quinta-feira, 25 de novembro de 2010

diana.




fui tocada pelas mão de um Orion inusitado e senti-me encantada pela força da beleza. Saí rumo a casa e escolhi o caminho celestial, em torno do espelho d´água em que se reflete o nobre e intocável olimpo. Cercada pelo relevo, encoberto pelas matas, eu andei através do sopro morno que anuncia o prenúncio de uma nova estação. Sublimei o caos e as incertezas. Envolvida pela aura mítica da mais sincera transcendência. Transgredi o corpo e fui para o além das maravilhas sentidas. Deparei-me com semi deuses que corriam lentamente, desfilando a juventude viril de corpos olímpicos, em trajes febris. Dourada pela emanação celeste, segui à luz da vibração sutil e transgressora que, pouco a pouco, me levaria de volta a terra dos mortais. Em meu retorno, permaneci sintonizada a tamanha e tão suave força. Eu vi Diana. De pele castanha e olhos absolutamente azuis. Em uma linha de espera, fui refeita daquela mística aventura espontânea. Observei seus doces lábios que exaltavam o branco límpido de seu sorriso cálido. Seus longos pelos trigo encostavam em seus seios fartos e indizíveis. Senti desejo. Senti intensa admiração. Senti amor por aquela que representava a mim. Diana plácida. Essa eu sou. Ela eu fui pelos minutos infindáveis, dos quais gozei em meu encanto, fora do tempo. Mergulhei no ar sagrado. Eu sou a vida. Eu sou deusa voraz e tênue. Suave como o sublime. Sutil como a revelação. Vibrante como as cores do universo vedado aos olhos nus. Embevecida pela água gélida de um verde coco, retornei a morada, segura, de ser aqui o meu lugar.

terça-feira, 23 de novembro de 2010

seco.





ouvi dizer algumas vezes que vivemos em uma mar de incertezas. Ouvi dizer que somos menos que grãos de areias no universo desconhecido. Ouvi dizer uma série de outras ideias sobre nós. Mas eu não me sinto grão de areia. Me sinto embarcado em algum veleiro perdido e sem bússola. Estou nele. Eu sou esse barquinho que procura o aconchego em algum recanto aonde eu possa me alimentar, descansar e quem sabe encontrar um norte. Ou um sul, ou um oeste e vale também um leste. O necessário é haver sentido para seguir. Não veio a tempestade. Só o calor. Só a sede de ser um. Mas fui eu quem nunca gostou de normas e direções. Fui eu quem creditou ao espaço algum lugar. Mas é tudo tão enorme. E eu tão pequeno. Me sinto encolhendo. Cada dia mais. Não vejo sequer estrelas. Nem a maior. O cinza cobriu tudo. Encontrei uma praia. Uma onda enorme me levou até a areia. Brinquei um pouco de fugir do balançado do mar e vi duas pedras. Uma em cada ponta da pequenina faixa de areia. Um homem trabalhava em uma caverna iluminada por um lampião. Uma mãe e seu bebê degustavam a alegria quando outra grande onda se fez. Elas correram e eu me mantive parado, observando todo o cenário. O homem que trabalhava abaixou seus óculos de grau e me olhou. Sentou-se novamente a mesinha e voltou a escrever. O mar secou. Fez-se um vasto deserto. E eu ali, tal qual um beduíno que busca água e sonha se deparar com um oásis. Do contrário, seria apenas um grão de areia. Contudo a inolvidável verdade: de areia também se faz tempestade. E o que desejo é soprar alto para poder voar e encontrar a água que me dá forma. A água que me transforma em areia molhada.

domingo, 21 de novembro de 2010

curuzu.






, falavam sobre a apresentação de Lauryn Hill e Ziggy Marley cantando Redemption Song.

É linda essa música. É deslumbrande a paixão dessa cantora por cada palavra que entoa. As emoções fluidas d´alma pura e singela que combatem a suspicácia dos degredados do Paraíso de Santo Curuzu. Apenas nós sobreviventes, devotos do homem que Ele cria conhecer, podemos espalhar ao mundo a luz de ser aquilo que expurgamos em nossas fumaças cósmicas. Irrigue seus olhos de vermelho através do verde encantado da clorofila teagá excitante...

