quarta-feira, 31 de agosto de 2011

o feitiço vira contra o feiticeiro. capítulo III. margot.



eis que de repente Margot corre para um lado, corre para o outro e vê umas quatro mãos vindo ao seu encontro. Ela se contrai. Fecha os olhos e faz força contra o vidro. Tenta sumir. Em vão. Sente duas mãos a agarrar seu frágil corpinho e em franco desespero tenta escapar do vidro em que estava vivendo. Escorregou inúmeras vezes daquelas pequenas mãos. Ela suava por seus olhinhos arregalados pelo medo. Em poucos segundos tudo o que ela viu foi uma grande escuridão. Ao abrir os olhos: uma cela. O sol quadrado. Ela tem, portanto, a certeza de que morrerá. Lamenta que sua vida tenha sido tão curta e pragueja a vil humanidade. Espera sua sentença. Ouve vozes. Uma criança feliz. Um homem. Uma mulher. Pensa nas leoas do programa de TV. Sente uma tremenda inveja da força daqueles animais e resignada desmaia na gaiolinha.

Uma luz. Muitas flores, vasos de plantas, um lar aconchegante, um chão de madeira. Letícia. A menina de pele alva, cabelos lisos e escuros e rosto delicado sorri para ela e lhe dá uma cenoura. Margot tem certeza de que está no inferno. As mãozinhas da menina tinham esmalte cor de rosa descascado e a tocavam a todo instante. Ela levou um tempinho para entender tudo o que se passava. A semana de férias ia muito bem. Letícia, feliz no casarão de seu pai, sentia-se livre colhendo frutas do pé das árvores, cuidando da sua rebelde coelha e brincando com as outras crianças do condomínio. Tudo isso deixara seus pais bastante satisfeitos.

Enquanto isso, no Rio, Letícia, a mãe, preparava a casa para receber o novo membro da pequena família.

É chegada a hora da filha voltar para casa e agora com o melhor dos presentes: a Margot!

Tudo seguia bem. A menina feliz da vida, com sua coelha arredia, seguia sua dolce far niente vida na mais absoluta paz. Margot se recusava a comer verduras e estava sempre a cata de restos de biscoitos, sanduíches e pedacinhos de pizza que pudessem ser encontrados pelo chão da cozinha ou da sala. Tudo era motivo para alegria, até mesmo um derradeiro incidente durante o jantar. Um dia um copo escapou das mãos da mãe e se espatifou em vários pedacinhos pelo chão. Margot zarpou por entre os cacos de vidro lambendo com agilidade cada gota do restinho de refrigerante. Embevecida a coelha deitou-se no chão após aquela injeção de açucar e relaxou como nunca havia feito antes. A menina, com medo da coelha se machucar, foi retirá-la da zona de risco e escutou, literalmente, Margot falar para ela, com toda clareza, que lhe deixassem em paz num tom rabujento, tirânico e malcriado:

- Ai, garota chata! Me deixa dormir só mais 10 minutinhos! Que saco, aonde eu tô vem você me agarrar. Garota carente, insuportável. Essa separação dos seus pais não te fez bem. Eu, hein. Insolente! Não suportarei tamanha petulância! Ouça bem essas palavras!

As duas se fitaram surpresas e Letícia a largou no chão recebendo em seguida uma tremenda bronca de sua mãe, que chegou a dizer que a menina estava muito estranha e que talvez precisasse de uma psicóloga.

- O que foi, Letícia?! Você largou a Margot no chão?! Mas o que é isso?! Quanta distração! Daqui a pouco vou levar você a psicóloga. Estou preocupada. Não para de falar com aquela boneca velha e agora escuta uma coelha... Ai, meu Deus. Acho que você já está ficando grandinha para isso. Está na hora de ler Maquiavel.

Catatônica, a garotinha passou a apresentar um comportamento um pouco estranho aos olhos de sua mãe a partir desse dia. Margot, ao perceber que a sua dona podia ouvi-la, resolveu tornar a criança seu animal de estimação.

- Ah, então você pode ouvir bem o que eu te digo?! Muito bem, garotinha! Agora quem manda aqui sou eu. Vamos ver quem é o brinquedo de quem! hua hua hua (risadas sinistras). O que temos para hoje? Brigadeiro? Bolo de cenoura com calda quente de chocolate? Traz o menu, menininha!

