de suas mais profundas emoções: rejeição, abandono + a busca pela superação = Alcione. A Rômula adorava para o deleite da Margot.

A pequena Letícia ficava cada dia mais confusa. Ora sentia um medo muito grande, ora admirava aquela coelha fantástica que podia falar e sambar e muitas vezes ria escondia ao ponto de sentir dores em sua barriga! Geralmente ela tinha os melhores flagras da coelha quando a observava sem ser notada.

- Tá rindo de que? Nunca viu coelho sambar não, ô?! iiiiii ó!! Me deixa ser feliz! Traz uma latinha de cerva aê! ha ha ha!

Apenas a menina via suas travessuras. A coelha não pestanejava. Adorava fazer a garotinha ficar bastante atordoada. Sentia-se poderosa cada vez que a manipulava. Mas também sentia-se orgulhosa a cada risada que arrancava dela. Mal sabia a garotinha que a própria Margot andava confusa. Ela gostava muito de ser admirada pela menina, mas não podia admitir. Um dia ao falar sozinha...

- Coelha idiota!! Você não pode esquecer todas as humilhações que passou. Não pode se deixar seduzir por essas bochechas rosadas e robustas dessa menininha!! Acorda, Margot! Acorda!! Seres humanos não valem nada! É preciso fazer como as leoas ao determinarem quem serão suas presas! É preciso ir adiante!

divagava ela a sós ao andar de um lado ao outro, sem sequer pereceber que era observada. Letícia escutava aquelas palavras escondida atrás da cortina e começava a matutar sobre aquela coelhinha matreira.

A coelha tinha o trânsito livre no apartamento, mas gostava de dormir dentro de sua gaiola aconchegante. Toda vez que a mãe ia dar uma olhadinha na pequena Margot ela se comportava muito bem. Segurava suas verdurinhas com aquele jeitinho beeem fofo e dava uma coçadinha em seu fucinho com suas patinhas charmosas de roedora.

A pobre menina nunca mais havia sido a mesma desde a chegada de seu animalzinho de estimação a sua casa. Passara a ter o sono inquieto e por muitas noites preferiu fechar a porta de seu quarto para que Margot não fizesse alguma de suas chantagens. Ela andava tão magoada, coitadinha. Enquanto tudo isso acontecia a babá continuava trancada no quarto de sua mãe e ela com a maior saudade das sua amigona do peito.

- Droga! Deu tudo errado. Queria um irmãozinho e ganhei uma coelhinha que é malvada. Minha boneca preferida tá presa no armário da mamãe que não me entende e só me critica. Tô com saudade do papai mas ele tá lá longe. Saudade das minhas amiguinhas.

então choramingou até cair no sono...

6 meses depois.

Letícia andava tão cabisbaixa que a coelhinha começou a ter crises de consciência fortíssimas. Margot finalmente estava mais crescidinha. A vida adulta parecia ter despertado seu instinto materno. Seu olhar sobre a ainda pequena Letícia já não era mais o mesmo. Apesar de não aceitar sua condição de bicho de estimação, lembrou-se do quão cuidadosas eram as leoas com suas crias. As imagens daqueles vídeos revisitavam sua memória com cenas mais ternas. Parecia que o instinto maternal de Margot começava a falar alto. Uma noite ela empurrou a porta do quarto da menina enquanto ela dormia e notou que seu sono não estava tranqüilo. Sentindo-se culpada por maltratar a única criaturinha que por ela teve piedade, acabou chegando bem pertinho dela e emocionada lhe fez um carinho.

- Me perdoe, menininha! Estava tão machucada. Fui tão humilhada por tantas outras crianças e seus pais que endureci. Tornei-me um pequeno monstro. Hoje sou capaz de perceber meu engano. Você é tão boazinha.

caiu em prantos a arrependida coelha. Deitou-se ao lado da sua dona e enxugou com as orelhas suas espessas lágrimas. Chorou e chorou até se cansar. Com as mãos em seu barrigão ela foi caindo no sono. Quando estava quase dormindo foi acordada por um movimento da Letícia. Se encolheu todinha e olhou para ela ressabiada. A menina sorriu enquanto sonhava e então a coelha respirou fundo e também sorriu satisfeita pela cena que assistira. Antes de sair do quarto cobriu a garotinha e adormeceu ao lado de sua cama.

No dia seguinte ao acordar sob a força do sol de tão linda manhã, a pequena Letícia não conseguiu acreditar no que viu. Margot de barriga para cima, sobre seu tapete e a roncar em um tão pesado sono. Achou engraçado ter tido um sonho tão bom com a Margot, justo no dia em que acordou em sua companhia. A menina levantou e foi buscar uma fruta na cozinha. Ao voltar encontrou a Margot se espreguiçando com os olhos inchados de tanto sono.