Tragavam e lembravam do mítico Curuzu, lugar cujo todos os deuses habitam. Bahia. 1977.

Aquele que transcende a obviedade do externo, é o único capaz de entender os trangressores de Curuzu. Provém de lá o dendê cósmico, que flamba a raíz da miséria e desperta o renascer das células memoriais. Buzinas ecoam o chamado para a fuga. Carregam-me ao som de notas, que trotam como cavalos marchando rumo a tempestade. E então o ruído de uma máquina decadente me remete ao olhar róseo do trânsito nu, que é feito de noite morna e sã. A luz da lua é a reveladora dos mistérios crônicos, que se fomentam do pensar vestido de abstrato e de dadah. Dadah é fera que renasce pela fúria do profano. Foi ele quem salvou seu manto vespertino, do bueiro mais soturno em que havia se perdido. Canção da Redenção. Vai haver penetração?

quinta-feira, 11 de novembro de 2010

O síndico.






Rua Barata Ribeiro, quase esquina com a Santa Clara. Edifício Galeão. É mesmo uma nau. 25 apartamentos distribuídos em cada um de seus 12 andares. Quitinetes de alto nível, segundo Dorival, síndico e morador há 22 anos. Cabra macho de Recife. Militar reformado. Corpulento, cabelo acaju e 67 anos de praia em Copacabana.

Eu sou o dono desse prédio e não há viado decorador cibernético, que fará disto aqui um bordel!

Mas, seu Dorival, o irmão do baitola é federal. Vai dar problema isso aqui, seu Dorival...

Cale a boca, Zenildo! Eu quero ver quem será o federal a me impedir.

Quer mais dicas de moda, beleza e astrologia? Ah, seu Dorival. O senhor fica ainda mais sexy bravinho desse jeito. Sorria Marcinha, travesti manauara, 1,83m, corpo violento, seios fartos, pele cabocla e longos e loiros cabelos. Dentes muito brancos. Rosto forte e gogó avantajado.

Dorival sua frio e começa a gaguejar, tentando parecer natural. E persiste o discurso contra o novo escritório, que um proprietário pretende abrir ali, no Galeão do eterno síndico. As obras tomam seu percurso. Depois de uma tremenda confusão decorrente da polêmica instaurada por Dorival, o escritório é finalmente inaugurado e jamais causa transtorno ao bem estar dos incontáveis moradores.


Dezembro de 2010. As caixinhas são postas sobre as bancadas das portarias cariocas. É chegado o momento da famosa contribuição anual para os porteiros de toda a cidade.

A porta do elevador se abre. Julia e Nuno, os sócios do escritório de designer gráfico, conversam enquanto abrem suas carteiras. Nuno doa R$250,00. Julia também. Zenildo abre bem os olhos e conta aqueles R$500,00 sem poder acreditar. Olhar vidrado para o relógio. Dinheiro na mão.

Zenildo, que dinheirão é esse, porra? É... É... É que eu juntei esse dinheiro todo, e mal posso acreditar, que eu vou comprar um ventilador, ou até dois, lá para casa. Com esse calor! Eu passei o ano inteiro juntando e a Wanda vai adorar, seu Dorival! Zenildo, não seja mentiroso, Zenildo! Da onde veio esse dinheiro, Zenildo?!

A porta do elevador se abre. Zenildo leva um susto e solta o dinheiro sobre a bancada. Dorival se dirige a ele. Olha para a mesa e vê o dinheiro.

Quem doou essa grana toda, Zenildo?! Ah, foram os garotos do escritório. Cada um deu R$250,00, seu Dorival. Porra, tudo isso?! Esses subversivos, estão de sacanagem, ganhando esta fortuna no meu prédio! Isso deve ser pornografia! Ninguém que trabalha tem esse dinheiro para doar para porteiros! Seu Dorival! Seu Dorival? Eu acho que cê num tá entendeno o que isso quer dizer. Você estava, por um acaso, querendo ficar com este dinheiro só para você, Zenildo? Não, não! Nem pensar, seu Dorival! Eu vou denunciá-los! Seu Dorival, para de falar merda e me ouve!