Sempre temerosa, Letícia cedia aos seus inúmeros caprichos. A fome dela era insaciável! Uma loucura!

- Letícia, traz chocolote? Letícia, mais coca-cola! Ah, traz batata frita e pizza de peperoni. Pega o vinho da sua mãe? Hoje eu tô que tô! hihihi

- Mas acabou, Margot...

- Então pede para a sua mãe ligar para lá e pede outra, ué. Eu, hein. Garota abusada. Chata! Você é uma chata!! Também, com essa mãe não poderia ser outra coisa.

- Mas a mamãe vai achar estranho, Margot!

- A mamãe vai achar estranho você falando comigo, não é? hãhãhã.

Margot só queria saber de porcaria! Ah, ela também adorava escutar um sambinha. Bastava um ziriguidum na caixa de som para que começasse a sambar com a maestria de uma mulata! Toda vez que a Rômula, a cozinheira, ia a casa da família preparar seus pratos incríveis era uma festa para a excêntrica coelha.

- Põe Alcione aí, Rô!! Pô, ela não me escuta! Que horas a Letícia volta da escola, hein?

em realidade, Margot curtia mesmo uma boa fossa. Era dada a emoções muito intensas e a voz da Marrom a conduzia ao mergulho dentro de suas mais profundas emoções: rejeição, abandono + a busca pela superação = Alcione. A Rômula adorava para o deleite da Margot.

A pequena Letícia ficava cada dia mais confusa. Ora sentia um medo muito grande, ora admirava aquela coelha fantástica que podia falar e sambar e muitas vezes ria escondia ao ponto de sentir dores em sua barriga! Geralmente ela tinha os melhores flagras da coelha quando a observava sem ser notada.

- Tá rindo de que? Nunca viu coelho sambar não, ô?! iiiiii ó!! Me deixa ser feliz! Traz uma latinha de cerva aê! ha ha ha!

Apenas a menina via suas travessuras. A coelha não pestanejava. Adorava fazer a garotinha ficar bastante atordoada. Sentia-se poderosa cada vez que a manipulava. Mas também sentia-se orgulhosa a cada risada que arrancava dela. Mal sabia a garotinha que a própria Margot andava confusa. Ela gostava muito de ser admirada pela menina, mas não podia admitir. Um dia ao falar sozinha...

- Coelha idiota!! Você não pode esquecer todas as humilhações que passou. Não pode se deixar seduzir por essas bochechas rosadas e robustas dessa menininha!! Acorda, Margot! Acorda!! Seres humanos não valem nada! É preciso fazer como as leoas ao determinarem quem serão suas presas! É preciso ir adiante!

divagava ela a sós ao andar de um lado ao outro, sem sequer pereceber que era observada. Letícia escutava aquelas palavras escondida atrás da cortina e começava a matutar sobre aquela coelhinha matreira.

A coelha tinha o trânsito livre no apartamento, mas gostava de dormir dentro de sua gaiola aconchegante. Toda vez que a mãe ia dar uma olhadinha na pequena Margot ela se comportava muito bem. Segurava suas verdurinhas com aquele jeitinho beeem fofo e dava uma coçadinha em seu fucinho com suas patinhas charmosas de roedora.

A pobre menina nunca mais havia sido a mesma desde a chegada de seu animalzinho de estimação a sua casa. Passara a ter o sono inquieto e por muitas noites preferiu fechar a porta de seu quarto para que Margot não fizesse alguma de suas chantagens. Ela andava tão magoada, coitadinha. Enquanto tudo isso acontecia a babá continuava trancada no quarto de sua mãe e ela com a maior saudade das sua amigona do peito.

- Droga! Deu tudo errado. Queria um irmãozinho e ganhei uma coelhinha que é malvada. Minha boneca preferida tá presa no armário da mamãe que não me entende e só me critica. Tô com saudade do papai mas ele tá lá longe. Saudade das minhas amiguinhas.

então choramingou até cair no sono...

6 meses depois.

