terça-feira, 28 de dezembro de 2010

carta.




Cara Evandra,

senti tanto a sua falta hoje. Quis começar esse email de maneira formal, para sentir-me como em nossa juventude, quando ainda escrevíamos cartas. Tão remotos parecem esses tempos, não? Porém, a delícia da modernidade é poder escrever e logo, em tão poucos minutos, receber uma resposta. O problema é constatar quando somos ignoradas. Quando somos humilhadas e recebemos desculpas torpes acerca do esquecimento do celular em qualquer lugar, ou coisa e tal. Sabemos, pois, ser uma desculpa mesquinha, uma vez que hoje, em qualquer lugar, a qualquer hora, podemos contar com ele: o celular. Mas aí também há a desculpa da bateria que descarregou. Deixa para lá. Queria te contar que ontem comprei uma lingerie lindíssima, de uma italiana, amiga minha. Ela é finérrima. Ela entende. Comprei uma liga e vesti, sobre ela, um vestido clássico, careta. Fui para a terapia assim, sentindo-me uma putinha de 16 anos no cio, mas com a classe que demanda os meus 32 anos. Com a altivez que sempre galguei alcançar, desci a rua para buscar um táxi, terminada a sessão. Cheguei a casa e fui para o quarto. Maurício chegou e disse que eu estava linda. Beijou-me e foi escovar os dentes. Eu tirei a roupa e fiquei de liga, esperando no quarto, abrindo e fechando a gaveta, bem louca, buscando agir naturalmente. Viajando pin up, sabe? Para Maurício seria natural presenciar aquela cena. Já é muito acostumado com minhas idiossincrasias. Passei a sentir uma tendinite no braço, de tanto abrir e fechar a gaveta, e nada dele voltar. Deitei na cama e comecei a olhar embaixo dela, com a bunda empinada, me sentido tão sexy quanto uma atriz de Porky´s(presa nos 80)... E nada dele voltar. Chego ao banheiro e escuto o barulho daquele lança cheirinho, sabe? Aqueles trecos para explanar que o urubu bicou e logo penso: Brasil!(mostra a tua cara). É, meu bem. Coisas de uma mulher casada, na qualidade de desempregada, e degradada em seu próprio lar. Tem sido duro. Muito duro. Hoje, fui ao encontro de algumas amigas em Ipanema. Todas em recesso pelo final do ano. Procurei pensar que o que vivo é um recesso prolongado. Mas quer saber de uma coisa? Eu quero é ser rica. Cansei dessa busca de uma vida classe média. Cansei de sonhar com um trabalho que me faça trabalhar 5 vezes por semana e ganhar uma merrequinha que me faça sentir gente ,outra vez, durante um mês... Eu quero ser a patroa. Eu quero ser Odete( Roitman). Não pérfida e violenta como ela. Apenas a dona. Bem sucedida. E eu vou conseguir. Mas enquanto isso, eu sigo revelando os mistérios de minha força lunar e escorpiana, de modo que o triunfo se concretize. Apesar da ânsia eu sei esperar. Sempre ando rápido, na frente de qualquer um que me acompanhe, mas eu atraso o passo para esperar. Sou impaciente, pero no mucho. Há o que valha a espera.

Cerca de 30 minutos depois, Diana recebe um email de Eva e nele os seguintes dizeres: Gente, eu não estou entendendo mais nada. Você está possuída.

quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

bobagens.




Diana levantou-se tarde, como tem sido comum, em sua vida de dona de casa. Foi à cozinha verificar o almoço, e coordenar os empregados. Percebeu que tudo estava em ordem e aguardou seu marido para almoçarem juntos. Esse momento é, para ela, muito importante. Depois do retorno de Maurício ao escritório, ela foi ao mercado, a floricultura e a academia. A vida parecia impecável. O fim da tarde se aproximava e ao voltar ao lar, ela abriu as revistas que haviam chegado pela manhã. No entanto, Diana andava enfadada de suas assinaturas e pediu ao jornaleiro que lhe entregasse um exemplar da Vogue RG. Faltam apenas duas semanas para o final do ano e era preciso entregar-se a pequenas e cabíveis futilidades. Voltou à copa e preparou um chá. Enquanto a água era esquentada ela se recordou de sua conversa, durante mais uma madrugada, com a amiga Eva. Ela dizia: eu estou de saco cheio sabe do que, exatamente? Das pessoas. Depois de um certo tempo de convivência, alguns anos e tal, no geral, com honrosas exceções, são "aquilo mesmo", sabe? Elas não mudam muito. Geralmente não mudam nada. Elas são chatas... Diana refletia sobre aquelas palavras enquanto preparava o chá em efusão. Servia-se de boa dose de chá de hortelã e ia ao escritório ligar seu computador. Olhava o céu cinza, pela janela, e pensava sobre o que iria jantar. Diana havia escrito três “crônicas para ninguém ler “(nome do seu blog), no dia anterior e sentiu-se exausta. Pensou: se com três textos eu fico assim, imagine qual era o estado do Chico Xavier depois daquela usina psicográfica dele? Diana rolou o seu playlist e escolheu uma música para escutar. Antes de decidir-se, pensou na quantidade de música ruim que havia ali. Não entendia o porquê de um dia ter baixado certas faixas. Optou por Royksopp, mesma som que tinha escutado na esteira. Levantou-se e foi ao quarto buscar suas revistas. Tão logo abriu a RG, pensou calada, (era dada a falar sozinha) que se faz necessário certa dose de inutilidade, vez ou outra. Leu sobre o oásis ameaçado dos milionários do Jardim Pernambuco. O oásis invadido por outros milionários sem castas. E o que isso importa se são todos milionários? Se todo aquela universo retratado é, para Diana, um artigo antropológico? E não menos ignorado pela Piauí, por exemplo, que com a devida classe e sarcasmo, adora fazer troça dessa nossa espécie de ricos, tido indevidos, pelos mais tradicionais. Adoram expor toda aquela animosidade de maneira eficiente. Ah, que delícia! Que gostoso saber que Mariana Ximenes é Cult e cheia de opinião acerca dos malefícios da fama zzzzz... E que ela se sente contrariada ao ser questionada sobre sua solteirice. zzzzz... Afinal, só as atrizes padecem desses tormentos. Os homens, ela crê, não passam por nada semelhante zzzzz... E por aí segue o raciocínio de Diana, pávido pelo futuro e parvo pelos segundos entregues as novidades colunáveis da RG. Sentia falta de novidades. Fechou a revista e foi ao banheiro se olhar no espelho. Reparou sua franja e logo lhe veio o Rod Stewart à cabeça. Que merda! Diana pensou. Lavou as mãos, sem propósito, e foi a mesa buscar seu cigarro. Voltou ao quarto com ele aceso e finalmente abriu a TRIP deparando-se com o astro porn, Alexandre Frota, muso de sua infância oitentista. Não muso de Diana. Mas de muitos. Aliás, uma amiga já teve a vagina chupada por ele e narrou detalhes inquietantes... Diana, porém, era muito criança naquela década. Leu, leu e leu. Era Cazuza! Bravo Cazuza! Paixão que Diana negou na adolescência mas não resistiu e assumiu, passados seus 20 anos. Leu o ranking do melhor da cultura na primeira década de 2000. Leu e continuou lendo até o chegar da alta noite pós novela das 21h. Escutou o alarme do carro de seu marido e foi a sala para aguardá-lo. Ganhou lindas e inúmeras flores. Conversaram um pouco e Diana voltou ao seu blog, crônicas para ninguém ler, espaço em que dava voz ao seu pensar. Definia-se uma kantiana e, portanto uma desiludida. Mas nem tanto. Havia recebido lindas e inúmeras flores. Mais uma vez recordou-se da última conversa que teve com Eva: mas eu sei que relacionamento é mesmo uma arte, que para mim, exige suooor. Diana: vem dar aula no Rio pr´eu fazer com você o mestrado? Vou ser sua aluna mais vagabunda. Vou lançar “chamou, chamou?” na classe, meu bem! Então Eva lhe disse: por ÉTICA, eu jamais toparia te orientar, justamente por isso! Você não faria NADA. Eu te conheço. Também por ética, jamais orientarei quem tem ascendente em libra. Escolherei meus orientandos pelo mapa. Esse ascendente patétio... Diana: como fui injusta com escorpião. O melhor de mim. Todos os problemas do meu mapa, que é uma merda, diga-se de passagem, provêem desse ascendente maldito. Esse signo pior que virgem. Eva, categórica diz a amiga: libra é foda mesmo. Sempre mundinho da lua. O que virgem tem de porre por ser pé no chão demais, libra tem de porre por ser aerado demais. Diana diz: tudo clichê. Meu mapa é resultado da inconseqüência dos meus pais. Sorte minha ter sol domiciliado. Sol em leão é luxo. Sorte ter minha lua em escorpião. Eva: sim! Dá ferroadas com o cu! Você tem cuidado bem desse escorpião que anda manso, manso. Ferroadas com o cu é lindo. E minha lua em gêmeos, gente? Lua babado por excelência. E que isso significa?! Sacanagem. E assim seguiram as duas em mais uma noite inefável e contente. E Deise andava sumida.

quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

veranil feelings.




eu implico com os verões eternos daqui do Congo. Implico. Me irrita suar demais. É incômodo essa alegria desesperada das pessoas nas ruas. Essa horda de turistas insanos e cafonas que invade a cidade. O natal. O reveillon. Essa agitação voraz que busca um não sei o quê. No Congo o verão jamais termina. Apenas dá trégua no meio do ano. O verão precisa respirar profundo para soprar seu bafo quente e insano por quase 9 meses. Aliás, bastante simbólico esses 9 meses, não? Ele é gerado por 9 meses. É um capeta que arde sem dó. E através de sua qualidade diabólica, o arguto verão consegue atentar até arrancar a subversão dos corpos febris. Mirando os alhures de minha janela eu cedi ao profano e fui queimar a pele em brasa sob o sol luminoso da estação. Passei a tarde na sarjeta das areias e me deliciei nas marolas mornas de Netuno, aqui em África, Yemanjá. Com a mãe frondosa me diverti nas águas do arpex! Com seus milhares de outros filhos, meus irmãos de carnavais, também! Amei o verão. Me apaixonei outra vez! Peguei minha bicicleta e ao voltar para casa, olhei o tempo infinito. E pedi ao verão que seja longo! E ele também sua. Sua tanto que vira tempestade!

bff talking boring.




mais uma madrugada de muita conversa entre Diana e Eva. As duas mergulhadas em pequenas e infinitas insatisfações. E assim, há anos, elas prosseguem em seus variáveis assuntos. Sejam eles soturnos ou frívolos. Porém sempre tão femininos. O poder da aurora é sem dúvida a maior força desse elo amistoso e cibernético. Vivem em diferentes cidades. O inefável sempre permeou suas conversas. É personagem fundamental na vida das duas amigas.