Dorival gagueja e lembra de Marcinha, a travesti manauara.

Seu Dorival, o senhor num tá mesmo entendeno. Se esses dois aê, que tem escritório deram tudo isso, quanto que a gente não ia ganhar se esse prédio fosse todo de escritório? Ser porteiro no final do ano aqui seria melhor que ganhar na loto! E além disso eles ia conseguir tirar tudo a Marcinha daqui... Vai que eles oferece a ela, uma fortuna para transformar isso aqui só de escritório, hein? Ia ser bom demais, seu Dorival!

Dorival morde a mão e passa alguns segundos pensando. Respira fundo e começa a bater uma mão na outra. Ele sua muito. A gola de sua camisa está molhada. Ele pega um lenço xadrez do bolso e passa na testa.

É Zenildo. Pode ser uma ótima opção. Transformar o meu prédio em um centro empresarial. Os porteiros vão ser felizes e... E se a Marcinha ficar como secretária? O senhor tá querendo que ela fique ou que ela vá, seu Dorival? Eu não tô entendeno. Acho então que não tem problema nenhum d´eu contar para a D. Lu, do senhor e da Marcinha, né?

ZENILDO!!! A D. Lu é uma velha caduca que pode morrer se souber dessa história!

A porta do elevador é aberta por D. Lu, que escuta seu nome.

Posso saber o que os senhores estavam falando sobre mim? Por que o senhor estava gritando, Coronel Dorival?

A portaria é acionada. Julia e Nuno na porta do edifício. Dorival anda rápido até a porta e sorri para os jovens empresários.

Boa tarde aos jovens deste país! Boa tarde!

Julia e Nuno entreolham-se surpresos. Atravessam o pequeno corredor e cumprimentam D. Lu e Zenildo. Entram no elevador.

D. Lu, eu preciso subir, não estou me sentindo muito bem, mas eu falo com a senhora depois e eu estava cobrando do Zenildo que refizesse sua caixa de correspondências!

Ah, sei. O senhor é muito gentil. A Marcinha, aquela moça engraçada do 825 me disse isso, no elevador, outro dia.

Dorival, dentro do elevador, sente náuseas. Ele se recosta na parede do mesmo e ele para no sétimo andar. Alfredo entra e sorri para o síndico.

Está subindo. Não tem problema. Eu subo e desço.

O elevador fecha a porta e sobe. Escuta-se a voz grave e desafinada de Marcinha batendo na porta do elevador.

Solta essa merda! Eu tô com pressa, caralho!

Dorival volta a suar e tem uma falta de ar. Alfredo o acode e a porta se abre.

Uh, lá, lá, Dorival, tá passando mal? Ri copiosamente a travesti. Marcinha passa suas enormes unhas zebradas no queixo do Coronel. Ele chega para trás como quem foge de uma faca pontiaguda.

Tinha que ser você prendendo esta porta, Dorival! Eu não corto não, Dorival! Só furo! Ri escandalosa. Alfredo os observa e segura a vontade de gargalhar. O elevador vai até o nono andar. Ninguém entrou. Ninguém saiu. Marcinha se vira para o espelho e abre a bolsa. Passa seu batom vermelho e se esfrega, discretamente, em Dorival. Ele aperta o quarto andar. O elevador para e ele empurra a porta com força. Tem uma crise asmática. O elevador desce com Alfredo e Marcinha. Alfredo ri.


Marcinha, qual foi com esse velho? Ih, menino, babado! Nem te conto. Pergunta pro Zenildo. Arrasou!

Marcinha segue pelo corredor até a porta do edifício. Alfredo busca suas contas e aproveita para falar com Zenildo.

Mermão, vi aquele velho babaca passar mal com a Marcinha agora! Qual foi, Zenildo? O que rolou com o velho? O cara tem medo da traveca!

Ih, seu Alfredo, é coisa a toa. É coisa da caixinha dos porteiros, uma confusão danada. Seu Dorival tá caduquinho, caduquinho. Alfredo franze as sobrancelhas. Matem-se calado. Enrola suas correspondências e sai do prédio. "Só não vale dançar homem com homem, nem mulher com mulher". Ele cantarolava, acompanhando o rádio.