Letícia andava tão cabisbaixa que a coelhinha começou a ter crises de consciência fortíssimas. Margot finalmente estava mais crescidinha. A vida adulta parecia ter despertado seu instinto materno. Seu olhar sobre a ainda pequena Letícia já não era mais o mesmo. Apesar de não aceitar sua condição de bicho de estimação, lembrou-se do quão cuidadosas eram as leoas com suas crias. As imagens daqueles vídeos revisitavam sua memória com cenas mais ternas. Parecia que o instinto maternal de Margot começava a falar alto. Uma noite ela empurrou a porta do quarto da menina enquanto ela dormia e notou que seu sono não estava tranqüilo. Sentindo-se culpada por maltratar a única criaturinha que por ela teve piedade, acabou chegando bem pertinho dela e emocionada lhe fez um carinho.

- Me perdoe, menininha! Estava tão machucada. Fui tão humilhada por tantas outras crianças e seus pais que endureci. Tornei-me um pequeno monstro. Hoje sou capaz de perceber meu engano. Você é tão boazinha.

caiu em prantos a arrependida coelha. Deitou-se ao lado da sua dona e enxugou com as orelhas suas espessas lágrimas. Chorou e chorou até se cansar. Com as mãos em seu barrigão ela foi caindo no sono. Quando estava quase dormindo foi acordada por um movimento da Letícia. Se encolheu todinha e olhou para ela ressabiada. A menina sorriu enquanto sonhava e então a coelha respirou fundo e também sorriu satisfeita pela cena que assistira. Antes de sair do quarto cobriu a garotinha e adormeceu ao lado de sua cama.

No dia seguinte ao acordar sob a força do sol de tão linda manhã, a pequena Letícia não conseguiu acreditar no que viu. Margot de barriga para cima, sobre seu tapete e a roncar em um tão pesado sono. Achou engraçado ter tido um sonho tão bom com a Margot, justo no dia em que acordou em sua companhia. A menina levantou e foi buscar uma fruta na cozinha. Ao voltar encontrou a Margot se espreguiçando com os olhos inchados de tanto sono.

- Bom dia, Margot! Tudo bem? Trouxe suco para você! Você é tão fofinha!

- aaaaaaah!! O que tô fazendo aqui?! Socorrooo!!

- Calma, Margozinha, calma!! Sou eu!!

apavorada a coelha groducha tentou correr para a sala, mas desajeitada se chocou contra a parede. Letícia tentou pegá-la no colo e ouviu um barulho estranho! Era Margot tentando rosnar como um leão sem o menor sucesso.

terça-feira, 30 de agosto de 2011

babá milão. capítulo II.



Babá era a melhor amiga imaginária de Letícia, que a esta altura já com oito anos, começava a apresentar certa vergonha de se comunicar com a boneca diante dos olhos de sua mãe. Letícia esperava toda noite sua mãe dormir para começar seu bate papo com a boneca de pano. Toda a noite rolava uma espécie de ritual. Letícia vinha da escola, completava suas atividades, brincava, fazia seus deveres, jantava com sua mãe, assistia algum filme, isto é, cumpria sua rotina de afazeres infantis e se jogava na cama. Literalmente. Ela adorava sair correndo e pular sobre as almofadas em um mosh alucinado. Letícia amava o Nirvana e acha o máximo os saltos que o Kurt Cobain dava na platéia. Ela era viciada nos dvds de shows de sua mãe. Sob o edredon ela fingia dormir até o momento que sua mãe fosse para cama. Ao se certificar de que ela estava apagada, a garotinha abria a porta de seu armário, puxava sua gaveta de bonecas para catar a pobre e capenga da Babá. A boneca levantava meio rabujenta e reclamava um bocado. Tal como uma legítima senhora. Reclamava das partes descosturadas, do quão amassada ela se encontrava naquela gaveta:

- pelamor de Deus, Letícia! Tou toda cagada! Vou morrer se eu continuar nessa gaveta cheia de fungos, bactérias e ácaros. Cansei desse meu layout decadente. Boneca de pano é tão anos século XIX! Acho que sequer entre na categoria retrô ou vintage! É por isso que sua mãe tem pavor. Hoje em dia uma figura como eu parece personagem de filme de terror B. Quero ser uma Barbie Milão! Linda, glamourosa, um clássico dos 50! Nesses livros do Harry Potter não tem nenhum feitiço para transferir minha alma para a Barbie Milão, não? Não vai dar para continuar as nossas conversar nessas condições, minha filha.

