sábado, 30 de outubro de 2010

Memórias de Cordélia.





Rio de Janeiro. Ano 1956. Festa no cais do porto, Armazém 2(liberdade poética). Grande festa de casamento. Atmosfera febril, fervilhante, glamourosa, exuberante e veranil. Dia 30 de outubro.

às 2hs30 da manhã, horário improvável para uma dama da alta sociedade chegar a casa, completamente alcoolizada, desacompanhada e deixada por um táxi, na porta de seu edifício.
(...)

Sapatos altos e laranjas sobem os degraus de uma escada. Passam-se quatro andares. Vê-se um porta de madeira escura. Apartamento 401.

-Eu não sei o que é pior. Se é beber, fumar um, ou misturar os dois? Sonidos que se assemelham a uma gargalhada forçosa.

Cordélia então lhe replica:

-Num tô entendenú. Eu num tô lembranú gi nada! Eu disse um monte de coisa antes. (agudo sotaque nordestino- expressão facial estilo Barbosa/ TV Pirata)

Verônica e João, desfalecido, sobre a cama em um quarto fechado.

-Você precisa de sal, açúcar ou alguma substância que possa te ajudar a chocar seu ovos?

Ela segura seu membro flácido, sobre a cueca, e o chacoalha dizendo:

-Choque seus ovos, choque seus ovos. Repetia incessantemente.

Verônica levanta-se da cama, abre a porta e caminha cambaleando, sem se dar conta de seu estado. Sai do quarto, seguindo até a sala, para buscar a caixa de fósforos cravejada de brilhantes. Sob o lustre comprado em um antiquarius em San Telmo, um cigarro é aceso. É possível escutar a pólvora que queima a seda. Ela fita o lustre e fuma. Sequer sabe sobre o que pensa. Traga seu cigarro de filtro vermelho e contempla o objeto pendurado na Haste de um antigo ventilador. D. Córdelia entra na sala:

-Mas a sinhora tá parecenú uma loca, D. Verô. Ih, minha nossa Sinhora! Essas droga tudo vai acabá cun você! Isso num é hora d´uma dama da sociedade chegar em casa i sempri cheiranú a cachaça. Quê qué isso?! Ondé quêce múndo vai pará? Ah, meu Deus... Deixa seu Juão chegá aqui i vê a sinhora asiãn.

João permanecia adormecido sobre a cama do quarto.

-Córdelia, eu estava pensando em pintar de rôxo esta haste. O que você acha? Vai ficar moderno, não? Eu gosto deste contraste. Eu imaginei uma cena tão... Ai, nouvelle vague. Peça a Cloude para gelar o champanhe. Amanhã assistiremos uma exposição de arte islâmica, com acervo proveniente do Irão. Expressões artísticas muito diversas e de importância maior para esta cultura riquíssima. Você gostaria de ir conosco, Cordélia? É deveras interessante. No mínimo exótico(tom de voz absolutamente sereno). O João devorou imensos acarajés. Você precisava ter visto. Lembrei de você!

Cordélia coça a cabeça e ajeita seus grampos. Passa os dedos por sobre seu queixo e respira fundo. Olha para o lustre e logo depois para Verônica. Tosse com a fumaça de encontro ao seu rosto. Levanta um sobrancelha e se mantém muda.

voz em off(não me recordo o termo técnico apropriado-outra hora me vem à cabeça).

É isso que dá seu João num dá nu côro. Pau molão deixa as mulé tudo loca. Minha nossa Sinhora. Acho qui vô é bêbe esses negóço tudo aí. O Matias é que é macho bom. I acarajé nem é dí minha terra. Essas mulé acha que Bahia e todo o Brasil é a merma coisa. Dão uns arrudeio da pêga e num aprendi.

As mãos de Vêronica desfazem seus penteado e seus cabelos ruivos naturais são soltos deslizando sobre seus alvos ombros.

-Cordélia, faça-me o favor de não tocar nos víveres com estas mãos altamente infectadas, por estas bactérias letais, alojadas em suas mãos. Querida, leve-me um dia para andar de trem com você? Deve ser um experiência e tanto, não? (E ri, de maneira pouco espontânea).

Cordélia olha bem nos olhos de Verônica e lhe diz:

-A sinhora tá cun demônio cun esses tóCHico tudo. Eu num tô entendenú é nada. Depois nós que sômo us inguinorantchi.

Grandes olhos amendoados e bem maquiados piscam lentamente. Os longos cílios postiços são retirados calmamente e jogados em um copo cheio de água. Eles descem lentamente até seu fundo.

-Cordélia, ponha os sais na banheira. Estou exaurida e necessito relaxar. Esquente bem a água, querida. Teste antes a temperatura para que eu não me aborreça, está bem?

-Sim sinhora. Cordélia vai ao banheiro resmungando...

Verônica vai a cozinha e abre a geladeira. Suas duas garrafas de champanhe rosé estão vazias, juntamente às garrafas d´água.

-Cordélia, você bebeu novamente meus rosés?!

-Fui eu não. Foi a bomba-gira qui girô...

-Ah, esta criadagem anda cada vez mais subversiva... Silvícolas insolentes! Verônica balança a cabeça, respira fundo e sorri. Ela vai para o banheiro. Ela se desnuda diante do espelho. Suas costas são refletidas pelo mesmo e ela põe a ponta dos dedos de seus pés na água, para verificar se a temperatura está aprazível.

-De-li-ci-o-sa.

O telefone preto da sala toca. Cordélia corre para atendê-lo.

(...)

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