quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

briga de novela.




Evandra, amiga querida, são 4h25 da manhã e acabei de ter uma discussão terrível(ou master) com o Mauro. Isso tem sido cada vez mais frequente desde que ele entrou na terapia. Contudo o alvo de suas candentes escarradas, no episódio de hoje, fui eu mesma. Acabei de escutar duras verdades. Fui obrigada a ouvir, controlando minha ira, que ele não aguenta mais sustentar essa casa enquanto eu acordo ao meio dia. Fui obrigada a escutar que ele não suporta mais não conseguir juntar dinheiro, por ter que me carregar nas costas. Fui obrigada a ouvir que não faço movimento nenhum para crescer, para me expandir, para ser alguém. Fui obrigada a escutar que sou acomodada e imatura. Fui obrigada a ser bombardeada por suas palavras e me resguardar em uma trincheira aberta com a urgência do zelo. E o pior é que, dentre os muitos por menores dessa conversa, eu tive que concordar em admitir duros pontos feitos de verdade. Afinal, ele percorreu toda a trajetória, desde os idos de nossa união, para fazer valer seus argumentos tão crus quanto a mais futre carnificina. O verbo voou envolto na mais cândida fúria (acarretando em mim imenso desconforto) para discorrer sobre a situação que ilustra bem (mal) nosso casamento. Naturalmente, ele validou seu discurso sob o álibi, de ser ele, uma prova de amor. Disse estar fazendo por mim o que meu pai jamais fez, uma vez, que sempre tive "tudo" dele, em termos materiais, e que isso me acostumou mal e me invalidou de atitudes que precisam ser executadas, para mudar esse quadro inerte e de cores cada vez mais opacas. Foi extremamente doído toda a conversa, em tons exaltados, repito, durante vários momentos. Tudo teve inicio num rompante, que sequer lembro donde surgiu. Escrevo para desabafar apenas. Escrevo por saber ser você uma grande amiga e também adoradora de novelas. A minha está nessa fase insuportável (para os protagonistas), em que as personagens vivem o clímax, sem um final ainda escrito. Narro, portanto, essa madrugada errante, mas na tentativa de acerto, com um simples intuito já citado: extravasar. É também preciso assumir o desejo de um final feliz. Pois, de acordo, com todas as obras televisivas as quais assisti, de alegria, ao final de cada saga, se fazia o grande barato. Torço para a realidade suprir a vida, de fantasia possível, e de amor cortês e triunfante. Pois sei também que se as novelas presumem e se inspiram na vida, há possíveis finais felizes. Te amo e obrigada por ser o ombro, o ouvido e os olhos amigos. Permanece um anseio: "quero ver quem paga pra gente ficar assim".

Diana.

domingo, 9 de janeiro de 2011

meneios inconscientes.



assistia a uma película antiga, gravada em super 8. Eis a cena: três mulheres de subtil beleza, alvas e de aparência etrusca, conversavam em um carro conversível. A atmosfera remetia ao final da década de 60. Tinham madeixas castanhas, lisas e na altura dos ombros. Uma delas chamava-se Eva, a única que ornava a face com uma franja. As outras eram Flávia e Amanda. Eram jovens de pele viçosa e de personalidade esfuziante. As ruas por onde elas passavam, sem pressa, me remeteram as mais discretas transversais do SoHo novaiorquino, em meados primaveris. De súbito, fui inserido naquele preciso lugar. Fui um dândi carioca, submerso nos rudimentos da Manhattan de minha memória. Segui, calmamente, o contorno das esquinas que se fizeram labirinto. Ainda assim, o deslumbre do recomeço, me levou ao transbordar das emoções mais inquietantes e jamais esmaecidas. Caminhava por sobre os paralelepípedos e navegava os idos de minha mente, sempre afeita de meneios misteriosos. Cheguei ao ponto crucial dessa viagem, quando deparei-me com duas construções surpreendentes e absolutamente distintas, da paisagem pela qual eu passeava. A visão dos magistrais monumentos chocaram meu espírito. Reconhecia já ter estado ali outras vezes. Senti forte vontade de permanecer naquele bairro de deslumbre irracional. O primeiro deles era construído do mais límpido ouro e tinha ares orientais. A singular jóia arquitetônica fazia pulsar violentamente o sangue em minhas veias. Em torno da enorme porta havia pilastras contorcidas e que ultrapassavam os limites do edifício destoante. Em sua porta, uma jovem mulher, portava um lenço escuro e com estampas na cabeça. Vestia uma camisa branca de algodão e uma longa saia escura, com detalhes bordados. Chamava-me atenção sua aparência similar ao das atrizes do filme, cujo o espetáculo teve início. Seu olhar era profundo como o castanho que o coloria. Os detalhes do exuberante edifício eram imensos e sobressaltavam minha percepção confusa. Ao lado dele, um outro prédio monumental, de estilo muito semelhante, em um tom de azul tão intenso, que seria medíocre tentar explicar. Em um rompante imperceptível, eu mergulhava no segundo prédio, de paredes em que os tons de azul imperavam. Via meu Salvador, o avô que partiu faz dez anos, deitado em simples vestes brancas. Pensei que não poderia mais estar ali, pois jamais havia recebido outro telefonema dele que foi e é um grande amor. A sanidade recobrava a lembrança de sua morte. Logo, levantei afoito e perturbado, do mais inconsciente encanto. Por fortuitos minutos, fugiu-me a noção do plano que se faz realidade. Desatei a falar, buscando dizer o que sentia, sem sentido, mas com alguma razão. Em um estado de semi sonambulismo desaguei em choro, pelo fascínio daquela experiência. Respirei fundo e levantei num salto. Caminhei atordoado do quarto até a cozinha exasperando matar a sede pungente que rompeu meu laço com aquela esfera onírica e inigualável. Temi a insanidade. Foi mesmo assustador. Era muito forte a vibração que permaneceu em mim por horas seguidas. Diante da geladeira, mais uma vez a emoção se transformou em lágrimas. Tentei em vão narrar o acontecido. Tentei em vão explicar sobre a saudade que não sei dizer. Fui impregnado pelo despertar dourado que iluminou o meu lar, a minha vida e a minha alma. Refaço-me ainda. Banhado de luz.