em seguida, como de praxe, a Babá pedia para abrir a janela e as duas ficavam a observar a lua e as estrelas. Conversavam sobre os mais diversos assuntos e ela, a boneca, sempre pedia para a menina abrir seu pote de balas escondido sob a cama. Babá era viciada em pirulito e quando tinha um na boca sempre divagava sobre a vida, sobre a hermenêutica dos grandes pensadores e dava mil ideias a pequena e super imaginativa Letícia que sempre se deleitava e ria muito com as histórias da boneca. Muitas vezes sua mãe acordava com suas altas e francas risadas. Houve um momento em que a menina começou a levar umas broncas, e a Babá foi parar no quarto de sua mãe.

- Letícia, minha filha, me tira daqui! Não aguento masmorra! Não sou princesa, pelamor de Deus, minha filha! Vou morrer asfixiada! Os tempos de escravidão já acabaram. Me larga dessa corrente, garota! Me transfere logo para o corpo da Barbie Milão. Já te disse que esse é o problema, garota! Tou parecendo o Mummm-Ra! Não é do seu tempo, eu sei, mas em suma, minha filha, é uma múmia! Ai, que depressão esse corpo de boneca velha, menina! he he he. Assim não vai dar não. Esse nome também, hein? Babá... Ai, que não aguento mais essa vida, garota! Daqui a pouco você cresce e o que será de mim nessa estampa?

Todo aquele martírio pelo qual a boneca passava trancada no armário alto do quarto da mãe da menina a deixava muito descontente. Suas conversas com a Babá ficavam muito limitadas. Era preciso ir ao quarto da mãe para escutá-la e era tanto lamúrio que ficava difícil se divertir. Ela tentava uma fuga a qualquer custo.

- Sua mãe, hein, minha filha? Virou uma reacionária, uma fascista. Escrava do sitema. Que horror. Assim não dá. Ela se esqueceu completamente o quanto já falou comigo. E era tão chata. Só poderia mesmo ter se tornado essa adulta repressora. Ai, que horror, menina!

Que triste era para a garotinha, ver sua mais fiel escudeira e confidente e mais! a melhor companheira de aventuras noturnas aprisionada de maneira tão lastimável. Desde então passou a andar meio tristonha e bem mais calada. Sua mãe andava muito estressada e resolveu levar a pequena à casa de seu pai a fim de descansar por uns dias. Ricardo era veterinário e vivia numa agradável chácara na serra. Ele atendia animais domésticos no pet shop em que a coelhinha de raro comportamento se encontrava.

Mãe e filha prepararam as malas. A garotinha tentou colocar a Babá na mala sem êxito. Houve uma pequena discussão em vão. Letícia, a mãe, estava irredutível. A menina choramingou, mas não pôde fazer nada.

- Não liga não, minha filha. Quando você voltar a gente conversa. Me passa um email, qualquer coisa. iiiiii, não tenho como entrar no computador sem você! he he he!! Não se preocupa não. Aproveita para estudar os livros do Potter para tentar me passar para a Barbie Milão. Aí sim, menina, a gente vai se divertir a valer. Deixa eu conseguir entrar naquele seu Porsche, deixa!

As Letícias entraram no carro e seguiram rumo a serra. Foram escutando as músicas de seu set list preferido. A viagem se deu de maneira descontraída e a menina deixou de pensar na sua boneca de estimação. Conversaram muito ao longo do trajeto. Vislumbraram as belezas da mata atlântica e cantaram vários sonzinhos maneiros. Chegando à cidade, foram direto ao pet shop, pois era lá que estava o Ricardo a trabalhar naquele final de tarde. A menina encantou-se imediatamente pelos filhotes e caiu de amores pela coelhinha rebelde e subversiva a primeira vista! Apaixonada por histórias de reis e rainhas logo batizou a bichinha de Margot. Ricardo imediatamente alertou a filha sobre o temperamento arredio daquela coelha. A garota, depois de brincar com todos os filhotes, pegou finalmente a mal humorada Margot no colo. A filhote não se fez de rogada e já exausta de toda aquela criançada deu uma mordida na pequena Letícia e arrancou boas risadas da menina.

- Paiê, me dá essa coelhinha, por favor, paiê!!

