quinta-feira, 11 de novembro de 2010

O síndico.






Rua Barata Ribeiro, quase esquina com a Santa Clara. Edifício Galeão. É mesmo uma nau. 25 apartamentos distribuídos em cada um de seus 12 andares. Quitinetes de alto nível, segundo Dorival, síndico e morador há 22 anos. Cabra macho de Recife. Militar reformado. Corpulento, cabelo acaju e 67 anos de praia em Copacabana.

Eu sou o dono desse prédio e não há viado decorador cibernético, que fará disto aqui um bordel!

Mas, seu Dorival, o irmão do baitola é federal. Vai dar problema isso aqui, seu Dorival...

Cale a boca, Zenildo! Eu quero ver quem será o federal a me impedir.

Quer mais dicas de moda, beleza e astrologia? Ah, seu Dorival. O senhor fica ainda mais sexy bravinho desse jeito. Sorria Marcinha, travesti manauara, 1,83m, corpo violento, seios fartos, pele cabocla e longos e loiros cabelos. Dentes muito brancos. Rosto forte e gogó avantajado.

Dorival sua frio e começa a gaguejar, tentando parecer natural. E persiste o discurso contra o novo escritório, que um proprietário pretende abrir ali, no Galeão do eterno síndico. As obras tomam seu percurso. Depois de uma tremenda confusão decorrente da polêmica instaurada por Dorival, o escritório é finalmente inaugurado e jamais causa transtorno ao bem estar dos incontáveis moradores.


Dezembro de 2010. As caixinhas são postas sobre as bancadas das portarias cariocas. É chegado o momento da famosa contribuição anual para os porteiros de toda a cidade.

A porta do elevador se abre. Julia e Nuno, os sócios do escritório de designer gráfico, conversam enquanto abrem suas carteiras. Nuno doa R$250,00. Julia também. Zenildo abre bem os olhos e conta aqueles R$500,00 sem poder acreditar. Olhar vidrado para o relógio. Dinheiro na mão.

Zenildo, que dinheirão é esse, porra? É... É... É que eu juntei esse dinheiro todo, e mal posso acreditar, que eu vou comprar um ventilador, ou até dois, lá para casa. Com esse calor! Eu passei o ano inteiro juntando e a Wanda vai adorar, seu Dorival! Zenildo, não seja mentiroso, Zenildo! Da onde veio esse dinheiro, Zenildo?!

A porta do elevador se abre. Zenildo leva um susto e solta o dinheiro sobre a bancada. Dorival se dirige a ele. Olha para a mesa e vê o dinheiro.

Quem doou essa grana toda, Zenildo?! Ah, foram os garotos do escritório. Cada um deu R$250,00, seu Dorival. Porra, tudo isso?! Esses subversivos, estão de sacanagem, ganhando esta fortuna no meu prédio! Isso deve ser pornografia! Ninguém que trabalha tem esse dinheiro para doar para porteiros! Seu Dorival! Seu Dorival? Eu acho que cê num tá entendeno o que isso quer dizer. Você estava, por um acaso, querendo ficar com este dinheiro só para você, Zenildo? Não, não! Nem pensar, seu Dorival! Eu vou denunciá-los! Seu Dorival, para de falar merda e me ouve!

Dorival gagueja e lembra de Marcinha, a travesti manauara.

Seu Dorival, o senhor num tá mesmo entendeno. Se esses dois aê, que tem escritório deram tudo isso, quanto que a gente não ia ganhar se esse prédio fosse todo de escritório? Ser porteiro no final do ano aqui seria melhor que ganhar na loto! E além disso eles ia conseguir tirar tudo a Marcinha daqui... Vai que eles oferece a ela, uma fortuna para transformar isso aqui só de escritório, hein? Ia ser bom demais, seu Dorival!

Dorival morde a mão e passa alguns segundos pensando. Respira fundo e começa a bater uma mão na outra. Ele sua muito. A gola de sua camisa está molhada. Ele pega um lenço xadrez do bolso e passa na testa.

É Zenildo. Pode ser uma ótima opção. Transformar o meu prédio em um centro empresarial. Os porteiros vão ser felizes e... E se a Marcinha ficar como secretária? O senhor tá querendo que ela fique ou que ela vá, seu Dorival? Eu não tô entendeno. Acho então que não tem problema nenhum d´eu contar para a D. Lu, do senhor e da Marcinha, né?

ZENILDO!!! A D. Lu é uma velha caduca que pode morrer se souber dessa história!

A porta do elevador é aberta por D. Lu, que escuta seu nome.

Posso saber o que os senhores estavam falando sobre mim? Por que o senhor estava gritando, Coronel Dorival?

A portaria é acionada. Julia e Nuno na porta do edifício. Dorival anda rápido até a porta e sorri para os jovens empresários.

Boa tarde aos jovens deste país! Boa tarde!

Julia e Nuno entreolham-se surpresos. Atravessam o pequeno corredor e cumprimentam D. Lu e Zenildo. Entram no elevador.

D. Lu, eu preciso subir, não estou me sentindo muito bem, mas eu falo com a senhora depois e eu estava cobrando do Zenildo que refizesse sua caixa de correspondências!

Ah, sei. O senhor é muito gentil. A Marcinha, aquela moça engraçada do 825 me disse isso, no elevador, outro dia.

Dorival, dentro do elevador, sente náuseas. Ele se recosta na parede do mesmo e ele para no sétimo andar. Alfredo entra e sorri para o síndico.

Está subindo. Não tem problema. Eu subo e desço.

O elevador fecha a porta e sobe. Escuta-se a voz grave e desafinada de Marcinha batendo na porta do elevador.

Solta essa merda! Eu tô com pressa, caralho!

Dorival volta a suar e tem uma falta de ar. Alfredo o acode e a porta se abre.

Uh, lá, lá, Dorival, tá passando mal? Ri copiosamente a travesti. Marcinha passa suas enormes unhas zebradas no queixo do Coronel. Ele chega para trás como quem foge de uma faca pontiaguda.

Tinha que ser você prendendo esta porta, Dorival! Eu não corto não, Dorival! Só furo! Ri escandalosa. Alfredo os observa e segura a vontade de gargalhar. O elevador vai até o nono andar. Ninguém entrou. Ninguém saiu. Marcinha se vira para o espelho e abre a bolsa. Passa seu batom vermelho e se esfrega, discretamente, em Dorival. Ele aperta o quarto andar. O elevador para e ele empurra a porta com força. Tem uma crise asmática. O elevador desce com Alfredo e Marcinha. Alfredo ri.


Marcinha, qual foi com esse velho? Ih, menino, babado! Nem te conto. Pergunta pro Zenildo. Arrasou!

Marcinha segue pelo corredor até a porta do edifício. Alfredo busca suas contas e aproveita para falar com Zenildo.

Mermão, vi aquele velho babaca passar mal com a Marcinha agora! Qual foi, Zenildo? O que rolou com o velho? O cara tem medo da traveca!

Ih, seu Alfredo, é coisa a toa. É coisa da caixinha dos porteiros, uma confusão danada. Seu Dorival tá caduquinho, caduquinho. Alfredo franze as sobrancelhas. Matem-se calado. Enrola suas correspondências e sai do prédio. "Só não vale dançar homem com homem, nem mulher com mulher". Ele cantarolava, acompanhando o rádio.

(...)

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