(...)

sexta-feira, 5 de novembro de 2010

soft eve.





Cara Helena,

já que quase não nos falamos mais resolvi te escrever. Tava rolando um Eric Clapton, sonzinho que você me emprestou há tempos e lembrei de você. Hoje não fiz porra nenhuma nessa casa, sequer a cama. Médico, academia e 2 voltas merecidas na Lagoa. Depois um banho de sol homossexy no deque, segundo você. Volto a casa e espero o marido. Ai, que arraso. Ele chega. E me dando coió porque estava tudo bagunçado. Tudo bem, tudo bem, que estou nessa pindaíba, mas ao menos cuido do corpinho para ter função útil no lar e tampouco isto é apreciado. Sentimento que cai mal, muito mal. Dá umas vontades loucas. Cada dia entendo mais as mulheres. E que merda! Vou acender um cigarro. Volto já.

Laura.

EvE Busmeyer.





Sempre há o que fazer. Sempre. Rodou o aro da sua bicicleta por 14 e redondos quilômetros. Suou o tédio. Sentou-se no deque à beira do glorioso lago e observou a proximidade do verão. Por entre as curvas sinuosas das pedras da cidade, ele canalizou a força da estrela maior e respirou o calor que refresca as ideias. Expremer palavras seria tolice. Já as laranjas valeriam a pena.

Ela fechava os olhos involuntariamente. Pretendia controlar seu sono. Contudo, justo nas horas em que mais precisava doar atenção ao outro, isso lhe acontecia. Mergulhou em seu denso inconsciente e viu Bette Davis. "Ela sempre dependeu da bondade de estranhos". Ocorrera-lhe essa frase. Tomou um susto e disfarçou fazendo parecer que tirava um cisco de seus olhos borrados, pelo rímel mal aplicado. Achava maravilhoso ser mulher e poder chorar deixando os olhos manchados pela maquiagem. All about Eve. What ever happened to Baby Jane? Ela recordava com tensão e fascínio aquela professora universitária e racista, e que fazia urucas escandinavas para destruir as poucas mulheres belas e intelectuais do instituto. Pobre Andrea Zegna. Castigada pela beleza que se esvaiu por causa atribuída, entre os laicos alunos, ao feitiço de Hedda Bertram. Aquela maldita do setor de metodologia, que tentou seduzir Laura, lhe apontando destinos possíveis.

E ele tentava tranquilizar seu ímpetos temerosos do amanhã, respirando luzes coloridas. Respirava o violeta e o prata... Você está chorando? Eu sei que é muito tocante tudo isso, mas eu estava apenas dizendo o que tenho buscado fazer para não sucumbir a este vazio que me assola...

Por que você está falando na terceira pessoa? Incorporou o Pelé? Já não me basta ter tido a Xuxa como ícone da infância?

Não, não... Constrangido e temente a microfísica do poder exercida por Laura, sentada na confortável poltrona do consultório e ainda lhe devendo mais de 4000 reais em sessões, Pedro Luís procurou discorrer sobre as suas infalíveis descobertas acerca das terapias alternativas e recomendou a Laura experimentar.

Querido, não se importe co-mi-go!(voz pausada e tensa) Você está aqui para trazer os problemas e eu para solucioná-los.

Mas... Percebi sua imensa distância a respeito de tudo o que vinha expondo...

Querido, acalme-se, não me irrite e siga adiante. Essa coisa Pelé, terceira pessoa é um ato falho relevante.

Bom, eu estava assistindo Glee, e a voz daquela menina principal é muito chata, além (...)

Laura olhava para seu anel, com contornos de pedras portuguesas cravejados com rubis africanos, herdado de sua avó síria, Marieta. Pensava em o quão humilhante era a ocupação de Chicago no ranking das cidades mais infectadas pela máfia, depois do Rio de Janeiro passar a imperar absoluta, a lista dos lugares mais violentos do mundo. Pensava que talvez fosse preciso um cofre em seu consultório. Mas aonde poderia colocá-lo sem que isso chamasse a atenção de seus pacientes?