Rogava a doce menininha ao pai, de joelhos em sinal de prece! A Margot, que por sua vez, já estava para lá de safa com esse mesmo papo de sempre, não imaginou que seu destino estava a poucos segundos de se transformar. A família resolvera adotar de vez a bichinha que teria tido um dramático destino, caso não saísse logo dali. Margot notou uma movimentação estranha desde que mordera a menininha que fora a primeira e única a soltar uma risada depois de uma de suas malcriações, isto é, uma bela mordida com toda a fúria de seus dentões.

sexta-feira, 26 de agosto de 2011

margot. capítulo I. esboço.



Um dia frio na serra carioca, mais especificamente em Itaipava. Chegam alguns novos filhotes à Pet Shop, PET POP. Em meio aos vários filhotes há uma coelhinha da raça mini lop. A única de uma ninhada que chegou à lojinha da pequena e pacata cidade. Ali dentro os animais eram separados e ficavam dentro de vidros que lhes permitiam ser observados e tocados por todos que ali passassem. Tudo era muito limpinho e bonito, porém é sabido que nenhum bichinho é feliz assim. A loja era muito organizada e movimentada e se encontrava num shopping local. Havia no pet shop uma televisão bem grande que transmitia 24hs o canal ANIMAL PLANET. Curiosamente a única coelhinha do Pet era o filhote mais curioso e inquieto. Ela era absolutamente fascinada pelos programas transmitidos no canal. A coelha passara um mês ali e desenvolveu uma grande revolta contra os seres humanos, sobretudo contra as crianças. Tudo fruto do seu doloroso sentimento de rejeição. Fora arracanda de sua família, jogada naquele inóspito lugar e ainda por cima era torturada pelas crianças que visitavam o local e a achavam linda e fofa gimaix. Elas a apertavam, esmagavam, cheiravam, beijavam, mas jamais convenciam seus pais a levarem-na para suas casas. Cada vez mais a sua indignação aumentava. Ela se sentia enraivecida e tinha um comportamento atípico para uma mini lop. Admirava cada vez mais os programas sobre a vida dos leões nas Savanas africanas. Sonhava em ser como as leoas. Bonitas, fortes, independentes e, sobretudo livres em seu habitat natural. Tornou-se famosa na lojinha como a coelhinha que mordia. Sendo assim, parecia cada vez mais impossível vendê-la. Seu destino era incerto.

Letícia, 30 anos, mãe de uma menina homônima de oito anos, vivia no Rio de Janeiro, num aconchegante e pequeno apartamento no Humaitá. Separada, tinha bom relacionamento com seu ex-marido, Ricardo, que fora seu namorado desde a adolescência. Trabalhava muito. Era analista de sistemas e sua filha, curiosamente, não era dada às grandes pérolas tecnológicas da atualidade. A menina parecia viver fora do seu tempo. Imaginativa, tagarela, divertida e espirituosa adorava brinquedos artesanais, inventava mirabolantes histórias e estava sempre a falar e a criar aventuras. Gostava de plantas e de animais. Sentia falta de um irmãozinho e, por vezes, sua mãe a achava fantasiosa em demasia. O prédio em que moravam era antigo e não tinha play. A criança passava o dia todo na escolinha e fora dela tinha pouquíssimo contato com outras crianças da sua idade. Um de seus brinquedos preferidos era a Babá. Bonequinha de pano que sua mãe recebera aos 10 anos, quando viera morar no Rio de Janeiro.
Letícia, a mãe, passara uma infância pacata na cidade de Ouro Preto e tivera uma babá, chamada Mariana. Mariana era uma senhora gorducha, muito carinhosa e excelente cozinheira, cheia de histórias folclóricas para contar. Criara a então menina como filha e quando a família decidira ir para a grande cidade, em meados da década de 80, Letícia sofrera muito por ter que se separar de Mariana. Esta, por sua vez, costurou uma boneca em sua imagem e semelhança e lhe dissera que esta seria a forma que teriam de estarem sempre juntas e recomendou a pequena que conversasse com a boneca sempre que quisesse. E assim ela o fez até chegar a adolescência. Contudo a boneca Babá jamais fora deixada de lado. Decidira guardá-la para presentear sua filha quando um dia ela a tivesse. Assim sendo, depois de um longo período de namoro com Ricardo ela finalmente engravidou, e quando sua menina completou três anos recebeu como presente a bonequinha de pano. Tal como sua mãe outrora fizera, a pequena Letícia também danou a falar com a boneca. O que parecia aos olhos de sua mãe muito natural, uma vez que ela em sua tenra infância cultivara o mesmo hábito.

quinta-feira, 25 de agosto de 2011

inutilidades crônicas.