- Bom dia, Margot! Tudo bem? Trouxe suco para você! Você é tão fofinha!

- aaaaaaah!! O que tô fazendo aqui?! Socorrooo!!

- Calma, Margozinha, calma!! Sou eu!!

apavorada a coelha groducha tentou correr para a sala, mas desajeitada se chocou contra a parede. Letícia tentou pegá-la no colo e ouviu um barulho estranho! Era Margot tentando rosnar como um leão sem o menor sucesso.

terça-feira, 30 de agosto de 2011

babá milão. capítulo II.



Babá era a melhor amiga imaginária de Letícia, que a esta altura já com oito anos, começava a apresentar certa vergonha de se comunicar com a boneca diante dos olhos de sua mãe. Letícia esperava toda noite sua mãe dormir para começar seu bate papo com a boneca de pano. Toda a noite rolava uma espécie de ritual. Letícia vinha da escola, completava suas atividades, brincava, fazia seus deveres, jantava com sua mãe, assistia algum filme, isto é, cumpria sua rotina de afazeres infantis e se jogava na cama. Literalmente. Ela adorava sair correndo e pular sobre as almofadas em um mosh alucinado. Letícia amava o Nirvana e acha o máximo os saltos que o Kurt Cobain dava na platéia. Ela era viciada nos dvds de shows de sua mãe. Sob o edredon ela fingia dormir até o momento que sua mãe fosse para cama. Ao se certificar de que ela estava apagada, a garotinha abria a porta de seu armário, puxava sua gaveta de bonecas para catar a pobre e capenga da Babá. A boneca levantava meio rabujenta e reclamava um bocado. Tal como uma legítima senhora. Reclamava das partes descosturadas, do quão amassada ela se encontrava naquela gaveta:

- pelamor de Deus, Letícia! Tou toda cagada! Vou morrer se eu continuar nessa gaveta cheia de fungos, bactérias e ácaros. Cansei desse meu layout decadente. Boneca de pano é tão anos século XIX! Acho que sequer entre na categoria retrô ou vintage! É por isso que sua mãe tem pavor. Hoje em dia uma figura como eu parece personagem de filme de terror B. Quero ser uma Barbie Milão! Linda, glamourosa, um clássico dos 50! Nesses livros do Harry Potter não tem nenhum feitiço para transferir minha alma para a Barbie Milão, não? Não vai dar para continuar as nossas conversar nessas condições, minha filha.

em seguida, como de praxe, a Babá pedia para abrir a janela e as duas ficavam a observar a lua e as estrelas. Conversavam sobre os mais diversos assuntos e ela, a boneca, sempre pedia para a menina abrir seu pote de balas escondido sob a cama. Babá era viciada em pirulito e quando tinha um na boca sempre divagava sobre a vida, sobre a hermenêutica dos grandes pensadores e dava mil ideias a pequena e super imaginativa Letícia que sempre se deleitava e ria muito com as histórias da boneca. Muitas vezes sua mãe acordava com suas altas e francas risadas. Houve um momento em que a menina começou a levar umas broncas, e a Babá foi parar no quarto de sua mãe.

- Letícia, minha filha, me tira daqui! Não aguento masmorra! Não sou princesa, pelamor de Deus, minha filha! Vou morrer asfixiada! Os tempos de escravidão já acabaram. Me larga dessa corrente, garota! Me transfere logo para o corpo da Barbie Milão. Já te disse que esse é o problema, garota! Tou parecendo o Mummm-Ra! Não é do seu tempo, eu sei, mas em suma, minha filha, é uma múmia! Ai, que depressão esse corpo de boneca velha, menina! he he he. Assim não vai dar não. Esse nome também, hein? Babá... Ai, que não aguento mais essa vida, garota! Daqui a pouco você cresce e o que será de mim nessa estampa?

Todo aquele martírio pelo qual a boneca passava trancada no armário alto do quarto da mãe da menina a deixava muito descontente. Suas conversas com a Babá ficavam muito limitadas. Era preciso ir ao quarto da mãe para escutá-la e era tanto lamúrio que ficava difícil se divertir. Ela tentava uma fuga a qualquer custo.

- Sua mãe, hein, minha filha? Virou uma reacionária, uma fascista. Escrava do sitema. Que horror. Assim não dá. Ela se esqueceu completamente o quanto já falou comigo. E era tão chata. Só poderia mesmo ter se tornado essa adulta repressora. Ai, que horror, menina!