Eu tive uma grande ideia para o meu doutorado. Sei que tive, sabe, amiga? Mas por vezes me dou conta de que costumo dar saltos maiores do que permite as minhas pernocas. Me dá pânico de concluir as coisas que começo. Sempre fui assim. Leonina tem visão muito ampla. Isso tem um lado lindo, mas, por vezes, cria problemas.

Elas assistem um vídeo postado por uma amiga de Diana no feicebuque, sobre a tal geração x. Só se fala nisso agora e as duas não poderiam deixar de comentar. Diana: gostei desse vídeo também. Nossa geração está no meio daquele caos que eles mostram ali. Como você chegou ao vídeo? Eva: estava no feice daquela conhecida paulista, de quem te falei. Da Giana, rainha. Imagina, uma pomba-gira com esse nome, gente: Giana rainha. Adoro. Minha rainha, fada mãe, fada madrinha! Gente, estou fascinada pela Xuxa. Me falta glamour, néan? Xu é bisonha. Por isso meu fascínio, justifico! Sou fascinada por vacas. De toda ordem. Desde as sagradas da Índia até as vacas humanas.

Assistiam, agora, um vídeo no youtube de Xuxa em "Super Xuxa contra o baixo astral".

Eva: em pensar que essa vaca do pampas estava no auge nessa época. Depois disso foi ladeira abaixo. Diana: auge tal qual Madonna, o atual Fofão do Balão Mágico, na altura de "Na cama com Madonna". O que essa mulher fez com o próprio rosto, gente?! Eu não posso acreditar! Gastei tanto dinheiro com essa mulher para ela fazer isso?! Deformou o rosto. New Michael eu não aguento! Virou uma chacrete velha!

Nesse instante passam a escutar "set adrift on memory bliss of you". Música muita (o erro é proposital. Referência a D. Armênia.) popular na mesma época do auge desses dois ícones pop decadentes. A Xu sabíamos não ter futuro, mas a FofoNNA foi mesmo surpreendente para Diana. Foi fã. Era jovem e tola no ápice daquela Iansã ianque. Na época em que ela soprava novidade. Ventava sarcasmo e energia!

Diana: eu amooo essa música. Da mesma safra de "being boring" e de "I´ve been thinking about you". Nossa!!! As melhores lembranças!Lembro de uma matinê em um cruzeiro no Caribe. Eu louca já! Bebendo escondido! Morro de saudade dessa fase da vida. Pura nostalgia, amiga! Pas-sa-da com o passado. O youtube é uma maravilha da modernidade! Lembra, que outrora, era preciso esperar, ansiosamente, o TOP 10 MTV?! E agora tem até cantora evangélica no ranking. O que é isso?! E eu já tive fitas e mais fitas vhs com clips gravados da MTV! Sou uma mulher neanderthal. Eu era louca pela MTV! Gente, perto dessa geração que nasceu depois de 90, nós somos Hebe e Lolita Rodrigues! Melhor dizendo: Eu sou a Hebe, sorry! Eva: você seria a Bibi Ferreira. Guilhermina a Tônia Carrero e eu a Fernanda Montenegro. Uma diva de cada área. Diana: eu não poderia ser a Bibi. Não tenho seus talentos. Sou uma desempregada. Uma popular. Por isso poderia triunfar como a Hebe. Venero a Hebe pois ela é minha ascendência. Almejo ser tal como ela, ao tornar-me um réptil. Pois os velhos são répteis. Eva: é verdade. Basta olhar para os pescoços.

elas voltam aos vídeos do youtube, já bêbadas varando a madrugada. Cada uma diante do seu laptop. Elas conversam e bebem. Eva toma vinho. Diana bebe espumante rosé.

Diana: por favor, assista "wicked game". Aquela mulher é uma deusa naquele clip. Eva: por favor, assista "O Segredo dos Seus Olhos". Diana: por favor assista ao vídeo de "wicked game" e goze através da máquina do tempo. Eva: por favor, assista tudo e goze como louca. Assista tudo entre 1988 e 1994. Foi o que fiz ao longo dos ultimos anos no You...

E assim elas seguiram pela noite pop. Trocando figurinhas. Dizendo abobrinhas cheias de boas referências.

Diana sente o efeito do valerine(ela deixou o tarja preta e deu um upgrade para o fitoterápico). Deixa Eva digitando sozinha e vai ao banheiro escovar os dentes e depois a cozinha beber água. Fuma mais um cigarro e prossegue na conversa com Eva, ainda esfuziante. Diana desliga o laptop. Pega o celular e envia um torpedo a Eva: caiu. Boa noite. Vou dormir. Um beijo e love u.

Eva volta ao trabalho. Volta a sua tese. 1h30 da próxima madrugada têm, já, encontro marcado.

segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

no foco de Deise.




as duas amigas conversavam no msn. Era madrugada. O papo fluia bem sobre trivialidades. Uma delas fuxica o feicy de uma velha conhecida, sabida louca, problemática e com um histórico de pequenos grandes surtos. Essa rede social era mesmo um prato cheio para assuntos vulgares. Divagavam sobre loucuras alheias. Diana entra na página de Deise Barbone e diz a Eva. Eva logo se anima e se põe a criticar tamanhas insanidades postas por Deise. Diana ainda se surpreende apesar dos anos. Deise passou a praticar boxe (souberam pelo feicy) e criou um álbum seu com fotos sobre o ringue. Uma delas mostra a ausência absoluta de bom senso. Ela abatida, horrorosa, com um rôxo nos olhos, sob a legenda: orgulho.

HAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHA (a foto é mesmo inacreditável. Pena não poder roubar e postar) O que é a pessoa nesta foto? É uma pessoa, né? Louca bagarai! Parece aqueles bichos que moram no fundo do oceano, gente! Um ser da zona abissal. Daqueles que o pessoal publica a foto e põe a legenda: "Deus não existe". Gente... Ela é muito sem noção mesmo. Velha será Vieira (Su. Suzana). Ou já estará internada. Ou morta. Ou mendiga. Ou então ela saiu do armário e assumiu que é feia mesmo. Se fosse isso seria mesmo um orgulho. O triste é sabermos que é mais um surtinho. O triste não. O bacana. Imagina se ela para de surtar? Seria muito sem graça a madrugada.

Deise sempre rendeu comentários dessa natureza. Deise é uma chacota e parece não saber. Para se ter uma ideia, Deise sempre saiu fantasiada pelas ruas. Tudo bem. Há quem banque isso numa boa. Faz por atitude. Ela não. Se fantasiava por insanidade. Cria ter uma aparência nobre e diferenciada. Cria ser cult, ou qualquer título de babaquice como esse. Diana completa:eu estou apavorada, cho-ca-da com essa foto. Sério.

Na sequência, uma foto de Deise antes da luta. Também tenebrosa, sobre a legenda: na pesagem.

Eva indaga: pesagem pra que? Pra ser vendida, né? No açougue. Deise luta boxe... Mas nós duas sabemos a verdade. Deve ser para ser abatida. Mas ela é tão ruim que a carne nunca está no ponto. Diana replica: em breve ela será mais uma vaca velha e nem sequer para o abate servirá. E então restará a ela pastar, abandonada, pelos prados do nosso Brasil(mostra a tua cara).

Não seriam apenas as duas a julgar Deise dessa maneira. A prova cabal se deu com comentários de outras amigas sob suas fotos estranhas. Eva muito bem os observou e destacou um deles: o melhor são os comentários das "amigas": "Gente,o que é isto?!...Aquelas fotos antes e depois?! Se não for isso é o que? Esta é o antes, né? Beijo!" Só rindo muito. Diana logo complementa: amigas super sinceras. Caralho! Ela é muito louca! Eva: ela é muito feia. Eu que vaguei por tantos prados e campinas jamais vi uma vaca assim tão horrorosa. Você acha que vou mandar mal se escrever: "põe a foto do depois logo! Estamos ansiosas!"? Diana logo responde: ela é uma diaba no pior sentido. É melhor não arrumar confusão. Ela vai ficar louca. E que filos existem nessa mistura? Celenterados, moluscos, sei lá! Tem algo ali que não é humano. Minha filha, tem um pouco de tudo naquele corpo marrom. Até peixe. Estou segura. Amo "estou segura", diz Eva.

E assim as duas seguem a conversa, caçando uma nova aventura como a que Deise lhes proporcionou. Mas apenas Deise consegue o feito incrível de ser tão fascinante por sua percepção tão sui generis de si. As duas aguardam o novo post.

sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

fragmentos de insônia.





ontem, para ser bem preciso, eu decidi destilar meu amargor em relação a utopia. Pensei ser ela um veneno. Por sorte, talvez, uma viagem me foi proporcionada através das ondas televisivas. Fui a Toscana e creio não se fazer necessário maiores explicações. O fato é que vislumbrei uma sociedade que de utopia se construiu. E ela deu certo...

... sinto-me, há muito, perdido fora do tempo que vejo ali da janela ou nas horas em que dou minhas passadas pelo afora. Fora de órbita. São tantos os tempos que vagam nos infindos espaços...

... passei o final da tarde assistindo alguns programas de TV. Ultimamente tenho me sentido fora do meu tempo, reitero. Do tempo do meu espaço que não é o meu. Meu fuso horário não está de acordo com meus arredores. Com isso padeço de uma inadequação impregnada e que me afeta tanto...

... já tentei me explicar e sempre que isso acontece a solidão aumenta. Essa solidão é do tamanho da distância de mim e do meu tempo toscano. Está bem.

dolorido. Gostaria de estar em outro momento, tempo e espaço. Lugar qualquer em que me sentisse em paz. Mais inteiro. Em algum lugar que vibrasse comigo. Em algum espaço em que eu pudesse ser aquilo que desejo. Em algum lugar dentro de mim. Não mais algo sem valia. O cotidiano me massacra de tédio. Me atola em incertezas e medos e vazio. Sou prisioneiro do meu desencontro comigo em um tempo que não é o meu. Em um espaço que não é o meu. Ou que foi meu. Ou que era nosso.

queria discorrer criatividade e leveza. Queria algum dinamismo hábil...

...troveja a insatisfação. Venta a angústia. Chove a lágrima. Sentido deve haver. Persisto em encontrar. Em escritos imprecisos insisto em demandar algum acalento que venha lá de fora. Que seja de algum extra terrestre antropólogo que compreenda minha humanidade.

...e a Adélia Prado? Uma poesia aquela mulher. Agradeço a ela por ter iluminado o chegar da minha noite. Como é bom tudo o que vem sem se pedir. Como água, como o pão. Como você (quando) está aqui.