Não consegui exprimir através das palavras a grandiosidade dessa experiência. Tudo bem. Nem sempre funciona. Queria muito ter gravado, fotografado, ou algo desse gênero. Queria muito um registro. Queria muito poder mostrar aonde eu fui. Para alguns e para mim. Para que jamais pudesse ser esquecido aquele sentimento. Para que jamais fosse esquecido o segredo que habita aquele lugar. Obrigado pela viagem cósmica. Obrigado pelo gozo indescritível. Obrigado por ter vivido o indizível. Obrigado.

quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

mulata portentosa.




Bianca é uma mulata portentosa do subúrbio carioca, mais precisamente do Engenho de Dentro. Graduada em duas universidades, recentemente tornou-se mestre em Nietzsche (tese intitulada: `O Evangelho ressuscitou na Portela`), pelo Instituto de Filosofia e Ciências Socias da UFRJ. Sua vida acadêmica segue paralela a boêmia que lhe sorve de histórias que vão muito além das fontes analisadas, estudadas e descritas. Bianca apaixonou-se, faz uns anos, por um figurão do instituto, que insistia em declamar frases em latim, durante o ato sexual. Frustrada em demasia, Bianca buscou, incessantemente, compreender o fenômeno que ganhava corpo durante as noites em que passavam juntos. Um dia, em uma manhã, antes que a aula tivesse início, a confusa mulata decidiu se abrir com o amigo Bruno. Depois de toda a sua narrativa escutou do rapaz: explore todo o potencial exótico de nossa mestiçagem brasiliana. Venda-se a um galalau holandês, que tenha bons dentes, corpo viril e mente sã. Não dê espaço ao esquizóide que declama frases em latim enquanto fode. Que maneira mais desagradável de fazer sexo. O latim não deve ter voz, uma vez que é língua morta. Esqueça esse imbecil, de corpo flácido. Nada é ele, além de um biltre. Alguns poucos anos se passaram depois dessa conversa e eles viram-se poucas vezes. Bianca entrou em profunda depressão. Refazia-se, quando encontrou com Diana em uma livraria no centro da cidade. Ficaram amigas na faculdade de Sociologia. Não se viam fazia um tempo e logo sentaram-se no café para atualizarem as novidades. Diana sempre esteve a par da depressão de Bianca. Desde a altura da graduação. Diana: bom te rever viva. Pensei que você pudesse estar morta por causa dessa sua obsessão por aquele que diz cretinices em latim durante o ato de fornicação. Acho tão incoerente o seu penar. Você é tão genial. A única passista da Portela com predileções intelectuais pré-Socráticas. Jamais entenderei. Bianca: obrigada por pensar que sou interessante. Ontem assistia a maior puta de todos os tempos discorrendo sobre os gays. Lembrei do Bruno. Luciana foi mesmo genial. Calculou a ovulação com precisão e deu o grande golpe: engravidou de Mick. E eu aqui sofrendo por aquela barriga flácida que perambula por minh´alma. Como boa mundana eu sou generosa. Ao contrário das moças de família, quase sempre conservadoras e egoístas. Eu fui trocada por uma garota de 21 anos. Estou morrendo de inveja. Ela tem o homem que eu amo. Ela deve estar escutando latim todos os dias. Tudo bem. Hei de vingar-me. Desfilarei, faceira, cortejada por um negro gêge e pirocudo e, que ninguém além de você saberá, jamais me fará feliz como ele me fez. Me fodeu como um deus. Apesar de só agüentar (saudade do trema) uma vez. Tem um menino lindo na minha rua. Loiro, olhos azuis, 23 anos. Ando sem coragem. É tão novinho. Ele me quer. Mas eu não. Ando careta. Aliás, o mundo me parece cada vez mais careta, chato e homofóbico. Agora que o BOPE, faz parecer, controlar tudo, eu queria uma UPP medicinal. Um BOPE para me controlar. Daqui a pouco haverá uma fogueira santa de Israel no pátio do IFCS. Cada vez mais eu compreendo o quão verdadeira é afirmação: diamonds are girls best friends. Com eles, seria eu loureada. Cansei. Quero ser a cabrocha de um gringo e viver exaltando minha afrobrasilidade em alguma cidade mais civilizada. O que meu mentor, de berço luterano, pensaria de mim? Por que essa lacuna tão grande entre minha vida e a de Friedrich? Diana folheia uma revista qualquer e degusta seu café, sem açúcar em uma dança sem par. Você podia, ao menos, me contar uma história romântica, ela diz. Eu não entendo essa patologia, Bianca. Vou denegrir minha vertente nietzschiana e ligar para a mãe de santo. A ancestralidade deve ter respostas míticas para o meu mal sem palavras. Diana: a conta, por favor!