Que triste era para a garotinha, ver sua mais fiel escudeira e confidente e mais! a melhor companheira de aventuras noturnas aprisionada de maneira tão lastimável. Desde então passou a andar meio tristonha e bem mais calada. Sua mãe andava muito estressada e resolveu levar a pequena à casa de seu pai a fim de descansar por uns dias. Ricardo era veterinário e vivia numa agradável chácara na serra. Ele atendia animais domésticos no pet shop em que a coelhinha de raro comportamento se encontrava.

Mãe e filha prepararam as malas. A garotinha tentou colocar a Babá na mala sem êxito. Houve uma pequena discussão em vão. Letícia, a mãe, estava irredutível. A menina choramingou, mas não pôde fazer nada.

- Não liga não, minha filha. Quando você voltar a gente conversa. Me passa um email, qualquer coisa. iiiiii, não tenho como entrar no computador sem você! he he he!! Não se preocupa não. Aproveita para estudar os livros do Potter para tentar me passar para a Barbie Milão. Aí sim, menina, a gente vai se divertir a valer. Deixa eu conseguir entrar naquele seu Porsche, deixa!

As Letícias entraram no carro e seguiram rumo a serra. Foram escutando as músicas de seu set list preferido. A viagem se deu de maneira descontraída e a menina deixou de pensar na sua boneca de estimação. Conversaram muito ao longo do trajeto. Vislumbraram as belezas da mata atlântica e cantaram vários sonzinhos maneiros. Chegando à cidade, foram direto ao pet shop, pois era lá que estava o Ricardo a trabalhar naquele final de tarde. A menina encantou-se imediatamente pelos filhotes e caiu de amores pela coelhinha rebelde e subversiva a primeira vista! Apaixonada por histórias de reis e rainhas logo batizou a bichinha de Margot. Ricardo imediatamente alertou a filha sobre o temperamento arredio daquela coelha. A garota, depois de brincar com todos os filhotes, pegou finalmente a mal humorada Margot no colo. A filhote não se fez de rogada e já exausta de toda aquela criançada deu uma mordida na pequena Letícia e arrancou boas risadas da menina.

- Paiê, me dá essa coelhinha, por favor, paiê!!

Rogava a doce menininha ao pai, de joelhos em sinal de prece! A Margot, que por sua vez, já estava para lá de safa com esse mesmo papo de sempre, não imaginou que seu destino estava a poucos segundos de se transformar. A família resolvera adotar de vez a bichinha que teria tido um dramático destino, caso não saísse logo dali. Margot notou uma movimentação estranha desde que mordera a menininha que fora a primeira e única a soltar uma risada depois de uma de suas malcriações, isto é, uma bela mordida com toda a fúria de seus dentões.

sexta-feira, 26 de agosto de 2011

margot. capítulo I. esboço.



Um dia frio na serra carioca, mais especificamente em Itaipava. Chegam alguns novos filhotes à Pet Shop, PET POP. Em meio aos vários filhotes há uma coelhinha da raça mini lop. A única de uma ninhada que chegou à lojinha da pequena e pacata cidade. Ali dentro os animais eram separados e ficavam dentro de vidros que lhes permitiam ser observados e tocados por todos que ali passassem. Tudo era muito limpinho e bonito, porém é sabido que nenhum bichinho é feliz assim. A loja era muito organizada e movimentada e se encontrava num shopping local. Havia no pet shop uma televisão bem grande que transmitia 24hs o canal ANIMAL PLANET. Curiosamente a única coelhinha do Pet era o filhote mais curioso e inquieto. Ela era absolutamente fascinada pelos programas transmitidos no canal. A coelha passara um mês ali e desenvolveu uma grande revolta contra os seres humanos, sobretudo contra as crianças. Tudo fruto do seu doloroso sentimento de rejeição. Fora arracanda de sua família, jogada naquele inóspito lugar e ainda por cima era torturada pelas crianças que visitavam o local e a achavam linda e fofa gimaix. Elas a apertavam, esmagavam, cheiravam, beijavam, mas jamais convenciam seus pais a levarem-na para suas casas. Cada vez mais a sua indignação aumentava. Ela se sentia enraivecida e tinha um comportamento atípico para uma mini lop. Admirava cada vez mais os programas sobre a vida dos leões nas Savanas africanas. Sonhava em ser como as leoas. Bonitas, fortes, independentes e, sobretudo livres em seu habitat natural. Tornou-se famosa na lojinha como a coelhinha que mordia. Sendo assim, parecia cada vez mais impossível vendê-la. Seu destino era incerto.