O tédio rolou solto ontem. Não pude frear meus devaneios. É tão complicado ter que lidar com todas as limitações que a rotina impõe. São tão vastas as impossibilidades de realizar tudo o que desejo. Ou seja, tá tão foda de suportar tantos nãos que me resta viajar... Metaforicamente. Pois em termos concretos não tá dando para ir a Belford Rôxo (que nome é esse, gente?!). Sendo assim, deixo minha imaginação ir ao longe, ao infinito. Melhor aproveitar enquanto ainda não é preciso pagar por esse serviço íntimo. E, olha, mesmo assim não está fácil. São tantos ruídos lá fora que até a imaginação sofre retaliações. Nem ela, pobre de mim, consegue ser tão fluida. Queria isso, queria aquilo, mas não. Não pode. Não dá. Não há maneira. É o trabalho. São as contas. São as incontáveis responsabilidades. Não vai rolar aquilo. Não tem como acontecer isso. É a crise do fulano. É a dor da beltrana. É a babaquice de uma amiga. É a putaria de uma conhecida que destrói a própria família. É o caos planetário. Pohãn (RIP Marilac - Amay, Katylene - bordão decadente. Era de Aquário. Era do efêmero?) Resta seguir em frente. Resta mesmo se calar e tentar extrair o prazer daquilo que há. Resta perceber que é isso que é.

Lá fui eu pegar o 410 ao fim de mais um expediente. Escutava um som. Não me lembro mais qual era. Alguma coisa que tornou meu estado de semi depressão ainda pior. Não consegui passar a música adiante. Deixei o bode amarrado na pernoca para sofrer bastante através do gozo melancólico de quem queria estar muito além, mas em realidade só poderia estar naquele ônibus. Dei a sorte de conseguir me sentar. Estava vazio e ao passar pela roleta quase fui jogado sobre outra passageira após a sutil arrancada que dera o condutor daquele veículo. Coisas tão comuns. A tal música estilo vala's music acabou e de repente surgiu a voz de Tom Jones, aquele brado fanfarrão a repetir: TURN ME ON (3 x)! Automaticamente decolei alto e vivenciei (imaginei) a seguinte cena:

Campanha nacional sobre trânsito. O mesmo ônibus para na Glória e eis que embarca mais uma passageira. Uma bailarina. Ela está vestida com uma legging e um short por cima. Usa um top, um casaco, uma faixa na cabeça e os cabelos enrolados em um rabo de cavalo. Os fones no ouvido, um old school nos pés e uma bolsa grande nos ombros. As cores predominantes são: verde, amarelo e azul. Menção a bandeira brasiliana. Há outras cores compondo o look. O visual (palavra escrota) é colorido e vibrante. A menina para na roleta e abre a bolsa para pegar a carteira e pagar a condução. TOM JONES a todo valor. O motorista acelera e ela voa sobre a roleta. Sua bolsa vai para um lado e a carteira para o outro. Ela dá um salto estilo Flashdance e a partir de então surta em uma coreografia enérgica, delirante e genial. Todos os outros passageiros tentam catar os seus pertences enquanto a menina elabora passos incríveis a cada manobra radical do motorista nonsense. Os outros passageiros ensaiam alguns passos tentando acompanhar o ritmo da bailarina. Um musical urbano, dentro daquele ônibus! Energia pura! Frenesi total! Perna para cima! Ciseaux, cambret, changer! Vira para cá, vira para lá! Agarra o banco e changer, sans! Cambriole, chasse!! Uhuuu!! A música termina e o motorista dá uma freada violenta. Todos voam para fora do veículo através das janelas. Nenhum ferido. Muitos cacos espalhados no chão. Aterro do Flamengo. A performance é encerrada com todo o elenco se entreolhando assustado. Fade in.