...então brota a Bethânia cantando: "quem ama é sonhador. Quando você não está aqui é sempre noite sem luar. Sem fim." É tão difícil entender? Mais fácil é virar para o lado e dormir. Que inveja por não falar essa língua. Aí eu fico sonhando em te rever. "E para que negar que estou longe de mim? Para que buscar palavra para a razão? Se insisto em te querer..." Ainda quero tanto a luz dos nossos encontros. A luz dos meus encontros. E é de seguir que se faz o caminho. Penso que ando sozinho, quando mais preciso das suas mãos. Logo hoje a lua me encontrou antes d´eu me encontrar com nós dois. Você. Eu só tenho um amor. E as estrelas se apagaram...

para que dizer? Só sonho em te rever. Para que ser sonhador? Para poder amar assim. Fui a luz da estrela guia para poder te iluminar. Mas minha cidade escureceu. Desaguei na tempestade do meu pranto. Faltou energia. Não podia imaginar. Que o meu acreditar é um delírio ou devaneio e que às vezes o sol não quer o dia e nesses dias o cinza dá o tom...

anseio o amanhecer. Tudo o que mais queria nesse instante. Morro de saudades e não posso delas viver. Sua ausência se faz maior. A imagem traduz o suave sabor do caminho quando você está aqui. Quem ama é sonhador. Quando você não está aqui é noite sem luar. Voltemos ao ninho. A imagem é tão doce quanto o respirar do sonhador. Sonhador é sofredor. Para que? Pois quem ama é mesmo assim. Insisto em te querer.

quinta-feira, 25 de novembro de 2010

diana.




fui tocada pelas mão de um Orion inusitado e senti-me encantada pela força da beleza. Saí rumo a casa e escolhi o caminho celestial, em torno do espelho d´água em que se reflete o nobre e intocável olimpo. Cercada pelo relevo, encoberto pelas matas, eu andei através do sopro morno que anuncia o prenúncio de uma nova estação. Sublimei o caos e as incertezas. Envolvida pela aura mítica da mais sincera transcendência. Transgredi o corpo e fui para o além das maravilhas sentidas. Deparei-me com semi deuses que corriam lentamente, desfilando a juventude viril de corpos olímpicos, em trajes febris. Dourada pela emanação celeste, segui à luz da vibração sutil e transgressora que, pouco a pouco, me levaria de volta a terra dos mortais. Em meu retorno, permaneci sintonizada a tamanha e tão suave força. Eu vi Diana. De pele castanha e olhos absolutamente azuis. Em uma linha de espera, fui refeita daquela mística aventura espontânea. Observei seus doces lábios que exaltavam o branco límpido de seu sorriso cálido. Seus longos pelos trigo encostavam em seus seios fartos e indizíveis. Senti desejo. Senti intensa admiração. Senti amor por aquela que representava a mim. Diana plácida. Essa eu sou. Ela eu fui pelos minutos infindáveis, dos quais gozei em meu encanto, fora do tempo. Mergulhei no ar sagrado. Eu sou a vida. Eu sou deusa voraz e tênue. Suave como o sublime. Sutil como a revelação. Vibrante como as cores do universo vedado aos olhos nus. Embevecida pela água gélida de um verde coco, retornei a morada, segura, de ser aqui o meu lugar.

terça-feira, 23 de novembro de 2010

seco.





ouvi dizer algumas vezes que vivemos em uma mar de incertezas. Ouvi dizer que somos menos que grãos de areias no universo desconhecido. Ouvi dizer uma série de outras ideias sobre nós. Mas eu não me sinto grão de areia. Me sinto embarcado em algum veleiro perdido e sem bússola. Estou nele. Eu sou esse barquinho que procura o aconchego em algum recanto aonde eu possa me alimentar, descansar e quem sabe encontrar um norte. Ou um sul, ou um oeste e vale também um leste. O necessário é haver sentido para seguir. Não veio a tempestade. Só o calor. Só a sede de ser um. Mas fui eu quem nunca gostou de normas e direções. Fui eu quem creditou ao espaço algum lugar. Mas é tudo tão enorme. E eu tão pequeno. Me sinto encolhendo. Cada dia mais. Não vejo sequer estrelas. Nem a maior. O cinza cobriu tudo. Encontrei uma praia. Uma onda enorme me levou até a areia. Brinquei um pouco de fugir do balançado do mar e vi duas pedras. Uma em cada ponta da pequenina faixa de areia. Um homem trabalhava em uma caverna iluminada por um lampião. Uma mãe e seu bebê degustavam a alegria quando outra grande onda se fez. Elas correram e eu me mantive parado, observando todo o cenário. O homem que trabalhava abaixou seus óculos de grau e me olhou. Sentou-se novamente a mesinha e voltou a escrever. O mar secou. Fez-se um vasto deserto. E eu ali, tal qual um beduíno que busca água e sonha se deparar com um oásis. Do contrário, seria apenas um grão de areia. Contudo a inolvidável verdade: de areia também se faz tempestade. E o que desejo é soprar alto para poder voar e encontrar a água que me dá forma. A água que me transforma em areia molhada.

domingo, 21 de novembro de 2010

curuzu.






, falavam sobre a apresentação de Lauryn Hill e Ziggy Marley cantando Redemption Song.

É linda essa música. É deslumbrande a paixão dessa cantora por cada palavra que entoa. As emoções fluidas d´alma pura e singela que combatem a suspicácia dos degredados do Paraíso de Santo Curuzu. Apenas nós sobreviventes, devotos do homem que Ele cria conhecer, podemos espalhar ao mundo a luz de ser aquilo que expurgamos em nossas fumaças cósmicas. Irrigue seus olhos de vermelho através do verde encantado da clorofila teagá excitante...

Tragavam e lembravam do mítico Curuzu, lugar cujo todos os deuses habitam. Bahia. 1977.

Aquele que transcende a obviedade do externo, é o único capaz de entender os trangressores de Curuzu. Provém de lá o dendê cósmico, que flamba a raíz da miséria e desperta o renascer das células memoriais. Buzinas ecoam o chamado para a fuga. Carregam-me ao som de notas, que trotam como cavalos marchando rumo a tempestade. E então o ruído de uma máquina decadente me remete ao olhar róseo do trânsito nu, que é feito de noite morna e sã. A luz da lua é a reveladora dos mistérios crônicos, que se fomentam do pensar vestido de abstrato e de dadah. Dadah é fera que renasce pela fúria do profano. Foi ele quem salvou seu manto vespertino, do bueiro mais soturno em que havia se perdido. Canção da Redenção. Vai haver penetração?

quinta-feira, 11 de novembro de 2010

O síndico.






Rua Barata Ribeiro, quase esquina com a Santa Clara. Edifício Galeão. É mesmo uma nau. 25 apartamentos distribuídos em cada um de seus 12 andares. Quitinetes de alto nível, segundo Dorival, síndico e morador há 22 anos. Cabra macho de Recife. Militar reformado. Corpulento, cabelo acaju e 67 anos de praia em Copacabana.

Eu sou o dono desse prédio e não há viado decorador cibernético, que fará disto aqui um bordel!

Mas, seu Dorival, o irmão do baitola é federal. Vai dar problema isso aqui, seu Dorival...

Cale a boca, Zenildo! Eu quero ver quem será o federal a me impedir.

Quer mais dicas de moda, beleza e astrologia? Ah, seu Dorival. O senhor fica ainda mais sexy bravinho desse jeito. Sorria Marcinha, travesti manauara, 1,83m, corpo violento, seios fartos, pele cabocla e longos e loiros cabelos. Dentes muito brancos. Rosto forte e gogó avantajado.

Dorival sua frio e começa a gaguejar, tentando parecer natural. E persiste o discurso contra o novo escritório, que um proprietário pretende abrir ali, no Galeão do eterno síndico. As obras tomam seu percurso. Depois de uma tremenda confusão decorrente da polêmica instaurada por Dorival, o escritório é finalmente inaugurado e jamais causa transtorno ao bem estar dos incontáveis moradores.


Dezembro de 2010. As caixinhas são postas sobre as bancadas das portarias cariocas. É chegado o momento da famosa contribuição anual para os porteiros de toda a cidade.

A porta do elevador se abre. Julia e Nuno, os sócios do escritório de designer gráfico, conversam enquanto abrem suas carteiras. Nuno doa R$250,00. Julia também. Zenildo abre bem os olhos e conta aqueles R$500,00 sem poder acreditar. Olhar vidrado para o relógio. Dinheiro na mão.

Zenildo, que dinheirão é esse, porra? É... É... É que eu juntei esse dinheiro todo, e mal posso acreditar, que eu vou comprar um ventilador, ou até dois, lá para casa. Com esse calor! Eu passei o ano inteiro juntando e a Wanda vai adorar, seu Dorival! Zenildo, não seja mentiroso, Zenildo! Da onde veio esse dinheiro, Zenildo?!

A porta do elevador se abre. Zenildo leva um susto e solta o dinheiro sobre a bancada. Dorival se dirige a ele. Olha para a mesa e vê o dinheiro.

Quem doou essa grana toda, Zenildo?! Ah, foram os garotos do escritório. Cada um deu R$250,00, seu Dorival. Porra, tudo isso?! Esses subversivos, estão de sacanagem, ganhando esta fortuna no meu prédio! Isso deve ser pornografia! Ninguém que trabalha tem esse dinheiro para doar para porteiros! Seu Dorival! Seu Dorival? Eu acho que cê num tá entendeno o que isso quer dizer. Você estava, por um acaso, querendo ficar com este dinheiro só para você, Zenildo? Não, não! Nem pensar, seu Dorival! Eu vou denunciá-los! Seu Dorival, para de falar merda e me ouve!

Dorival gagueja e lembra de Marcinha, a travesti manauara.

Seu Dorival, o senhor num tá mesmo entendeno. Se esses dois aê, que tem escritório deram tudo isso, quanto que a gente não ia ganhar se esse prédio fosse todo de escritório? Ser porteiro no final do ano aqui seria melhor que ganhar na loto! E além disso eles ia conseguir tirar tudo a Marcinha daqui... Vai que eles oferece a ela, uma fortuna para transformar isso aqui só de escritório, hein? Ia ser bom demais, seu Dorival!

Dorival morde a mão e passa alguns segundos pensando. Respira fundo e começa a bater uma mão na outra. Ele sua muito. A gola de sua camisa está molhada. Ele pega um lenço xadrez do bolso e passa na testa.

É Zenildo. Pode ser uma ótima opção. Transformar o meu prédio em um centro empresarial. Os porteiros vão ser felizes e... E se a Marcinha ficar como secretária? O senhor tá querendo que ela fique ou que ela vá, seu Dorival? Eu não tô entendeno. Acho então que não tem problema nenhum d´eu contar para a D. Lu, do senhor e da Marcinha, né?

ZENILDO!!! A D. Lu é uma velha caduca que pode morrer se souber dessa história!

A porta do elevador é aberta por D. Lu, que escuta seu nome.

