terça-feira, 20 de setembro de 2011

voo a lugar algum.



Cara Eva, mais uma vez distantes pelo tempo que venta afazeres e dúvidas. Tanta coisa é muito pouco. Muito pouco é tanta coisa. As eternas questões existenciais que contaminam minha atmosfera me levam ao mergulho profundo na imensidão impalpável do meu universo. Hoje ele é apenas um espaço vazio. Não sei se claro ou se escuro. Um espaço vazio. A ausência de gravidade faz o meu corpo flutuar estático. Enxergo dentro de mim e posso ver o infinito e o caos. Lá dentro se confunde com o aqui fora. Penso ser tudo parte de um mesmo todo. Somos um. Tudo e todos. É esse espaço vasto que cospe a vida. Esse espaço é oco e preenchido de ilusão. De ilusão é composta a vida. A ilusão é a arte manifestada. Você já escutou o silêncio? Desde muito nova aprecio escutá-lo sob as águas. Recordo-me da primeira vez que percebi ser possível escutar o silêncio. Foi mágico. Sob a densidão da água ouvi o som universal. O silêncio é cálido. É curioso. Instigante. Gosto dele. Embora só, ele é uno quando dois. Ele só existe se alguém o ouve. O silêncio é o encontro.

Gosto de estar sozinha. É quando fica mais fácil ser. Talvez por isso o mantra maior tenha o som do silêncio universal. Talvez por isso os orientais busquem no silêncio a base. O respirar profundo também é canal para a escuta do silêncio. O perceber do respirar é o reconhecer do ser em vida. A meditação conduz ao silêncio. O silêncio cala a crise. O silêncio cala a dúvida. O silêncio é o encontro com as poucas respostas que podemos ter. O silêncio é um luxo.

Evandra, não consigo dizer nada. Por isso tanta referência ao silêncio. Realmente ele tem me servido como conforto. Ando conflituosa. É foda ter consciência. É foda ter que lidar com minhas mesquinharias. Mauro viajou. Fiquei sozinha. Fiquei com raiva por não ter ido. Não pude. Não deu. Faltou. Mas ele foi. Foi se divertir. Desabei ao chegar a casa ontem à noite. Dramática. Chorei de saudade. Foi um ensaio. Depois da catarse a mesquinharia. Ele se diverte e cá estou tolhida.

No entanto, bastou uma noite apenas para que entendesse que quinze dias não são nada. Já entendi que quando a ausência do Mauro se tornar aprazível haverá seu retorno e então meus pequenos infernos explodirão em chamas outra vez. É assim a vida. Uns dias felizes e outros não. É duro ter que lidar com desejos frustrados. É tão difícil resignar-me diante dos meus desejos frustrados. É fácil, porém, admitir minha mesquinharia. Talvez seja a melhor maneira de lidar com meus nãos. Portanto é melhor mesmo recolher-me e manter-me muda. Às vezes simplesmente não há o que possa ser feito. Tudo o que nos resta é enfrentar nossos demônios olhando-os nos olhos e dizendo: é difícil ter que te vencer, mas é minha única saída. Há horas que eu queria mesmo era soltá-los e deixa-los conduzir os rumos. Mas preciso admitir que seria muita burrice. Os demônios têm inteligência muito objetiva. Eles sempre pensam de forma atemporal. Não assimilam futuro. Para eles é sempre o agora. Embora, carregue os meus capetas, preciso ter razão. Preciso lembrar-me sempre que para mim há futuro. Pois que o tempo para nós corre em linha reta ao encontro de um destino certo e impreciso. Ao ultrapassar esse limite que me arranca o corpo e me transcende em alma pura - alguma outra forma de vida - não posso ignorar o amanhã. O tempo é mesmo Senhor. Ele é tão misteriosamente irritante. Sou tão inconformada, Eva. Para quê, né? Para quê tudo isso?

- deve ser para você escrever.

Se ainda servisse para alguma coisa essa escrita. Há de servir. Serve-me. É verdade. Aqui dialogo com eles - meus demônios. Demônios são assim. Não são bons, não são maus. São nossos. Somos os responsáveis por eles. Demônios são bestas. Somos nós quem os educamos. Odeio isso. Odeio essa responsabilidade. Mas é o que me resta. Odeio minhas crenças que me levam a acreditar no desenvolvimento do espírito.

Porém amo a liberdade que me permite voar. Eu voo. Longe. Sei lá para onde.

Diana.

terça-feira, 13 de setembro de 2011

all the single ladies.



Mais um dia de desassossego. Mais um dia buscando com todo meu afinco os pequenos prazeres que me fazem insistir. Como é bom atravessar aqueles corredores de frutas, verduras e legumes e sentir aquele aroma de boa vida no ar. Não tarda muito para eu correr atrás de um coletivo até chegar cá. É cá que penso na brevidade da vida. Aqui me deparo com as portas entre abertas sem poder dar algum passo adentro em nenhuma delas. Ao longo de quinze dias me depararei com atípica solidão. Não faço a mais vaga ideia do que esse tempo de reserva me dirá. Tenho apreço pelo dizer do tempo que sempre me recorda a necessidade de se esperar. Não sei o quê. Quanto mais aguardo, mais ele parece correr. Não há sinergia entre o anseio, o desejo e o tempo. Penso e logo morre um burro. Da maneira com a qual venho a pensar sobre o penar creio, pois sim, nascerem muitos burros. Sou burra nascida e criada. Metáfora de quinta.

- De quinta não, minha filha. De segunda. Quinta é chic. Quinta é babado. Quinta é mara! Quinta é bapho! Quinta é véspera de sexta. Quinta é o dia perfeito para sair. Só quem pode e quem tem sai quinta à noite, meu amorrr!

