terça-feira, 19 de outubro de 2010

a velha.






vâmo lá falá ca velha? Vâmo lá! Vâmo lá!
Falá o que com a velha? Sei lá! Cara, a velha é mór múmia! Vâmo lá falá ca velha!
Parece mór múmia mermo. Comé que deve sê falá com a múmia? Deve ser tipo falá com Deus. Ele que é velho assim, que nem múmia.

A velha se pôs sentada no banquinho da praça diante da igreja. Sacou sua caixa de cigarro de dentro do bolso. Logo em seguida, de dentro da sua jaqueta, tirou um isqueiro enorme e laranja e acendeu seu tabaquinho sagrado. Agradecia por poder fumar mais um dia, viva, ainda que na iminência da mumificação, e apesar da corcova que surgiu com o passar dos séculos, contemplara a casa de seu filho Jesus. Maria já não era mais virgem em lembrança, mas em matéria e corpo de Cristo já o era novamente. A velhice regenerara o hímem. Ela permanecera agradecendo poder estar ali, naquela pracinha outra vez, fumando mais um maço. Ela acendeu um atrás do outro. Até o chegar da lua nova, exatalda pelo límpido firmamento. Ao fim de seu último cigarro ela se levantou vagarosamente. Os dois meninos tornaram-se duas estatuetas de bronze no jardim da pracinha. Ela os fitou e lhes ensinou, de prontidão, o que eram as múmias. Era possível sentir o temor em seus olhares estáticos. E isto lhes tornara muito curiosos. Todos os transeuntes os observavam. No entanto jamais identificavam o porquê da peculiaridade daqueles olhares sentidos. A senilidade a fizera pensar não ser Maria e sim Verônica, a quem julgava mais divertida. Caminhou com a calma de quem podia esperar a eternidade e fora buscar outro maço para aguardar, em paz, a aurora. Até que há o milagre. As estátuas passam a lacrimejar. Era coisa de Maria, a velha porteña que preferira ser Verônica. Mas a Verônica era bem mais divertida.

Um comentário:

  1. Caminhou com calma de quem podia esperar a eternidade... é de muita beleza!!!

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