Posso saber o que os senhores estavam falando sobre mim? Por que o senhor estava gritando, Coronel Dorival?

A portaria é acionada. Julia e Nuno na porta do edifício. Dorival anda rápido até a porta e sorri para os jovens empresários.

Boa tarde aos jovens deste país! Boa tarde!

Julia e Nuno entreolham-se surpresos. Atravessam o pequeno corredor e cumprimentam D. Lu e Zenildo. Entram no elevador.

D. Lu, eu preciso subir, não estou me sentindo muito bem, mas eu falo com a senhora depois e eu estava cobrando do Zenildo que refizesse sua caixa de correspondências!

Ah, sei. O senhor é muito gentil. A Marcinha, aquela moça engraçada do 825 me disse isso, no elevador, outro dia.

Dorival, dentro do elevador, sente náuseas. Ele se recosta na parede do mesmo e ele para no sétimo andar. Alfredo entra e sorri para o síndico.

Está subindo. Não tem problema. Eu subo e desço.

O elevador fecha a porta e sobe. Escuta-se a voz grave e desafinada de Marcinha batendo na porta do elevador.

Solta essa merda! Eu tô com pressa, caralho!

Dorival volta a suar e tem uma falta de ar. Alfredo o acode e a porta se abre.

Uh, lá, lá, Dorival, tá passando mal? Ri copiosamente a travesti. Marcinha passa suas enormes unhas zebradas no queixo do Coronel. Ele chega para trás como quem foge de uma faca pontiaguda.

Tinha que ser você prendendo esta porta, Dorival! Eu não corto não, Dorival! Só furo! Ri escandalosa. Alfredo os observa e segura a vontade de gargalhar. O elevador vai até o nono andar. Ninguém entrou. Ninguém saiu. Marcinha se vira para o espelho e abre a bolsa. Passa seu batom vermelho e se esfrega, discretamente, em Dorival. Ele aperta o quarto andar. O elevador para e ele empurra a porta com força. Tem uma crise asmática. O elevador desce com Alfredo e Marcinha. Alfredo ri.


Marcinha, qual foi com esse velho? Ih, menino, babado! Nem te conto. Pergunta pro Zenildo. Arrasou!

Marcinha segue pelo corredor até a porta do edifício. Alfredo busca suas contas e aproveita para falar com Zenildo.

Mermão, vi aquele velho babaca passar mal com a Marcinha agora! Qual foi, Zenildo? O que rolou com o velho? O cara tem medo da traveca!

Ih, seu Alfredo, é coisa a toa. É coisa da caixinha dos porteiros, uma confusão danada. Seu Dorival tá caduquinho, caduquinho. Alfredo franze as sobrancelhas. Matem-se calado. Enrola suas correspondências e sai do prédio. "Só não vale dançar homem com homem, nem mulher com mulher". Ele cantarolava, acompanhando o rádio.

(...)

sexta-feira, 5 de novembro de 2010

soft eve.





Cara Helena,

já que quase não nos falamos mais resolvi te escrever. Tava rolando um Eric Clapton, sonzinho que você me emprestou há tempos e lembrei de você. Hoje não fiz porra nenhuma nessa casa, sequer a cama. Médico, academia e 2 voltas merecidas na Lagoa. Depois um banho de sol homossexy no deque, segundo você. Volto a casa e espero o marido. Ai, que arraso. Ele chega. E me dando coió porque estava tudo bagunçado. Tudo bem, tudo bem, que estou nessa pindaíba, mas ao menos cuido do corpinho para ter função útil no lar e tampouco isto é apreciado. Sentimento que cai mal, muito mal. Dá umas vontades loucas. Cada dia entendo mais as mulheres. E que merda! Vou acender um cigarro. Volto já.

Laura.

EvE Busmeyer.





Sempre há o que fazer. Sempre. Rodou o aro da sua bicicleta por 14 e redondos quilômetros. Suou o tédio. Sentou-se no deque à beira do glorioso lago e observou a proximidade do verão. Por entre as curvas sinuosas das pedras da cidade, ele canalizou a força da estrela maior e respirou o calor que refresca as ideias. Expremer palavras seria tolice. Já as laranjas valeriam a pena.

Ela fechava os olhos involuntariamente. Pretendia controlar seu sono. Contudo, justo nas horas em que mais precisava doar atenção ao outro, isso lhe acontecia. Mergulhou em seu denso inconsciente e viu Bette Davis. "Ela sempre dependeu da bondade de estranhos". Ocorrera-lhe essa frase. Tomou um susto e disfarçou fazendo parecer que tirava um cisco de seus olhos borrados, pelo rímel mal aplicado. Achava maravilhoso ser mulher e poder chorar deixando os olhos manchados pela maquiagem. All about Eve. What ever happened to Baby Jane? Ela recordava com tensão e fascínio aquela professora universitária e racista, e que fazia urucas escandinavas para destruir as poucas mulheres belas e intelectuais do instituto. Pobre Andrea Zegna. Castigada pela beleza que se esvaiu por causa atribuída, entre os laicos alunos, ao feitiço de Hedda Bertram. Aquela maldita do setor de metodologia, que tentou seduzir Laura, lhe apontando destinos possíveis.

E ele tentava tranquilizar seu ímpetos temerosos do amanhã, respirando luzes coloridas. Respirava o violeta e o prata... Você está chorando? Eu sei que é muito tocante tudo isso, mas eu estava apenas dizendo o que tenho buscado fazer para não sucumbir a este vazio que me assola...

Por que você está falando na terceira pessoa? Incorporou o Pelé? Já não me basta ter tido a Xuxa como ícone da infância?

Não, não... Constrangido e temente a microfísica do poder exercida por Laura, sentada na confortável poltrona do consultório e ainda lhe devendo mais de 4000 reais em sessões, Pedro Luís procurou discorrer sobre as suas infalíveis descobertas acerca das terapias alternativas e recomendou a Laura experimentar.

Querido, não se importe co-mi-go!(voz pausada e tensa) Você está aqui para trazer os problemas e eu para solucioná-los.

Mas... Percebi sua imensa distância a respeito de tudo o que vinha expondo...

Querido, acalme-se, não me irrite e siga adiante. Essa coisa Pelé, terceira pessoa é um ato falho relevante.

Bom, eu estava assistindo Glee, e a voz daquela menina principal é muito chata, além (...)

Laura olhava para seu anel, com contornos de pedras portuguesas cravejados com rubis africanos, herdado de sua avó síria, Marieta. Pensava em o quão humilhante era a ocupação de Chicago no ranking das cidades mais infectadas pela máfia, depois do Rio de Janeiro passar a imperar absoluta, a lista dos lugares mais violentos do mundo. Pensava que talvez fosse preciso um cofre em seu consultório. Mas aonde poderia colocá-lo sem que isso chamasse a atenção de seus pacientes?

(...)e assim tem sido meu dia a dia. Ando sem perspectivas, ambições e muito sonolento. Paradoxalmente a insônia me corrói quando eu mais precisaria descansar. Blá, blá, blá ... ... ... ... ... blá, blá, blá... ... ... (...)



Querido, até a próxima quarta, já são 6hs e mais uma vez insista com seu pai. Ele tem esses 4000 reais que você me deve. É importante ele participar deste processo.

Ah, uma última coisa por hoje: você acha que estou doente?

Tenho outro paciente lá fora. Mas vou dar uma dica. Você quer ter uma doença? Eu não tenho um diagnóstico para o seu caso.(Sorri mórbida)

A porta se abre e Pedro Luís vai ao banheiro lavar suas mãos. Ele queria mesmo era ver o rosto do próximo paciente. Laura Busmeyer o olhou como quem escorraça um cão vadio e ele achou que fosse um olhar carinhoso, ao notar, de soslaio, os olhos de Laura. Percebeu que a outra paciente da respeitosa senhora Busmeyer, aparentava uns 103 anos. Esperou o elevador. Deixando o edifício se pôs a esperar seu companheiro que não lhe comunicou o atraso. Olhou os arredores do prédio e ao econtrá-lo, depois de longos 34 minutos de espera, recebeu seu desprezo. Logo pensou: é melhor respirar uma luz lilás. E uma prata em seguida. Ouvia vozes. Àquele para quem tu deste o teu melhor, caso te traga desgosto, merecerá o teu pior. Sol em Escorpião.

quinta-feira, 4 de novembro de 2010

Fanfando to survive.







Tenho uma amiga casada faz alguns anos. Vive em crise. Normal. Deixa eu contar um pouco dela para vocês entenderem. C. cansada de anos de ralação brutal, cansada dos turbulentos confrontos familiares (mãe filha da puta, pai alcoolátra, irmãos recrutas das FARC), cansada de toda a sorte de vagabundos (homens que nunca deram valor a ela, talvez porque estivesse sempre bêbada... Bêbada de cansaço da vida, gente... O vinho relaxa afinal.), resolveu se aventurar pelo mundo. Como estava dura, o mundo mais próximo era Itacaré. Para lá se dirigiu e, impossibilitada de internar-se num bom spa relaxante, resolveu apelar para o decadente estilo de vida hippie. Que no entanto rende ainda boa diversão em certas alturas da vida repleta de perrengues. Estou sendo bem breve pois C. clama por discrição... Não quer sua vida muito exposta por aí. Exaurida em último grau, por lá se refez. Redescobriu os prazeres de andar nua e banhar-se sob o pôr do sol em águas límpidas e mornas e com o mar vibrante em marolas reconfortantes, que ela acreditava, levavam embora suas mazelas espirutuais. Nada mais pertinente ao pensarmos que C. estava entregue à sombra do olimpo dos Orixás da eternamente mágica, Bahia. Em Itacaré C. refez-se de corpo e alma. Já reenergizada e fortalecida, decidiu reenfrentar seu mundo e voltou para o seu ninho... A cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro. Passaram-se uns meses e C., inusitadamente, num jantar entre amigos, conheceu seu príncipe encantado. Um homem mais velho, quase em idade para ser seu pai. Poderia sê-lo, na verdade... Encantou-se! Ah, o clássico complexo de Electra entrava em ação. Bom, sem muito saco para dar detalhes, C. casou-se com este homem e tiveram um filho. O esposo, nascido em berço esplêndido, ofereceu a ela o que havia de melhor neste mundo dos homens. Apartamento novo e reformado, viagens, jantares, carros e tanques e mais tanques de combustível uma vez que C. amava dirigir e dispensava motorista. Compraram mais um apartamento, o que era imprescindível para C., que amava oferecer festinhas a amigos e afins. É uma festeira nata essa minha amiga! Caprichosa, C. decidiu curtir a vida a valer e com toda a força e gana que tinha, para se divertir como se não houvesse amanhã, como se a vida não tivesse seus limites. E eu sempre ali de pertinho, acompanhei tudo. Uma de suas melhores amigas tinha um casarão em frente a uma praia, que era para C., um refúgio fundamental, sempre que precisava recarregar as baterias. Depois da Bahia, ela "entrou numa onda" de ser filha direta de Yemanjá e assim sendo, um bom mergulho, podia resolver qualquer probleminha. Ao perceber, com toda clareza que o sol pode espelhar, que seu marido havia assumido o papel de seu pai, sem o menor constrangimento, eu simplesmente estimulei minha amiga a demandar com todo o carinho de "filha" presentes e brinquedos novos. Um dia, C. me contou, quase com uma pontinha de depressão, que sua amiga M. havia comprado um laptop desses de última geração da Apple...E C., quase resignada, me disse que no natal (estávamos em junho) pediria um de presente ao "pai". Eu, que não sou nenhuma boba, disse a ela para pedir a-go-ra! Era uma maneira de testá-lo. Não é que ele prontamente atendeu seu pedido e em uma semana C. estava com seu note brilhando sobre a mesa de sua casa! Virei conselheira mór da minha amiga. Ela fez lipo, contratou mais 4 empregadas e fez umas viagens curtas para renovar o guarda-roupa. Estava, tal como ela, cansada daquele carro (que já ia fazer um ano) e aconselhei que C. demandasse um outro mais caro. Desta forma, ela prontamente foi atendida. Com isso, cansadas do trânsito, pedimos (já me incluo nisso) uma lancha para que pudéssemos ir à casa de V., nossa amiga do litoral oeste da cidade! Hoje, C. me contou que Xuxa se casará com Szafir. Vaca máxima que é, e entregue ao cômico mundo das fofocas "célebres", decidiu ficar amiga da ex-apresentadora (ainda é? Sei lá. Não curto) e achou que com uma lancha poderiam se cruzar por Angra e com isso tornariam-se amigas. Quer mesmo é ser convidada para alguma festa. Aquela beócia dá festa? Eu, como boa súdita, disse que achei o "máximo" o pedido e estamos aguardando a lancha. Bom vou dar uma "pastada" com C. e vamos abrir um veuve rosé.