(...)e assim tem sido meu dia a dia. Ando sem perspectivas, ambições e muito sonolento. Paradoxalmente a insônia me corrói quando eu mais precisaria descansar. Blá, blá, blá ... ... ... ... ... blá, blá, blá... ... ... (...)



Querido, até a próxima quarta, já são 6hs e mais uma vez insista com seu pai. Ele tem esses 4000 reais que você me deve. É importante ele participar deste processo.

Ah, uma última coisa por hoje: você acha que estou doente?

Tenho outro paciente lá fora. Mas vou dar uma dica. Você quer ter uma doença? Eu não tenho um diagnóstico para o seu caso.(Sorri mórbida)

A porta se abre e Pedro Luís vai ao banheiro lavar suas mãos. Ele queria mesmo era ver o rosto do próximo paciente. Laura Busmeyer o olhou como quem escorraça um cão vadio e ele achou que fosse um olhar carinhoso, ao notar, de soslaio, os olhos de Laura. Percebeu que a outra paciente da respeitosa senhora Busmeyer, aparentava uns 103 anos. Esperou o elevador. Deixando o edifício se pôs a esperar seu companheiro que não lhe comunicou o atraso. Olhou os arredores do prédio e ao econtrá-lo, depois de longos 34 minutos de espera, recebeu seu desprezo. Logo pensou: é melhor respirar uma luz lilás. E uma prata em seguida. Ouvia vozes. Àquele para quem tu deste o teu melhor, caso te traga desgosto, merecerá o teu pior. Sol em Escorpião.

quinta-feira, 4 de novembro de 2010

Fanfando to survive.







Tenho uma amiga casada faz alguns anos. Vive em crise. Normal. Deixa eu contar um pouco dela para vocês entenderem. C. cansada de anos de ralação brutal, cansada dos turbulentos confrontos familiares (mãe filha da puta, pai alcoolátra, irmãos recrutas das FARC), cansada de toda a sorte de vagabundos (homens que nunca deram valor a ela, talvez porque estivesse sempre bêbada... Bêbada de cansaço da vida, gente... O vinho relaxa afinal.), resolveu se aventurar pelo mundo. Como estava dura, o mundo mais próximo era Itacaré. Para lá se dirigiu e, impossibilitada de internar-se num bom spa relaxante, resolveu apelar para o decadente estilo de vida hippie. Que no entanto rende ainda boa diversão em certas alturas da vida repleta de perrengues. Estou sendo bem breve pois C. clama por discrição... Não quer sua vida muito exposta por aí. Exaurida em último grau, por lá se refez. Redescobriu os prazeres de andar nua e banhar-se sob o pôr do sol em águas límpidas e mornas e com o mar vibrante em marolas reconfortantes, que ela acreditava, levavam embora suas mazelas espirutuais. Nada mais pertinente ao pensarmos que C. estava entregue à sombra do olimpo dos Orixás da eternamente mágica, Bahia. Em Itacaré C. refez-se de corpo e alma. Já reenergizada e fortalecida, decidiu reenfrentar seu mundo e voltou para o seu ninho... A cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro. Passaram-se uns meses e C., inusitadamente, num jantar entre amigos, conheceu seu príncipe encantado. Um homem mais velho, quase em idade para ser seu pai. Poderia sê-lo, na verdade... Encantou-se! Ah, o clássico complexo de Electra entrava em ação. Bom, sem muito saco para dar detalhes, C. casou-se com este homem e tiveram um filho. O esposo, nascido em berço esplêndido, ofereceu a ela o que havia de melhor neste mundo dos homens. Apartamento novo e reformado, viagens, jantares, carros e tanques e mais tanques de combustível uma vez que C. amava dirigir e dispensava motorista. Compraram mais um apartamento, o que era imprescindível para C., que amava oferecer festinhas a amigos e afins. É uma festeira nata essa minha amiga! Caprichosa, C. decidiu curtir a vida a valer e com toda a força e gana que tinha, para se divertir como se não houvesse amanhã, como se a vida não tivesse seus limites. E eu sempre ali de pertinho, acompanhei tudo. Uma de suas melhores amigas tinha um casarão em frente a uma praia, que era para C., um refúgio fundamental, sempre que precisava recarregar as baterias. Depois da Bahia, ela "entrou numa onda" de ser filha direta de Yemanjá e assim sendo, um bom mergulho, podia resolver qualquer probleminha. Ao perceber, com toda clareza que o sol pode espelhar, que seu marido havia assumido o papel de seu pai, sem o menor constrangimento, eu simplesmente estimulei minha amiga a demandar com todo o carinho de "filha" presentes e brinquedos novos. Um dia, C. me contou, quase com uma pontinha de depressão, que sua amiga M. havia comprado um laptop desses de última geração da Apple...E C., quase resignada, me disse que no natal (estávamos em junho) pediria um de presente ao "pai". Eu, que não sou nenhuma boba, disse a ela para pedir a-go-ra! Era uma maneira de testá-lo. Não é que ele prontamente atendeu seu pedido e em uma semana C. estava com seu note brilhando sobre a mesa de sua casa! Virei conselheira mór da minha amiga. Ela fez lipo, contratou mais 4 empregadas e fez umas viagens curtas para renovar o guarda-roupa. Estava, tal como ela, cansada daquele carro (que já ia fazer um ano) e aconselhei que C. demandasse um outro mais caro. Desta forma, ela prontamente foi atendida. Com isso, cansadas do trânsito, pedimos (já me incluo nisso) uma lancha para que pudéssemos ir à casa de V., nossa amiga do litoral oeste da cidade! Hoje, C. me contou que Xuxa se casará com Szafir. Vaca máxima que é, e entregue ao cômico mundo das fofocas "célebres", decidiu ficar amiga da ex-apresentadora (ainda é? Sei lá. Não curto) e achou que com uma lancha poderiam se cruzar por Angra e com isso tornariam-se amigas. Quer mesmo é ser convidada para alguma festa. Aquela beócia dá festa? Eu, como boa súdita, disse que achei o "máximo" o pedido e estamos aguardando a lancha. Bom vou dar uma "pastada" com C. e vamos abrir um veuve rosé.