- Ah tá. Desculpe. Havia pensado alto.

- Ih, bee! Se joga! Pensa alto, desembucha!

Odeio esse vocabulário. Acho tão excessivo. Pensava baixinho, a inconformada Lisboa enquanto sorria simpática para o amigo, ou amiga (nesse caso é impreciso) do escritório.

Enquanto vejo ao meu redor todo o meu círculo social se desmontar devido a viagens interessantes para destinos tão atraentes me percebo tolhida e sendo assim... oprimida, deprimida e vazia. Ai, ai...

- Bamos almoçar, cariños?

Aquele sotaque parecia o soprar de um anjo a trazer boas novas a introspectiva Lisboa.

- É un conbite! Bamos para Santa Tereça ya!

A atmosfera ganhou um novo e acolhedor filtro de luz, algo que remetia Lisboa à imagem de uma foto antiga e fascinante, algo que a fez revisitar seu misterioso passado ancestral. Imagem onírica e apaziguante. Subir aquelas ladeiras a gozar de tão doces companhias lhe parecia um convite do olimpo para a pequena felicidade. Santa Teresa que tanto diz a jovem Lisboa sobre suas origens parecia o lugar perfeito para tão bem vindo escapismo vespertino. Caipirinha. Dois ou três brindes à amizade! Palavras soltas e felizes escapavam em voo lento e suave através da brisa morna e primaveril. Outra caipirinha. Finalmente os sinos tocam dentro da melancólica Lisboa e ela sorri satisfeita ao abraçar novamente a pequena e sempre enorme Alegria! Um som que ela tanto curte lhe surge em mente. Instantaneamente ela se projeta à boa e velha Bahia. Lisboa desliza nua sobre a areia molhada daquele litoral inebriante.

- Ó febril caipirinha mística que para cá me transportou! Sou tão grata a ti!

Lisboa desfrutou do prazer de ser índia em um Rio dourado de sol! Lisboa refeita após um terremoto. Lisboa baiana, Lisboa em paz. A marola lambeu seus pés e subiu por seu corpo a fim de lhe provar o tempero daquela nudez imaculada. Era a primeira vez que Lisboa se deixava transportar acordada para a liberdade que só é capaz ao sonhar.

- Xentchy! Lisboa, aonde você estába?

Ah, a viajar um bocadinho para aquele lugar.

- Chegou o bobô! Bamos! Sirva-se!

Lisboa retornou ao tempo de todos levando consigo aquele cheiro de mar. Ao deixar a bucólica Santa guardou consigo seu sonho.

- iiiiiiiiii... tá chapada, Lisboa?

- não, Olívio. Apenas contente.

- iiiiiiiiiiiii viu algum bofe?

Lisboa foi escovar seu alvos dentes e fitou-se no espelho. Observou-se. Não se achou feia, tampouco bonita. Respirou fundo. Não encontrou o que dizer. Voltou a sala. Sentou-se diante do computador. Olhou o teclado inerte. Passou seus dedos sobre algumas letras buscando dizer algo. Escreveu:

Em silêncio é mais gostoso.

...

Os ruídos lá fora sempre escassos parecem explodir. Um caminhão promocional para em frente ao prédio e sua caixa de som explode: “all the single ladies! all the single ladies”.

- iiiiii, racha! A-TÓ-RON a BEYONÇA, LISBO-ÁÁÁ! Ui! Loucura! Mexe esse cu, portuga!

Apavorada ela sorri sem mostrar os dentes, notavelmente constrangida, para Olívio (ou Olívia. Já não sei).

Lisboa permanece em silêncio e escreve:

So-cor-ro.

terça-feira, 6 de setembro de 2011

sem mais.



Véspera de feriado. Um alívio momentâneo. O romper de um tempo entediante que se repete e se repete e se repete e que se confunde ao me confundir. Sei ser em vão refletir sobre esse assunto. Esse caminho não leva a nada. Nada adianta. Que fase. Nada parece ter solução. Resta-me aceitar as limitações saturninas impostas pela vida e me entregar ao prazer – frustrado - dos mais delirantes sonhos netunianos. Outro dia fui obrigada a escutar de uma senhora a seguinte frase:

- ah, você não conseguiu isso (algo que queria muito e que cheguei a sentir o gostinho, quando de repente tudo foi para os ares)? Pôxa, ao menos você sonhou... E isso foi dito com um sorriso bem fofo (e que me pareceu puro cinismo).

Preciso dizer o que tive vontade de dizer a ela? Ai,ai... Acho que não, né? De que adianta um sonho quando irrealizável?

Minha rebeldia uraniana corre em círculos sem qualquer aspecto que a faça valer. Ela existe e pulsa em fúria buscando expansão. Contudo, percebe-se tolhida. Completamente contida ela pensa em explodir. Se presa ela é sem razão. Pobre da rebeldia que pulsa para não ser nada. A inutilidade absoluta da ideia controversa. O contentar-se com a liberdade de um pensamento que pensa voar e que jamais se expande. A foda mal dada que tornou-se a vida quando não se é quem se sonhou.

- Que triste.

Foi o que escutei ao ler o texto acima para a Paola Bittencourt.

Eva, amiga querida. Como é comum, tu nada dirás a respeito disso. Pouco te importa meu drama pessoal. Pouco importa a minha vida para ti e para o mundo. Não sou nada. Sequer uma ninguém. Se sou sem ser o aquilo que sinto, para que, ora bolas, cá estou? Para isso. Para afogar minha angústia nessa poça de letrinhas que se faz do meu pequeno pesar.
E assim segue a vida. Uns satisfeitos e outros não.
Não se preocupe (sei que sequer preciso pedir), amanhã será como ontem e como o dia depois e tudo seguirá tal qual como agora. Sem mais.

Diana.