Ouvi isso de uma amiga. Apavorada! Sabedoria? Vazio? Desespero? Cretinice? Como anda o mundo, não é mesmo? No entanto, no exato momento, sem Xuxa, naturalmente, eu preferiria estar em uma lancha fanfando por aí.

Sônia.

Mc Fish.





Não sei se era o amanhecer ou o entardecer naquela praia em que vivi muitos dias que não sabia felizes. No céu algumas nuvens e aquele tom alaranjado típico de quando se faz o trânsito para um novo encontro, seja com o dia ou com a noite. Meus pés na espuma e nos meu olhos a visão de espessas e calmas marolas que revelavam enormes e gordos peixes escuros. O escorregar das ondas na areia revelava um cardume que deixava a água e se punha a me seguir lentamente. Porém, um em especial, o primeiro deles, fazia movimentos de borbulha como se quisesse falar comigo. Eu sentia um medo, que embora não muito grande, me fez retornar ao segundo andar do pequeno edifício donde eu havia vindo. Subi as escadas e bati a porta. Mas lá veio o peixe, que caminhava flutuando, atrás de mim. Em seu levitar ele me fitava e eu não entendia o que poderia um peixe daqueles querer me dizer. Tentava me esquivar e era em vão. Chegaram todos os outros peixes. Todos gordos e com aquela tagarelice muda. Encontrei um cão pastor. Ele se espreguiçava e tinha um ar calmo e bonachão. Foi ele quem fez os peixes voltarem para o mar. Mas aquele primeiro peixão ia embora, no sentido do mar, virando sua cabeça para mim, com seus olhos vidrados. Ele queria dizer e eu não podia entender. Também voltei à praia. Sobre a areia úmida encontrei meu amigo de infância. E além dele, lá estavam sua mãe e irmã. Recostei minha cabeça em seu peito e ouvi daquela matrona que aquele gesto paternal muito nos faltava. Mas eu desisti de esperar o suprir. E quanto aquele peixe, parecia ainda querer falar comigo. Seus olhos me diziam para eu insistir. Só não sabia em quê. Eu continuei confortado naquele abraço. O sol dourado brilhava o céu. Os peixes foram desaparecendo e somente aquele olhou para trás. Fechei meus olhos.

quarta-feira, 3 de novembro de 2010

Abelardo Barbosa. Explanando.






I was yours and you were mine.

Estava escrito em alguma lugar. Não! É a letra de uma música que eu adoro. Só isso. Sei lá quem canta. Digitar fumando é a maior merda. Tinha que haver um jeito mais fácil. Ditar. Facilitaria muito as coisas. Crise existencial. O que fazer, por que fazer? Solidão apreciada com desgosto e também prazer. Confusão e angústia. Mas há o desfrute da liberdade. Que é falsa. Porque não é minha. Vem dos outros. Quero dizer, os outros me possibilitam. E então cai de sobressalto a realidade crua e dura que me cobra. Logo me vem a busca pelo alívio. E ele entra em casa. Mas é falso. Porque ele também cobra e não entende. Não percebe o que sinto, o que explicito e o que explico. Não compreende. O alívio vai embora e chama seus ismos e estes pois são (d)ele. Assim eu não chego a lugar nenhum. Fico parada, estagnada e sou acusada por isso. Aí baixa a louca. A que reclama e se arrepende. E a que pensa em roupas, pedras, lugares e sons. Mas isto nada significa. Não é de ninguém e é meu. Desta maneira é preciso se curvar diante do abismo e rogar alguma luminosidade que me guie, por ser romântica e só poder acreditar nisso. Mas às vezes os ventos sopram no interior e reverberam fora e aí você sabe que é chegada a hora. Que haverá maneira. O vento empina. Olho ao redor. Sinto um novo ar quente que deve ser o da mudança. E aguardo meu momento. E penso aonde posso chegar. Não sei se é longe ou se é perto. Não sei se hoje é o amanhã ou o ontem. Mas é o hoje. E o que eu faço? Eu me sento aqui. E conto as pontadas que sinto percorrerem meu corpo. Converso sobre isso. Sobre amenidades que denotam aquilo que ninguém entende, mesmo eu. Balanço no ritmo de uma música qualquer e busco uma doce fatia de abacaxi. Quer fruta melhor que essa para definir o escuso sobre o qual ensaio falar? O Chacrinha percebia. E olha que eu tinha um certo repúdio dele quando era criança. Mas a vida é irônica, não? A percepção de um modo geral, sobre tudo que envolve nossa vida, muda tanto com o passar do tempo. E estar mais velha, hein? A sensação nítida do encurtamento do tempo é bastante estranha. O que fazer para aliviar? Comprar um bom antirrugas mesmo sabendo que é placebo. E produzir. Produzir um evento para ganhar dinheiro ou mesmo produzir uma boa limpeza dentro de casa. Faz-se necessário produzir. Cada um produz o que pode. Eu solto a letra e o outro enrola fumo e diz que ninguém quer trabalhar durante o natal e o reveillon. Muito menos eu que sequer cansei meu corpo por este fim. Aí passar o natal e o ano novo neste pique lavoura não dá. Doravante eu vou é mamar na teta que me alimenta. Diferenciar-se da superficialidade imperante e desconcertante, requer reservas de solidão. E elas podem ser musicais, literárias ou visuais. Por vezes táteis. Fui lá naquela cidade majestosa e elegante. Ela está tão distante de mim que projeto já, minha primaveril visita a Londres. Preciso dar uma respirada. Vou a cozinha. Pois há mesmo ouro naquele baú. Dourado e reluzente por fora. Mas sua mais rica preciosidade esconde-se por dentro daquela aura portentosa. E é marrom. E ele é mestre em tirar água de pedra. Um verme que pensou ser planctôn. E mesmo o era. Apertou um fino de duas berlotas. E aquelas ervas na panela? É banho. Achei que fosse chá. Era chá. Mas era chá ou era o banho? Os dois. Um dois? Acabou.

Sônia.

sábado, 30 de outubro de 2010

Memórias de Cordélia.





Rio de Janeiro. Ano 1956. Festa no cais do porto, Armazém 2(liberdade poética). Grande festa de casamento. Atmosfera febril, fervilhante, glamourosa, exuberante e veranil. Dia 30 de outubro.

às 2hs30 da manhã, horário improvável para uma dama da alta sociedade chegar a casa, completamente alcoolizada, desacompanhada e deixada por um táxi, na porta de seu edifício.
(...)

Sapatos altos e laranjas sobem os degraus de uma escada. Passam-se quatro andares. Vê-se um porta de madeira escura. Apartamento 401.

-Eu não sei o que é pior. Se é beber, fumar um, ou misturar os dois? Sonidos que se assemelham a uma gargalhada forçosa.

Cordélia então lhe replica:

-Num tô entendenú. Eu num tô lembranú gi nada! Eu disse um monte de coisa antes. (agudo sotaque nordestino- expressão facial estilo Barbosa/ TV Pirata)

Verônica e João, desfalecido, sobre a cama em um quarto fechado.

-Você precisa de sal, açúcar ou alguma substância que possa te ajudar a chocar seu ovos?

Ela segura seu membro flácido, sobre a cueca, e o chacoalha dizendo:

-Choque seus ovos, choque seus ovos. Repetia incessantemente.

Verônica levanta-se da cama, abre a porta e caminha cambaleando, sem se dar conta de seu estado. Sai do quarto, seguindo até a sala, para buscar a caixa de fósforos cravejada de brilhantes. Sob o lustre comprado em um antiquarius em San Telmo, um cigarro é aceso. É possível escutar a pólvora que queima a seda. Ela fita o lustre e fuma. Sequer sabe sobre o que pensa. Traga seu cigarro de filtro vermelho e contempla o objeto pendurado na Haste de um antigo ventilador. D. Córdelia entra na sala:

-Mas a sinhora tá parecenú uma loca, D. Verô. Ih, minha nossa Sinhora! Essas droga tudo vai acabá cun você! Isso num é hora d´uma dama da sociedade chegar em casa i sempri cheiranú a cachaça. Quê qué isso?! Ondé quêce múndo vai pará? Ah, meu Deus... Deixa seu Juão chegá aqui i vê a sinhora asiãn.

João permanecia adormecido sobre a cama do quarto.

-Córdelia, eu estava pensando em pintar de rôxo esta haste. O que você acha? Vai ficar moderno, não? Eu gosto deste contraste. Eu imaginei uma cena tão... Ai, nouvelle vague. Peça a Cloude para gelar o champanhe. Amanhã assistiremos uma exposição de arte islâmica, com acervo proveniente do Irão. Expressões artísticas muito diversas e de importância maior para esta cultura riquíssima. Você gostaria de ir conosco, Cordélia? É deveras interessante. No mínimo exótico(tom de voz absolutamente sereno). O João devorou imensos acarajés. Você precisava ter visto. Lembrei de você!