Ouvi isso de uma amiga. Apavorada! Sabedoria? Vazio? Desespero? Cretinice? Como anda o mundo, não é mesmo? No entanto, no exato momento, sem Xuxa, naturalmente, eu preferiria estar em uma lancha fanfando por aí.

Sônia.

Mc Fish.





Não sei se era o amanhecer ou o entardecer naquela praia em que vivi muitos dias que não sabia felizes. No céu algumas nuvens e aquele tom alaranjado típico de quando se faz o trânsito para um novo encontro, seja com o dia ou com a noite. Meus pés na espuma e nos meu olhos a visão de espessas e calmas marolas que revelavam enormes e gordos peixes escuros. O escorregar das ondas na areia revelava um cardume que deixava a água e se punha a me seguir lentamente. Porém, um em especial, o primeiro deles, fazia movimentos de borbulha como se quisesse falar comigo. Eu sentia um medo, que embora não muito grande, me fez retornar ao segundo andar do pequeno edifício donde eu havia vindo. Subi as escadas e bati a porta. Mas lá veio o peixe, que caminhava flutuando, atrás de mim. Em seu levitar ele me fitava e eu não entendia o que poderia um peixe daqueles querer me dizer. Tentava me esquivar e era em vão. Chegaram todos os outros peixes. Todos gordos e com aquela tagarelice muda. Encontrei um cão pastor. Ele se espreguiçava e tinha um ar calmo e bonachão. Foi ele quem fez os peixes voltarem para o mar. Mas aquele primeiro peixão ia embora, no sentido do mar, virando sua cabeça para mim, com seus olhos vidrados. Ele queria dizer e eu não podia entender. Também voltei à praia. Sobre a areia úmida encontrei meu amigo de infância. E além dele, lá estavam sua mãe e irmã. Recostei minha cabeça em seu peito e ouvi daquela matrona que aquele gesto paternal muito nos faltava. Mas eu desisti de esperar o suprir. E quanto aquele peixe, parecia ainda querer falar comigo. Seus olhos me diziam para eu insistir. Só não sabia em quê. Eu continuei confortado naquele abraço. O sol dourado brilhava o céu. Os peixes foram desaparecendo e somente aquele olhou para trás. Fechei meus olhos.

quarta-feira, 3 de novembro de 2010

Abelardo Barbosa. Explanando.