Letícia, 30 anos, mãe de uma menina homônima de oito anos, vivia no Rio de Janeiro, num aconchegante e pequeno apartamento no Humaitá. Separada, tinha bom relacionamento com seu ex-marido, Ricardo, que fora seu namorado desde a adolescência. Trabalhava muito. Era analista de sistemas e sua filha, curiosamente, não era dada às grandes pérolas tecnológicas da atualidade. A menina parecia viver fora do seu tempo. Imaginativa, tagarela, divertida e espirituosa adorava brinquedos artesanais, inventava mirabolantes histórias e estava sempre a falar e a criar aventuras. Gostava de plantas e de animais. Sentia falta de um irmãozinho e, por vezes, sua mãe a achava fantasiosa em demasia. O prédio em que moravam era antigo e não tinha play. A criança passava o dia todo na escolinha e fora dela tinha pouquíssimo contato com outras crianças da sua idade. Um de seus brinquedos preferidos era a Babá. Bonequinha de pano que sua mãe recebera aos 10 anos, quando viera morar no Rio de Janeiro.
Letícia, a mãe, passara uma infância pacata na cidade de Ouro Preto e tivera uma babá, chamada Mariana. Mariana era uma senhora gorducha, muito carinhosa e excelente cozinheira, cheia de histórias folclóricas para contar. Criara a então menina como filha e quando a família decidira ir para a grande cidade, em meados da década de 80, Letícia sofrera muito por ter que se separar de Mariana. Esta, por sua vez, costurou uma boneca em sua imagem e semelhança e lhe dissera que esta seria a forma que teriam de estarem sempre juntas e recomendou a pequena que conversasse com a boneca sempre que quisesse. E assim ela o fez até chegar a adolescência. Contudo a boneca Babá jamais fora deixada de lado. Decidira guardá-la para presentear sua filha quando um dia ela a tivesse. Assim sendo, depois de um longo período de namoro com Ricardo ela finalmente engravidou, e quando sua menina completou três anos recebeu como presente a bonequinha de pano. Tal como sua mãe outrora fizera, a pequena Letícia também danou a falar com a boneca. O que parecia aos olhos de sua mãe muito natural, uma vez que ela em sua tenra infância cultivara o mesmo hábito.

quinta-feira, 25 de agosto de 2011

inutilidades crônicas.



O tédio rolou solto ontem. Não pude frear meus devaneios. É tão complicado ter que lidar com todas as limitações que a rotina impõe. São tão vastas as impossibilidades de realizar tudo o que desejo. Ou seja, tá tão foda de suportar tantos nãos que me resta viajar... Metaforicamente. Pois em termos concretos não tá dando para ir a Belford Rôxo (que nome é esse, gente?!). Sendo assim, deixo minha imaginação ir ao longe, ao infinito. Melhor aproveitar enquanto ainda não é preciso pagar por esse serviço íntimo. E, olha, mesmo assim não está fácil. São tantos ruídos lá fora que até a imaginação sofre retaliações. Nem ela, pobre de mim, consegue ser tão fluida. Queria isso, queria aquilo, mas não. Não pode. Não dá. Não há maneira. É o trabalho. São as contas. São as incontáveis responsabilidades. Não vai rolar aquilo. Não tem como acontecer isso. É a crise do fulano. É a dor da beltrana. É a babaquice de uma amiga. É a putaria de uma conhecida que destrói a própria família. É o caos planetário. Pohãn (RIP Marilac - Amay, Katylene - bordão decadente. Era de Aquário. Era do efêmero?) Resta seguir em frente. Resta mesmo se calar e tentar extrair o prazer daquilo que há. Resta perceber que é isso que é.

Lá fui eu pegar o 410 ao fim de mais um expediente. Escutava um som. Não me lembro mais qual era. Alguma coisa que tornou meu estado de semi depressão ainda pior. Não consegui passar a música adiante. Deixei o bode amarrado na pernoca para sofrer bastante através do gozo melancólico de quem queria estar muito além, mas em realidade só poderia estar naquele ônibus. Dei a sorte de conseguir me sentar. Estava vazio e ao passar pela roleta quase fui jogado sobre outra passageira após a sutil arrancada que dera o condutor daquele veículo. Coisas tão comuns. A tal música estilo vala's music acabou e de repente surgiu a voz de Tom Jones, aquele brado fanfarrão a repetir: TURN ME ON (3 x)! Automaticamente decolei alto e vivenciei (imaginei) a seguinte cena:

Campanha nacional sobre trânsito. O mesmo ônibus para na Glória e eis que embarca mais uma passageira. Uma bailarina. Ela está vestida com uma legging e um short por cima. Usa um top, um casaco, uma faixa na cabeça e os cabelos enrolados em um rabo de cavalo. Os fones no ouvido, um old school nos pés e uma bolsa grande nos ombros. As cores predominantes são: verde, amarelo e azul. Menção a bandeira brasiliana. Há outras cores compondo o look. O visual (palavra escrota) é colorido e vibrante. A menina para na roleta e abre a bolsa para pegar a carteira e pagar a condução. TOM JONES a todo valor. O motorista acelera e ela voa sobre a roleta. Sua bolsa vai para um lado e a carteira para o outro. Ela dá um salto estilo Flashdance e a partir de então surta em uma coreografia enérgica, delirante e genial. Todos os outros passageiros tentam catar os seus pertences enquanto a menina elabora passos incríveis a cada manobra radical do motorista nonsense. Os outros passageiros ensaiam alguns passos tentando acompanhar o ritmo da bailarina. Um musical urbano, dentro daquele ônibus! Energia pura! Frenesi total! Perna para cima! Ciseaux, cambret, changer! Vira para cá, vira para lá! Agarra o banco e changer, sans! Cambriole, chasse!! Uhuuu!! A música termina e o motorista dá uma freada violenta. Todos voam para fora do veículo através das janelas. Nenhum ferido. Muitos cacos espalhados no chão. Aterro do Flamengo. A performance é encerrada com todo o elenco se entreolhando assustado. Fade in.

*Algum dizer sobre a responsabilidade que tem um motorista*

Um absurdo! Poderia ser um esquete da saudosíssima TV Pirata ou da atual Comédia MTV. Uma bobagem. Uma tremenda diversão. Ao menos para mim. Peguei-me rindo a sós com aquela cena desenvolvida em minutos, através da excelente SEX BOMB. Quisera eu ser a bailarina. Não fui muito eficaz ao tentar transpassar o que me ocorreu naqueles instantes. Mas foi bom demais! Viva a liberdade interior! Bastou a música terminar para que a realidade viesse em fúria outra vez. Que saco aquele cheiro forte de creme barato no cabelo da menina que se sentou ao meu lado. Ai, ai...

Chego a casa e mais problema. Marido em crise. Atenção, amor e carinho. Academia. Um sanduíche. Um break. Minhas amigas. Um risoto. Duas taças de vinho. Excelente conversa. Imensa alegria. Volto a casa. Conforto e vazio. Sono. O sol nasceu escuro. Oximoro. Tudo outra vez. 410. iPod. Tédio. Choro da amiga no trabalho. Dor de outra amiga narrando seus infortúnios pelo whatsapp. Marido distante. Internet falha. Computador em disfunção. Companheira alheia. Consolo a amiga que sofre. Material World. I’m a material boy. We’re living in a material world and I’m a material boy. Após tudo o que ouvi concluo: melhor não reclamar, but I’m material boy, repito. Phoda. Me deu uma vontade de dançar She’s a Maniac daquele jeitinho do filme (Flashdance outra vez).

Adendo: enquanto terminava esse texto escutava a Madonna dizendo: we don’t have to be rich and famous to be good. Great. Fácil, não? Ela esqueceu que psicopatizou e muito para chegar cá ou lá, onde está hoje. Investi dinheiro nessa mulher. Consumi. Tudo isso para aos 53 ela deformar o rosto e me aparecer com a face do Fofão Balão Mágico. FofONNA. Phoda. Antes tivesse investido apenas na turma do Balão. Aliás, é curioso, mas tenho horror. Não me traz nostalgia alguma escutar nada daquela trupe. Causa-me um constrangimento imensurável ver adultos dissipando suas dignidades em festas vexaminosas onde rolam soltas essas músicas deprimentes de uma velha infância desnecessária. Encerro aqui minhas inutilidades crônicas de hoje.

quarta-feira, 3 de agosto de 2011

mostra a tua cara.