Cordélia coça a cabeça e ajeita seus grampos. Passa os dedos por sobre seu queixo e respira fundo. Olha para o lustre e logo depois para Verônica. Tosse com a fumaça de encontro ao seu rosto. Levanta um sobrancelha e se mantém muda.

voz em off(não me recordo o termo técnico apropriado-outra hora me vem à cabeça).

É isso que dá seu João num dá nu côro. Pau molão deixa as mulé tudo loca. Minha nossa Sinhora. Acho qui vô é bêbe esses negóço tudo aí. O Matias é que é macho bom. I acarajé nem é dí minha terra. Essas mulé acha que Bahia e todo o Brasil é a merma coisa. Dão uns arrudeio da pêga e num aprendi.

As mãos de Vêronica desfazem seus penteado e seus cabelos ruivos naturais são soltos deslizando sobre seus alvos ombros.

-Cordélia, faça-me o favor de não tocar nos víveres com estas mãos altamente infectadas, por estas bactérias letais, alojadas em suas mãos. Querida, leve-me um dia para andar de trem com você? Deve ser um experiência e tanto, não? (E ri, de maneira pouco espontânea).

Cordélia olha bem nos olhos de Verônica e lhe diz:

-A sinhora tá cun demônio cun esses tóCHico tudo. Eu num tô entendenú é nada. Depois nós que sômo us inguinorantchi.

Grandes olhos amendoados e bem maquiados piscam lentamente. Os longos cílios postiços são retirados calmamente e jogados em um copo cheio de água. Eles descem lentamente até seu fundo.

-Cordélia, ponha os sais na banheira. Estou exaurida e necessito relaxar. Esquente bem a água, querida. Teste antes a temperatura para que eu não me aborreça, está bem?

-Sim sinhora. Cordélia vai ao banheiro resmungando...

Verônica vai a cozinha e abre a geladeira. Suas duas garrafas de champanhe rosé estão vazias, juntamente às garrafas d´água.

-Cordélia, você bebeu novamente meus rosés?!

-Fui eu não. Foi a bomba-gira qui girô...

-Ah, esta criadagem anda cada vez mais subversiva... Silvícolas insolentes! Verônica balança a cabeça, respira fundo e sorri. Ela vai para o banheiro. Ela se desnuda diante do espelho. Suas costas são refletidas pelo mesmo e ela põe a ponta dos dedos de seus pés na água, para verificar se a temperatura está aprazível.

-De-li-ci-o-sa.

O telefone preto da sala toca. Cordélia corre para atendê-lo.

(...)

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

sustinho de manhã.






Eu tive um sonho estranho... O Brasil sofrera um golpe... Mas este fora monárquico... Hebe assumira como Rainha Absoluta, digo Absolutista, e assim a nação tornara-se definitivamente uma gracinha, uma coisa fofa. Aqueles que não recorreram ao laquê para saudar a nova majestade foram degredados para um mundo distante. Lá, no mundo dos exilados, o verde da natureza deixara os olhos de todos os impuros num tom de vermelho raro... Sintoma este conhecido e decifrado por poucos... Acordei a caça de um laquê, ainda entorpecida por súbito e inconsciente susto, de efeito quase irreparável. Mas foi delícia.

Sônia.

terça-feira, 19 de outubro de 2010

a velha.






vâmo lá falá ca velha? Vâmo lá! Vâmo lá!
Falá o que com a velha? Sei lá! Cara, a velha é mór múmia! Vâmo lá falá ca velha!
Parece mór múmia mermo. Comé que deve sê falá com a múmia? Deve ser tipo falá com Deus. Ele que é velho assim, que nem múmia.

A velha se pôs sentada no banquinho da praça diante da igreja. Sacou sua caixa de cigarro de dentro do bolso. Logo em seguida, de dentro da sua jaqueta, tirou um isqueiro enorme e laranja e acendeu seu tabaquinho sagrado. Agradecia por poder fumar mais um dia, viva, ainda que na iminência da mumificação, e apesar da corcova que surgiu com o passar dos séculos, contemplara a casa de seu filho Jesus. Maria já não era mais virgem em lembrança, mas em matéria e corpo de Cristo já o era novamente. A velhice regenerara o hímem. Ela permanecera agradecendo poder estar ali, naquela pracinha outra vez, fumando mais um maço. Ela acendeu um atrás do outro. Até o chegar da lua nova, exatalda pelo límpido firmamento. Ao fim de seu último cigarro ela se levantou vagarosamente. Os dois meninos tornaram-se duas estatuetas de bronze no jardim da pracinha. Ela os fitou e lhes ensinou, de prontidão, o que eram as múmias. Era possível sentir o temor em seus olhares estáticos. E isto lhes tornara muito curiosos. Todos os transeuntes os observavam. No entanto jamais identificavam o porquê da peculiaridade daqueles olhares sentidos. A senilidade a fizera pensar não ser Maria e sim Verônica, a quem julgava mais divertida. Caminhou com a calma de quem podia esperar a eternidade e fora buscar outro maço para aguardar, em paz, a aurora. Até que há o milagre. As estátuas passam a lacrimejar. Era coisa de Maria, a velha porteña que preferira ser Verônica. Mas a Verônica era bem mais divertida.

alfa@JOR






,eu imaginei naquele momento. Imaginei sim. Imaginei você chegando com todo aquele doce de leite servido para mim. Aquela colher de servir arroz, só para que eu degustasse daquele doce divino... E você era tão generoso e romântico que sequer me pediria uma colherada. Seria tudo meu. Aí você me vem com uma caixa de alfajor só para mim. Eu tinha sonhado com o pote de doce de leite e ganhei uma caixa de 12 alfajor. Como é o plural disso? Como foi aquela piada mesmo? Sei lá o quê da riColeta porque eu sou paLermo? Cidade boa é cidade como aquela. Decadente e charmosa. Nada mais elegante em tempos atuais. Em cada olhar um detalhe. Uma preciosidade. Flanamos a desvendar o revelador daquele respiro suave que abrandava nossa estada. O verde. O branco. O cinza. O rosa. E aquele azul. Aqueles monumentos. Suas casas e pessoas. E a mais doce lembrança visual. Tipo, diabética.

É... Tá legal. Mas sei lá. Para quem disse que escreveria até terminar a bateria do laptop... Bom, essa bateria deve durar pouco mesmo, não? Grosseirão.

Mas sigamos. É para o alto e avante. Voar deve ser uma loucura. Descobrir-se um outro deve ser muito louco. Como assim "um outro"? Ah, se dar conta de que há alguém idêntico a você e perceber que mais do que isso, aquele ser é você, em outro tempo, esquecido. Bom, é o seguinte: o cara tinha uma vida medíocre e portanto deveras entediante. Recém separado e com a aparência de um galã insosso, se é que isso é possível. Além disso, lecionava e ganhava pouco. Este dado parece reiterar que sua vida é mesmo um tédio. Um dia, por recomendação de um amigo do trabalho, ele aluga um filme na locadora. Eu não me lembro de onde surge esta amizade. Ah, é válido ressaltar, que ele tem um nome que soa ridículo e o mesmo é repetido no decorrer de toda obra, até onde eu li. Mas voltando, finalmente ele assiste ao filme e se apavora ao se dar conta de sua impressionante semelhança com um dos atores da película. Mais que isso, percebi que ele acredita ser aquele ator. Parei por aí. No entanto estou achando de uma loucura genial.

Vou torcer para ele não ser apenas um esquizofrênico.

Ainda que seja um. Dependendo do desenvolvimento da história, ainda assim, seguirá de forma genial. Vamos ver.

Cê tava lendo lá?

Aham. Por isso citei o livro. Há dias que são assim. Não sai nada. Ia ser estranho se fosse: "não saem nada", né?

quinta-feira, 19 de agosto de 2010

Sê.





Sê de Caio e de Clarice; e de andar se faz o caminho. Não há trunfo, nem segredo. De andar se faz o caminho. Da janela o verde e no branco a mente. No escuro o negro que mergulhei, no salto que dei de mim pela madrugada. Dormência ardente que me levou a dar passos lunares, sem gravidade. Até à cozinha eu me pus e a luz não se acendeu. Minhas mãos transpassaram o interruptor e não era eu em um disco voador. Aqui na crosta agradeci, com um beijo, o alento que me sobrepujou a leitura. Aquelas palavras- de ornar o mais profundo- misturadas, revelaram a força d´alma que se destina a dar gosto a toda sede de frescos e doces morangos. Eu brilhei como a luz da lua nova, que baixava na imensidão, me dizendo ao coração que a virada viria na aurora. Tempo corre infinito. Tempo corre sem saber. Ele é meu fluxo. Meu trânsito fluido. Meu corpo esconde inutilmente o que a alma fala. Alma conta tudo. Alma sofre tudo. Ela ama. E destesta. Ela livre e rodeando: O tempo. Penar imundo. Eu penei na madrugada e se fez ouvir um mugido de sofreguidão que salvou meu respirar. Ele seguiu agraciado pelo ar da noite azul. duas horas passadas e parecia um minuto. Tudo se parece. E é sempre assim. E ela falou e falou e não disse nada. E é sempre assim. Com sua bocarra ela cospe o musgo da sua dupla face sórdida e dissimulada. Almejando ser desejada e amada e recorrendo aos seus seios e cabelos. Aos seus olhos transparentes. Porém, ah/há, porém! Quando fitados são desmascarados. Medusa pobre. Ou pobre medusa? A imundice pode ser notada quando ela tenta se esconder evitando ser encarada. E o que isto importa? Nada. Absolutamente nada. De vida e alegria ou de miséria e podridão o que se vive é o que se sente e do andar se faz a estrada. E nesta estrada esbarrei com outra. Outra alma. Desligada de seu corpo violentado por si, ela revelou, em saltos soltos, a doçura e o sorriso que a alma não oculta. Por este Sê que não se esconde e que se desgarra. E que se vive porque Sê é ou Sê somos, é do andar que se faz o caminho.

quinta-feira, 12 de agosto de 2010

Dias sem formas, presos na linearidade de 8 horas entre teclas e bocas que normatizam. As formas de meus dias andam atreladas a um entrelaçar goldlocks, branco-negro. Sempre com o cheiro doce no ar, a respiração profunda – aquela que só se tem quando se é – e o azul do pulsar de minhas veias, fazendo minha pele manifestar a bomba que é meu coração.

terça-feira, 3 de agosto de 2010

lá da lua.