I was yours and you were mine.

Estava escrito em alguma lugar. Não! É a letra de uma música que eu adoro. Só isso. Sei lá quem canta. Digitar fumando é a maior merda. Tinha que haver um jeito mais fácil. Ditar. Facilitaria muito as coisas. Crise existencial. O que fazer, por que fazer? Solidão apreciada com desgosto e também prazer. Confusão e angústia. Mas há o desfrute da liberdade. Que é falsa. Porque não é minha. Vem dos outros. Quero dizer, os outros me possibilitam. E então cai de sobressalto a realidade crua e dura que me cobra. Logo me vem a busca pelo alívio. E ele entra em casa. Mas é falso. Porque ele também cobra e não entende. Não percebe o que sinto, o que explicito e o que explico. Não compreende. O alívio vai embora e chama seus ismos e estes pois são (d)ele. Assim eu não chego a lugar nenhum. Fico parada, estagnada e sou acusada por isso. Aí baixa a louca. A que reclama e se arrepende. E a que pensa em roupas, pedras, lugares e sons. Mas isto nada significa. Não é de ninguém e é meu. Desta maneira é preciso se curvar diante do abismo e rogar alguma luminosidade que me guie, por ser romântica e só poder acreditar nisso. Mas às vezes os ventos sopram no interior e reverberam fora e aí você sabe que é chegada a hora. Que haverá maneira. O vento empina. Olho ao redor. Sinto um novo ar quente que deve ser o da mudança. E aguardo meu momento. E penso aonde posso chegar. Não sei se é longe ou se é perto. Não sei se hoje é o amanhã ou o ontem. Mas é o hoje. E o que eu faço? Eu me sento aqui. E conto as pontadas que sinto percorrerem meu corpo. Converso sobre isso. Sobre amenidades que denotam aquilo que ninguém entende, mesmo eu. Balanço no ritmo de uma música qualquer e busco uma doce fatia de abacaxi. Quer fruta melhor que essa para definir o escuso sobre o qual ensaio falar? O Chacrinha percebia. E olha que eu tinha um certo repúdio dele quando era criança. Mas a vida é irônica, não? A percepção de um modo geral, sobre tudo que envolve nossa vida, muda tanto com o passar do tempo. E estar mais velha, hein? A sensação nítida do encurtamento do tempo é bastante estranha. O que fazer para aliviar? Comprar um bom antirrugas mesmo sabendo que é placebo. E produzir. Produzir um evento para ganhar dinheiro ou mesmo produzir uma boa limpeza dentro de casa. Faz-se necessário produzir. Cada um produz o que pode. Eu solto a letra e o outro enrola fumo e diz que ninguém quer trabalhar durante o natal e o reveillon. Muito menos eu que sequer cansei meu corpo por este fim. Aí passar o natal e o ano novo neste pique lavoura não dá. Doravante eu vou é mamar na teta que me alimenta. Diferenciar-se da superficialidade imperante e desconcertante, requer reservas de solidão. E elas podem ser musicais, literárias ou visuais. Por vezes táteis. Fui lá naquela cidade majestosa e elegante. Ela está tão distante de mim que projeto já, minha primaveril visita a Londres. Preciso dar uma respirada. Vou a cozinha. Pois há mesmo ouro naquele baú. Dourado e reluzente por fora. Mas sua mais rica preciosidade esconde-se por dentro daquela aura portentosa. E é marrom. E ele é mestre em tirar água de pedra. Um verme que pensou ser planctôn. E mesmo o era. Apertou um fino de duas berlotas. E aquelas ervas na panela? É banho. Achei que fosse chá. Era chá. Mas era chá ou era o banho? Os dois. Um dois? Acabou.

Sônia.