entrei no elevador daquele Edifício Central, ali na Carioca. Observei cada um dos indivíduos aglomerados naquele espaço. Todos, absolutamente todos, eram horrorosos. Acho difícil de lidar. Sei que parece - e talvez seja mesmo. e é - uma futilidade babaca (tem futilidade legal? Tem, né?) mas isso me toca. Ando com frequência pela Cinelândia e é um festival de feiura e mau gosto todos os dias. Como se vestem mal. Cidade sofrida. Um calor infernal até no inverno. Uma arquitetura de dar desgosto. Folhear um livro de fotos do Rio antigo provoca banzo. Uma atrocidade o que os governos sucessivos dessa cidade vêm fazendo há décadas. Transfiguraram a cidade. Destruíram jóias arquitetônicas. É inacreditável. Sobreviveram algumas. Ufa! O transporte público é uma merda. Não atende a população como deveria. É inseguro e caótico. Já visitei cidades incríveis e ao lembrar delas vejo o quanto esse lugar precisa emergencialmente de socorro. As ruas são sujas e esburacadas em quase todos os bairros. Pensar nos serviços públicos causa ânsia de vômito. Um povo quase sempre ignorante e miserável. A cultura da contravenção, das máfias, da bandidagem e das milícias é exaltada. Aqui a corrupção é lei. O carnaval das escolas de samba virou um espetáculo circense ridículo e cada vez mais lucrativo. Patrocinado, tradicionalmente, pelo jogo do bicho. Atravessar a Avenida Brasil é experimentar a sensação de estar em uma cidade recém bombardeada. Subir o Alto da Boa Vista é uma experiência melancólica. Tanta beleza e tanto abandono. O preço do metro quadrado no Jardim Pernambuco é uma piada insólita. A má educação reina absoluta. A população de rua é vasta e a negligência do Estado é transparente. O meio ambiente é violentamente degradado em várias zonas da cidade. As pessoas trabalham, trabalham e quase sempre só encontram mais transtornos e empecilhos ao invés da garantia de seus direitos e alguma qualidade de vida. Quase todas as pessoas dessa cidade passam por isso. Assaltaram há tempos a dignidade do cidadão carioca e a polícia vendeu por meio kilo de pó. Preciso dizer mais? Ah, e os serviços vergonhosos e os preços exorbitantes? Para onde vai tanto dinheiro? Quem ganha os salários que são compatíveis com um cotidiano tão assombrosamente caro? A vida nas comunidades é (mal) maquiada, mas a população segue sofrendo pelos mesmo motivos retroativos. A oligarquia carioca é, a grosso modo, cretina e arraigada aos valores de seus tataravôs coronéis. Jamais pude entender como as burguesinhas do shopping da Gávea podem ignorar os casebres que brotaram às vistas de suas janelas, sem jamais pensarem que é preciso comunhão entre os cidadãos para que seja encontrada uma solução para todos. Um nojo. Muito difícil tudo isso. Enquanto isso o tal Mundo Desenvolvido se mostra cada dia mais decadente. Alguém entende aqueles reacionários ianques? Alguém explica a popularidade daquela Miss Alasca repugnante?! Como alguém dá credibilidade a Sarah Palin?! A América e aquelas pessoas assutadoras frutos de um sistema falido e que gera consequências hediondas à mentalidade de inúmeras sociedades influenciadas por aquelas mentiras sórdidas. É inviável o retrocesso emergente em toda a Europa semi falida e em muitos níveis ultrapassada. A profusão de ideias fascitas que se espalham como uma peste negra e letal é medonha. Todo o quadro sombrio que é configurado na atual conjuntura me leva a pensar que não há saída.

- Ah, Alberta. Que horror. Acho que você está sendo muito pessimista. Muito mesmo. Será que não há nada nessa cidade que valha a permanência? Não haveria como discordar de tão pontuais observações em muitos níveis. Mas devo dizer que essa selva de pedra caótica e emergente, nascida em tão selvagem e bonito cenário, causa espanto. Às vezes muito positivos, Alberta. Admiro tanto a Mata Atlântica. A natureza aqui é linda. Andar de bicicleta pela Lagoa para ir à praia é maravilhoso. Nosso litoral é lindo, ainda que mintam deliberadamente quando dizem ser ele o mais bonito do mundo. É tão urbano o nosso meio e ainda assim há recantos tão selvagens. E os dois irmãos? E o pôr do sol laranja e rosa do verão? É um deslumbre aquilo! Ah, Alberta, você não pode ignorar isso.