encerrei este assunto de fábulas, de feiticeiras e ermitões. Encerrei porque cansei. Cansei de lero-lero. Nos cansamos. Eu e a Rita. Se de mística se alimentam almas, na realidade o trovão tira a luz do meu Humaitá. E por estas e por outras eu encerrei. A onda passou e eu voltei depois do tempo que me ocorreu. Mas palavras por palvaras eu fico com o verbo. Calei meu berro. Meu riso é meu regozijo. E isto é preciso cultivar. Na iluminada e chuvosa cidade eu encontro meu ninho. Minhas ilhas de alegria que me trazem a esfuziante sensação de que só para a culpa não há perdão. Eu jogo fora da memória a ideia arraigada da tradição. Crio meu tumulto e me alimento da confusão. Eu ligo o tal foda-se e me ilumino de pensamentos. Solto os meus instintos. Sigo seguindo sem saber do fim. O que importa se é mesmo assim? De um jeito ou de outro o que vale é o sentir sorrindo. Na calma da marola meu corpo se fortalece. E é portanto que me projeto para a lua. E de lá eu vejo tudo. Mas isto é força de expressão. Na verdade não há mesmo como ver o tudo. O espaço é mesmo sideral. É escuro demais. E é, portanto, que eu olho mesmo para onde eu posso ver. E é tão bom. Tão bonito e azul e verde e branco e Terra.

a feiticeira.





ele andava perambulando, procurando os fragmentos de si, que outrora, na construção de seu tempo, haviam se perdido. Em cada pedaço seu, uma representação. Uma alusão às suas dores e desencontros. Contudo, existia um desejo tácito e pulsante de seguir ao encontro Dela, sem sequer saber de quem se tratava. Sabia, apenas, que se tratava Dela. Daquela força de múltiplas facetas, vozes e expressões. De distintas, porém contáveis personalidades. Da força que encarnava a poderosa mandigueira sábia e rameira e ao malandro safo e sagaz, malemolente e audaz. Personificava também a velha curandeira, paciente e complacente, além da nativa da floresta, que era austera, feiticeira e dócil. Incorporava também a persona de duas menininhas, mas em suas essências ele intuia serem elas, uma única criança. Ela era, também, o grande guerreiro que vencia toda e qualquer demanda. O altivo cavaleiro dos coléricos sentimentos que o tornaram Rei. O tenaz e impetuoso domador de dragões. E finalmente encarnava a Ela. A grande Mãe! A jovem fértil, de incomparável beleza e de encantos que transbordam, como as águas que escorrem, sobre as pedras de seu maior amor. Ela seduzia e acalentava. Ela ensinava ao aprender. Ela que compartilhava seus segredos porque almejava permanecer. Ela que amamentava, gerava e que sempre venceu o inimigo com todo seu ardil. Ela oscilava entre a tormenta e a calmaria. A deusa que embalou sua vida no ritmo de sua magia, de sua força e de seu delírio sincero. Fertilizar era seu verbo e da beleza ela bebia. Ela sabia que a trasnformação era o seu guia. Ela lhe ensinou que a vida merecia e demandava ser celebrada. Era Ela quem encantava qualquer um e que desfazia qualquer agrura. Todas estas forças clamavam a sua chegada. E eis O encontro. Seus pedaços eram conclamados por Ela, que os recebeu e os observou. Cada persona se encarregou de trazer notícias de cada peça. Algumas logo foram identificadas. Outras permaneceram misteriosas por mais tempo. Mas Ela cavou suas implicações. Ela revelou a ele a mais profunda verdade e esta estava dentro de cada um de seus fragmentos, já colados ao longo do Tempo. Todos reunidos através Dela. E então ele recebeu sua dádiva- a libertação. Assim sendo, Ela se afastou e retornou lentamente ao seu reino. Entretanto, deixou ao seu encargo a missão de observar outros fragmentos a fim de que pudessem ser juntados, assim como Ela o instruiu. Deste modo, feiticeira e aprendiz, mãe e filho, longe ou perto, seguiriam conectados. Ela deixou alguns fragmentos sem resposta. Mas não se importou. Seguiu seu rumo com a certeza de que fizera seu papel. A busca é a lição. E esta não tem fim. E ele entrou pela mata adentro como um caçador à beira de seu caminho e partiu para desbravar seu reino. Okê! Ele nos saudou.

nenhum S.O.C.




Eu conversava com a minha irmã sobre a importância da gente se curtir e coisas afins.E assim, ao desenvolver o assunto, me dei conta de que eu ela tínhamos S.O.C. É sabido que 90% da população é afetada por esta síndrome, mas há técnicas simples e absolutamente viáveis de burlar o efeito colateral deste mal universal. Eu, por exemplo, me observando no espelho, percebi que arregalando meus dois olhos por um ou dois segundos, antes da foto ser sacada, poderia atenuar suficientemente o sintoma primordial. Francamente, eu acabei desenvolvendo um T.O.C. Todos percebem que eu dou aquela pirada antes de qualquer câmera ser clicada. Mas o que eu posso fazer? Não posso ser levado à eternidade com aquela evidência de S.O.C. Imagina uma foto minha servindo para ilustrar teses acerca do mal que não fenece... Ou não. Porque vai que Darwin volta à vanguarda e descobrem que meus genes, nossos genes(90% da população) se refinaram através da prática de abrir bem os olhos antes de qualquer foto ser feita? Vai que o S.O.C é erradicado? Vai que o S.O.C vira uma coisa de neandertais? Jamais poderia servir à uma geração digna de pena. E é pensando em tudo isso que sigo no T.O.C... E o S.O.C? Ja-mais! A-PA-VO-RA-DA.

quinta-feira, 15 de julho de 2010

para Leila (Lopes).





meu pensamento trombou com o seu na avenida. Eu sabia que era você. Sabia, pois aquele pensamento só com você eu podia dividir. Só você, entre todos, poderia pensar aquilo. Eu senti calafrios e a cabeça tremer. Senti você dentro de mim. Meus nervos em ebulição... Ao dobrar a esquina te vi e havia algumas passadas entre nós. Corri e parei. Fitei suas costas e chorei aliviada por te resistido. Pisquei relutante em deixar a lágrima cair. Contraí meu corpo e segui em passos lentos até te perder de vista. Foi nesta hora que meu telefone tocou. Estava segura de que era você. Não retirei o aparelho do bolso. Deixei tocar e você insistiu. E foi nesta hora que eu me despedi. Fui embora de sua vida, para sempre poder fazer parte dela. A indiferença foi minha arma e meu escudo. Minha jogada certeira. Cheguei à casa e dormi. Necessitava descansar após a tormenta que fora nosso pesadelo. E assim o fiz. Desfrutei do sono dos justos. Ao me levantar acendi minha vela e orei rogando a paz que encontrei em mim. E neste dia um sábio chegou à cidade.

-Ah, Fernanda! Meu cu, porra! Te peço para escrever uma parada e você me vem com essa babaquice de história chata!

-Bernardo, eu fiz o melhor que eu pude. Eu escrevi o que senti que devia dizer. Você que não entende esta metáfora, seu grosso! Foi para você que escrevi essa merda! Eu tou de saco cheio de você, seu babaca!!! (gritando histérica).

As mãos dele percorrem a mesa buscando o isqueiro lilás. Ele acende seu cigarro. A fumaça torna-se uma imensa nuvem.

Flasback

Fernanda (mulher de 30 anos, branca, magra, cabelos lisos e escuros até os ombros, com um vestido preto até os joelhos e bem maquiada) abre bruscamente a porta de uma sala de reuniões com dezesseis executivos de terno. Estes ignoram a sua presença. Eis que um deles lhe chama:

- Mocinha, traz um café por favor? Ah, e o adoçante?!

-Café é o caralho, seu velho escroto! Bernardo, seu filho da puta, você comeu a ascensorista?!

Todos à mesa arregalam os olhos e se calam. Bernardo levanta jogando sua cadeira para trás e dá uma tapa na cara de Fernanda.

-Seu viado! Eu vou fuder você!

Fernanda sai furiosa da sala. Seus sapatos altos e pretos, com solado vermelho, percorrem rapidamente um corredor. Os sapatos de Bernardo se aproximam dos de Fernanda. Ouve-se um ruído de um grito abafado. Bernardo tapa a boca de Fernanda e sarra seu corpo no dela. Ela começa a sorrir e seu corpo se vira contra o dele. Se beijam voluptuosamente.

-Sua safada. Você gostou, né? Quer mais uns tapinhas nessa cara?

(...)

roteiro pornô. Filme: "Lua em escorpião".

quarta-feira, 14 de julho de 2010

a Era Blade.






,(por que não posso começar com vírgula também?) cada dia mais eu penso que Blade Runner é um tremendo vatícinio da sétima arte. Ganhei um smartphone. Achei bacana! Posso checar meus emails, conversar com os amigos em tempo real, tirar fotos, fazer vídeos, ver um clip no youtube, escutar músicas, baixar programas e outras tantas coisas. Contudo eu, às vezes, até consigo me esquecer dele. Não poderia dizer que sou um neo-rústico, isto é, um indíviduo avesso ao avanço tecnólogico. Não sou desta tribo. No entanto me preocupa observar que em um círculo de cinco meninas (estivemos juntos ontem), três delas, se projetaram para matrix, flanando através das ondas de seus blackberries. E é portanto que divago sobre a precisão ao qual as máquinas, de maneira cada vez mais íntima, fazem parte de nós, seres humanos. Se Deus é perfeito e sendo nós à Sua semelhança, o que dirá dos replicantes do futuro breve, que serão nossos semelhantes? Somos um paradoxo impressionante e brutal. O que nos reserva o amanhã se somos, para nós mesmos, o maior dos mistérios? É válido ressaltar que a modernidade ainda fala em inglês. Creio, porém, que em breve não haverá mais a necessidade de se falar outras línguas, uma vez que tradutores instantâneos expressarão seus desejos, em qualquer idioma, através de alguma nova buginganga. Mas eu me perdi e assim meu pensamento escorreu e desceu pelo ralo.

terça-feira, 13 de julho de 2010

o ermitão.







ao se aproximar de seus 33 anos completos de vida, ele se pôs a refletir acerca de um lugar imaginário, que ocupava, neste mundo de Cristos ateus. A evidência de uma profusão de novos valores socias, que reverenciam, como em uma ode apocalíptica, uma época sem razão e desqualificada, o levaram à sua cruz. E sendo assim, ele criou seu apócrifo profano e sem função. Pois viver sempre foi sua religião. A fé não era morta. Torta, apenas, teria sido a sua visão, que expurgara de si os factos que lhe desegradavam em seu penar diário. Ao seu redor, ele ouvia risos de histeria, risos cínicos e amorais. Risadas, quase sempre, superficiais. Porém ainda existiam sorrisos que lhe apontavam a esperança, através da encantadora espontaneidade. Quando identificava estes sonidos que reverberavam a alegria, ele se entregava aos seus sentidos. Estes lhe diziam que haveria refúgio e exílio. E estes também contavam que era preciso caminhar como um pária, porém orgulhoso, por ser quem se é, e não pertencendo a nada que desprezava, em seu retórico silêncio. Logo, ocultava a face que demonstrava seu desassossego e buscava uma saída estratégica para sobreviver. Em sua caverna decorada, com as cores da aurora, desfrutava da imensidão de si que se expadia, em êxito, pelo encontro consigo. Os honestos têm algum lugar. E é ali, naquele espaço, que ele almejava se aninhar. Desejando ver a vida passar pelas ventanas... Exasperando suas cores, seus ventos e seus ruídos. Ciente, no entanto, de que viveria em um universo paralelo. Envolto nesta particular e profícua atmosfera ele calou-se e observou que sua antiguidade é eremita. Com isso constatou que o reconhecer era seu grande tesouro. E admitiu ser ele um pirata. Admitiu ser ele um aprendiz de feiticeiro. E percebeu-se ninguém, simplesmente, por ser alguém.

sexta-feira, 9 de julho de 2010

rolinha.




(...)quando criança, com uns 6 anos, eu tinha adoração por rolinhas(sem trocadilhos. Até porque hoje em dia só rolão.ui.). Um dia estava a brincar no play do prédio em que morava, quando de repente uma rolinha se chocou, violentamente, contra a parede. No mesmo instante o pobre passarinho tombou fortemente no chão e eu corri com a intenção de salvá-lo. Em minhas mãos ela tremia muito! Pensei que fosse frio e logo providenciei algo para cobri-la. Não funcionou e depois de alguns minutos de agústia ela voou para o além. Eis que me veio à cabeça:- "Será que morreu de calor?".

quarta-feira, 7 de julho de 2010

o velho Inca.





conheci um velho de origem Inca. Ele é bem velho. Tem ar de pajé. Pele bastante enrugada, olhar cansado porém esperto.Sempre pleno em esmero, ele costuma enaltecer a sua vivacidade. Ele também sente orgulho de seu caos, e por através dele ter vivido. Caótico é a palavra que melhor o define, de acordo com o breve contacto que tivemos. Além disso, ele é arrogante, tempestuoso e também irônico, sagaz, experiente e gentil. Este velho corrobora a tese de que o idoso torna-se criança outra vez e talvez por isso muitos sejam tão autênticos. Sob a aura de um índio ancião ele me ensinou que a velhice é sábia e que o corpo expressa a majestade do Tempo e valida o seu poder. "Já o velho assim não o é, necessariamente", ele me disse. Todavia é preciso observar o caquético e aprender com ele. Atentar a ele com expressivo silêncio e absorver seus ensinamentos. Pois o Hoje é, dos deuses, o mais presente e é este quem nos atende para o amanhã impensado. Ao contraditório e autêntico velho, que conheci, eu o agradeço por ter realizado um feito pelo qual desejo viver: me permitir escrever e criar. E isto não foi o Inca quem me ensinou.

não me veio nenhum à cabeça. (a respeito do título)





Complicado falar sobre isso. Não por quê seja politicamente incorreto. Não. Este não é o ponto. Devo admitir também minha burrice mediante a constatação de minhas tremendas limitações. Somos dois burros. Eu e meu aluno. Eu eu vou contar o porquê. Se, em tese, uma criança é um indivíduo em formação e que aprende através de uma gama de assuntos curriculares eu sou mesmo um tremendo burro. Sou mesmo. Sou, porque me falta paciência para tratar desta mazela que é a ignorância absoluta cuja a chaga arde. Porém, reconheço naturalmente, ignoro variados assuntos e outras nuances dos conhecimentos de toda ordem. Pronto. Fiz um mea culpa e agora posso falar mal, mais a vontade, sobre este aluno em particular. Devo confessar a vontade incontrolável que sinto de insultá-lo. Isto é, de chamá-lo de burro, anta e animais desta ordem. Todavia, com a boa alma que tenho, me atenho a explodir internamente e através deste singelo texto almejo apenas desabafar. Aos 12 anos e sem nenhuma doença diagnosticada, este pré-adolescente desengonçado e esquisito como a maior parte deles é, tem o comportamento do perfeito nefelibata. Não sabe qual função a escola exerce em sua vida. Não entende o porquê de estudar tudo aquilo. Se distrai com a própria respiração. Seus movimentos repentinos o entretem de maneira invejável. Mas a verdade é que perdi completamente a vontade de escrever sobre isto... (2 dias depois) Hoje fui eu lá novamente ao seu encontro, para mais uma aula. Minha memória é realmente capacitada e pude observar que tal como ele é, fui eu com seus mesmos 12 anos. No entanto, reitero, esta percepção, não elimina meu desejo de realizar uma catarse escrita e dizer que por vezes não me controlo e acabo demonstrando minha tremenda irritação. Exemplificarei da seguinte forma: eu acabo de explicar o óbvio e ele faz perceber bem sobre o quê eu falo. Ao ser indagado sobre aquilo que afirmou ter compreendido, sou olhado por ele com sua expressão beócia e ouço: "-Não sei!" E assim ele sorri, mostrando seu aparelho fixo, e alarga ainda mais a circunferência de seu rosto, já o bastante arredondada. Observo como seus cachos cortados, àquela maneira, fazem lembrar um repolho. Em alguns momentos, como o citado, reviro os olhos com a mais sincera indignação. Bufo como uma besta enfurecida. Passo as mãos pelos meus cabelos me sufocando para não arrancá-los de meu couro cabeludo. Após o pequeno surto me deparo com seu olhar doce e ingênuo e sou tomado, imediatamente, por uma ternura que salva minh´alma do purgatório. E assim sigo, espirituoso, em minha condição educadora e torno-me divertido aos seus olhos tão gentis. Inventando as ideias mais loucas e que finalmente prendem sua atenção. Com isso, faço troça da minha própria limitação e me orgulho por receber sua espontânea gratidão, pelos seus melhores resultados. Este é meu irmão. E assim cresce nossa relação.

sexta-feira, 18 de junho de 2010

deu zebra.




copa do mundo. Mais uma. Aquela histeria insalubre. E agora essas vuvuzelas. Todos os amigos se falando e querendo ver o jogo juntos, para se entorpecerem em meio ao bem vindo feriado forçoso e desculpado! Afinal, o dia do jogo do Brasil é o dia oficial do ufanista brasileiro! Exaltamos nossa pátria a cada quatro anos, com precisão e afinco... Bom, a mais simples verdade é que não tive sequer vontade de assistir ao jogo e fiquei em casa batendo um outro bolão. Fui conduzido pelo volante para meu campo de futebol privado, e em meio a muitas boladas, fui atacante, zagueiro, meio de campo e lateral... Esta, sem dúvida, a melhor posição. E depois de uma espetacular goleada de ambos os times a partida terminou em empate. E nada poderia ter sido melhor. Após este certeiro incidente, ainda escutei de terceiros que eu era um chato. Um chato por ter jogado minha partida de futebol particular, embalado pela voz dos narradores do sport tv, sem dar ouvidos a nada. Apenas a minha partida, futebolística e simbiótica, era o que importava. Então veio o intervalo e eu não pestanejei! Saí às ruas em busca de sorvete. Chato mesmo foi não tê-lo conseguido comprar, pois não havia viv´alma transitando pelo vilarejo de São Sebastião. Vaguei, como uma espécie de zumbi, pelas ruas, desfrutando da mais santa traquilidade. A paz nesta cidade é quase subversiva. Foram uns quinze minutos bastante significativos. A Copa ganhou outra conotação, sob este olhar de quem zanzou pelo Humaitá, feliz por não ter visto ninguém. Sentido, este, muito mais nobre. Assim posso dizer, com orgulho e vestido de verde e amarelo, que também amo este evento. Repetirei esta façanha nos próximos jogos. Muito bom descobrir o valor do atípico e convertê-lo em uma diversão única e particular. AH! É preciso ser justo. Aos que gostam, como eu (voz), há equipes que vestem aquela indumentária fetichista, sob a alcunha de uniformes, de maneira verdadeiramente convidativa ao esporte!

Obs- Não é a toa que na copa africana tá dando um bando de zebras! Zebra suíça, mexicana, eslovena, grega e sérvia. Um viva às savanas!

quinta-feira, 17 de junho de 2010

debaixo d´água




"a boa Terra". Acabei de ler isto na página de uma amiga e me dispus a pensar sobre o assunto. Sobre esta bondade Terrosa, Terrena, sei lá... Sobre a benevolência. Porém me cansei de pensar sobre este assunto no mesmo segundo em que parei para me espreguiçar. Sinto um sono tamanho. O sono me come e eu levanto rijo. Desperto para os afazeres corriqueiros e há tanto para ser feito. Um evento me desloca de minha rotina e isto, para mim, implica num certo estresse, na falta de palavra melhor. Na ausência de um cotidiano mais aprazível eu corro para o adorável mundo das palavras soltas, que transpõem, com a devida limitação, as flutuantes emoções concernentes ao ser. Ser algo. Ser algo que não se é ao olhar do outro. Buscar estar. Estar e ser, verbos que se confluem como as águas... E como vem à cabeça água... Quanta água! Doce, salgada, sempre água. Tenho sede e não há água no bebedouro. E há água a minha frente. Posso vê-la. E até poderia senti-la, mas não bebê-la. Devaneio sobre a sensação que já gozei inúmeras vezes em minha vida, de voar sob a água, aquela massa densa, que se difere do ar por uma pequena diferença de valor químico, considerando a minha honrada ignorância sobre o tema. Divago sobre esta emoção sem rumo algum. Apenas pelo desejo de dizer algo. Somente pela necessidade, rara e instintiva, de refletir sobre as águas. Não vou a lugar nenhum, reitero. E não vou, pois fui incumbido de uma missão fantástica (com e sem ironia). Tenho prazo de entrega para criar uma história, uma aventura, cheia de emoções que despertem o saber, abordado e desenvolvido, acerca de um tema específico e blá, blá, blá. Isto é, preciso adequar um projeto educacional a uma fábula. E para aonde eu vou? Para o fundo d´água me refugiar. Porque sob a paralela atmosfera, densa e molhada, que me permite voar eu me sinto em mim. Ali, n´água, me encontro em mim e me disperso. Decolo num voo contínuo e alcanço longitudes, que me fazem sentir o vazio inexplicável e silencioso. Logo, exaspero o ar que preciso inspirar, a procura de vida, e eis que a encontro, num único e sensato disparo rumo à superfície. As belezas do plano em que respiro me deixam sedado, em um êxtase contínuo que (eu) gostaria jamais ter fim. Entretanto, ouço vozes femininas que clamam minha presença e que rompem meu encanto, me lembrando que o canto de uma sereia pode ser uma armadilha atroz. Intuitivamente mergulho mais uma vez e percebo assim, que a distância é a mais profícua maneira de ser invisível e é chagada a minha vez de cantar. E tão logo eu canto, me assombra o encanto de ser quem sou.