- É verdade, Maria Joana. É bem isso. Não posso mascarar a selvageria evidente. Macacos roubam minhas frutas em pleno Humaitá. Gambás andam sobre os fios de eletrecidade e atacam tucanos que presenciam, atônitos, bandidos serem assassinados por policiais à paisana tal como eu, de minha janela. É mesmo selvagem. Toda razão. Basta cair qualquer chuva que venha acompanhada de um ventinho para explodir sempre o mesmo transformador e a vizinhança ficar sem luz ao menos por 12 horas. A LIGHT está careca de saber desse problema eterno e jamais trouxe solução definitiva ao bairro. E esses motoristas bestiais? Andar de ônibus aqui é até divertido, na minha idade. Tudo balança! Os motoristam se encarregam de trazer muita emoção a cada viagem. Adoro quando saio do chão por perder a gravidade, em meio a alguma manobra alucinada do babaca do motorista. Aquele saculejo incansável destrói a coluna. Lamento por nós, os idosos. Tudo isso para chegar à São Clemente e dela nunca mais conseguir sair. Um trajeto que levaria 20 minutos passa a ter 1 hora ou mais de duração. É, Joana, acho que você e sua polianice têm toda razão. Mas eu não nasci provida desse dom. Não tenho esse olhar. Sou revoltada por natureza. Não ignoro que exista nesse planeta países como Ruanda, o Congo, o Senegal, a Tanzânia e Uganda, dentre tantos outros. Não ignoro a seca mais violenta dos últimos tempos no Chifre da África. Não ignoro as atrocidades que acontecem sob o aval do governo de inúmeros países do globo. Muito menos ignoro os massacres que ocorrem sob o argumento Santo. Não ignoro as enchetes em Bangladesh e no Paquistão. Não ignoro o Haiti, não ignoro a violência na Guatemala, não ignoro muitos outros dados de realidade tão mais cruéis do que aquilo que vivencio em meu micro universo. Porém, tenho o direito de reclamar. De achar tudo uma merda. E mais! Não ignoro que muito do que acontece nesses lugares esquecidos pelos tais homens de bem, acontece aqui em nosso país também. É alarmente tudo o que chega à tona. É ainda mais e muito mais degradante que o pensável, tudo o que é ocultado por esse país a fora. Não ignoro aquela casa de pombos imundos que é o Congresso. Disseminadores da peste juntamente a uma corja de ratos, raposas e burros, dentre outros inúmeros bichos escrotos.

- Ah, Alberta, mas você está muito arredia. Muito amarga.

- Joana, eu não estou com um copo de espumante na mão divagando sobre a vida. Estou escrevendo um relatório sobre as imundices que os boçais como você insistem em não ver.

- Ah, Alberta, mas e as coisas tão boas que acontecem aqui tão perto, nas Américas? E as boas novas? E as soluções impensadas pelos soberanos do Velho Mundo, cheio de pompa e tidos tão intelectualizados, nascidas em nossos arredores? E o triunfo da filosofia e dos ideiais indígenas gerando soluções geniais e cabíveis ao mundo? Pessoas que vivem da terra e que por ela têm profundo amor e respeito! Pessoas que extraem do próprio meio as mais sábias soluções. Esqueceu da experiência boliviana? Esqueceu de que éramos nós quem conversávamos sobre as soluções que emergirão do sul do globo? Esqueceu das tantas coisas boas que nascem aqui no Brasil? Esqueceu da força emergente de um trabalho que é desenvolvido em prol de novas soluções para antigos problemas? Esqueceu que esses veículos de mídia patéticos não nos servem de expoente de nada que nos sirva à condução da vida rumo a um futuro mais digno? Esqueceu dos bons e dos competentes que insistem em trabalhar para deixar algo de bom em seus legados? Esqueceu da sua revista preferida cheia de boas notícias e artigos interesantes? Não dá, Alberta, para ignorar o que há de bom acontecendo. A passos largos o Brasil mostra abertura em sua mentalidade. Esqueceu que você deu sorte de não estar no lugar da Paola Bittencourt, lá no Haiti, às vésperas do furacão Emily?

- Mostra sim, com esse bando de fascista disfarçado de ovelha de Cristo. Isso me apavora. Ah, a Paola vai se safar dessa. Aliás, já se safou. Emily is gone.

- Ah, Alberta, que bom! A Paola não merecia. Mas voltando ao assunto, Ah, Alberta, é preciso piedade por essas criaturas. Quase sempre é a falta de alternativas que os levam a atacar a sociedade, calcados em ideais tão torpes. Você sabe que muitos caem nessa esparrela por terem suas existências massacradas pelo descaso de quem deveria por eles olhar, o Estado. Você sabe que muitos deles ficam loucões por portarem no peito essa mesma revolta que você carrega e por não saberem canalizá-la de maneira coerente às necessidades reais. Eles não tiveram as mesmas oportunidades que você. É óbvio que não dá para julgar nada de uma maneira tão generalizada e superficial. Para qualquer circunstância há uma série de nuances. Sempre. Mas vamos combinar que faz sentido tão simplista tese. A Igreja Católica, por sua vez, prova do próprio veneno, menina. A ascensão Universal é uma reileitura do terror que outrora foi instalado pelos ascendentes do Vaticano. De arrepiar. Usurparam até o nome. Traduziram católico e seguiram em frente. E ainda há quem duvide da clássica lei de ação e reação.

- Joana, pelamor, me dá isso que você tomou? Não tou legal hoje. Tou nervosa, estressada, desesperançosa, louca e histérica.

- Ah, Alberta. Não é TPM? Tá com fome?

- Joana, tou com vontade de dar um tapão nessa sua cara de contente! Para de dizer "ah, Alberta" a cada frase! Como eu posso estar com TPM se não menstruo mais há anos? Tou com 59 anos, Joana! Enlouqueceu? Tou puta e pronto. Mas vai passar. Vai passar. Vou respirar. Vou investir no ho'oponopono.

- Ah, Alberta, faz isso mesmo. Melhor, viu? Vem aqui pra gente tomar um pró, vem? Aí você relaxa e a gente vai ao cinema.

tu, tu, tu, tu, tu, tu...
(telefone arcaico. telefone residencial.)

quinta-feira, 21 de julho de 2011

canô.



Olhei-me pela webcam enquanto falava com uma amiga e percebi ter três metros de testa. Porém, resignei-me e segui dançando mesmo assim. Dançando sentada. Fazer o que?! Tinha que digitar.

Há alguns anos escrevi o seguinte texto:

Sabem o que eu sinto as vésperas de completar 31 anos? Além do soprinho no coração decorrente da minha imensa expectativa frente aos meus anseios tantos, sinto-me velha.

AMO viver e por isso tomei uma decisão deveras importante em minha vida. Quero viver muito! Quero ser uma velha ba(h)iana tal como Dona Canô. Quero ser uma velha ba(h)iana a beira de uma praia, num vilarejo qualquer ao sul da Bahia. Para tanto, submersa nessa vibe malemolente e delirante sonho em comemorar meu aniversário usando um turbante na cabeça, tomando vodca com gelo de água de coco e maracujá, fumando palha e sentido banzo pelas saudades d´África que é logo ali. Basta cruzar o Atlântico com umas boas braçadas. Doidona a gente acredita. Ai, que vontade louca de vatapá, de acarajé, de bobó, de farofa com dendê e de um delicioso manjar de sobremesa. Quero colares de presente. Muitos. Com centenas de cores referentes aos mais diversos Orixás. Louvo as divindades. Aliás, quero ser divindade. E dentre tantas outras coisas que desejo, uma não pode faltar: quero ter um eterno jeito de deusa. Toda velha ba(h)iana foi uma menina ba(h)iana (e toda menina ba(h)iana tem um jeito de deusa), não? Às sextas-feiras vestirei apenas o que for branco e ao longo de todo ano estarei absorta em meio a muitas e muitas oferendas aos deuses nagôs. Ritualizando a vida. Meu lema.

Quero viver, ao menos, 100 anos e muito bem. Bem louca. Quer coisa mais lounge que uma casa Canô? Canô é vintage. Canô é updated. Ui. Canô é life style. Canô é da minha época.

(...)

Ao ler esse texto concluí que estava ainda mais retardada a beira dos 31 e talvez por isso parecesse mais feliz.

Fiquei meio mexida com essa constatação.

Costumo ser tomada por uma energia Glenn Close Fatal Attraction quando contrariada. Relia essa porcaria enquanto esperava, madrugada adentro, por minha amiga que vive na civilização se conectar ao skype. Quando finalmente conseguimos nos falar fui comunicada pela própria que haveria visita em sua casa e, portanto não poderíamos conversar muito tempo. Sua tamanha soberba a fez ofertar-me a webcam aberta, por toda a noite, para que eu pudesse acompanha-las da minha cama, tal como uma voyeur desesperada. Tomada pela ira, segui rumo à cozinha com o intuito de beber uma taça de suco de uva. Porém, quebrei a merda da garrafa de vinho sem querer, ao abrir a geladeira, e não gozei de suco algum, tampouco de vinho. Desisti de tudo. Ao voltar para os meus aposentos e passar pelo espelho do corredor vi minha silhueta de grávida de 4 meses. Detalhe: não estou grávida sequer de um beija-flor. Fiquei a-pa-vo-ra-da e acabei voltando à cozinha. Enchi a cara de muito pão com nutella, tamanho o meu nervosismo. Ódio. Ando raivosa, mas eu me contenho, eu seguro a onda, eu me controlo. Arrependi-me. Madalena.