*Algum dizer sobre a responsabilidade que tem um motorista*

Um absurdo! Poderia ser um esquete da saudosíssima TV Pirata ou da atual Comédia MTV. Uma bobagem. Uma tremenda diversão. Ao menos para mim. Peguei-me rindo a sós com aquela cena desenvolvida em minutos, através da excelente SEX BOMB. Quisera eu ser a bailarina. Não fui muito eficaz ao tentar transpassar o que me ocorreu naqueles instantes. Mas foi bom demais! Viva a liberdade interior! Bastou a música terminar para que a realidade viesse em fúria outra vez. Que saco aquele cheiro forte de creme barato no cabelo da menina que se sentou ao meu lado. Ai, ai...

Chego a casa e mais problema. Marido em crise. Atenção, amor e carinho. Academia. Um sanduíche. Um break. Minhas amigas. Um risoto. Duas taças de vinho. Excelente conversa. Imensa alegria. Volto a casa. Conforto e vazio. Sono. O sol nasceu escuro. Oximoro. Tudo outra vez. 410. iPod. Tédio. Choro da amiga no trabalho. Dor de outra amiga narrando seus infortúnios pelo whatsapp. Marido distante. Internet falha. Computador em disfunção. Companheira alheia. Consolo a amiga que sofre. Material World. I’m a material boy. We’re living in a material world and I’m a material boy. Após tudo o que ouvi concluo: melhor não reclamar, but I’m material boy, repito. Phoda. Me deu uma vontade de dançar She’s a Maniac daquele jeitinho do filme (Flashdance outra vez).

Adendo: enquanto terminava esse texto escutava a Madonna dizendo: we don’t have to be rich and famous to be good. Great. Fácil, não? Ela esqueceu que psicopatizou e muito para chegar cá ou lá, onde está hoje. Investi dinheiro nessa mulher. Consumi. Tudo isso para aos 53 ela deformar o rosto e me aparecer com a face do Fofão Balão Mágico. FofONNA. Phoda. Antes tivesse investido apenas na turma do Balão. Aliás, é curioso, mas tenho horror. Não me traz nostalgia alguma escutar nada daquela trupe. Causa-me um constrangimento imensurável ver adultos dissipando suas dignidades em festas vexaminosas onde rolam soltas essas músicas deprimentes de uma velha infância desnecessária. Encerro aqui minhas inutilidades crônicas de hoje.

quarta-feira, 3 de agosto de 2011

mostra a tua cara.



entrei no elevador daquele Edifício Central, ali na Carioca. Observei cada um dos indivíduos aglomerados naquele espaço. Todos, absolutamente todos, eram horrorosos. Acho difícil de lidar. Sei que parece - e talvez seja mesmo. e é - uma futilidade babaca (tem futilidade legal? Tem, né?) mas isso me toca. Ando com frequência pela Cinelândia e é um festival de feiura e mau gosto todos os dias. Como se vestem mal. Cidade sofrida. Um calor infernal até no inverno. Uma arquitetura de dar desgosto. Folhear um livro de fotos do Rio antigo provoca banzo. Uma atrocidade o que os governos sucessivos dessa cidade vêm fazendo há décadas. Transfiguraram a cidade. Destruíram jóias arquitetônicas. É inacreditável. Sobreviveram algumas. Ufa! O transporte público é uma merda. Não atende a população como deveria. É inseguro e caótico. Já visitei cidades incríveis e ao lembrar delas vejo o quanto esse lugar precisa emergencialmente de socorro. As ruas são sujas e esburacadas em quase todos os bairros. Pensar nos serviços públicos causa ânsia de vômito. Um povo quase sempre ignorante e miserável. A cultura da contravenção, das máfias, da bandidagem e das milícias é exaltada. Aqui a corrupção é lei. O carnaval das escolas de samba virou um espetáculo circense ridículo e cada vez mais lucrativo. Patrocinado, tradicionalmente, pelo jogo do bicho. Atravessar a Avenida Brasil é experimentar a sensação de estar em uma cidade recém bombardeada. Subir o Alto da Boa Vista é uma experiência melancólica. Tanta beleza e tanto abandono. O preço do metro quadrado no Jardim Pernambuco é uma piada insólita. A má educação reina absoluta. A população de rua é vasta e a negligência do Estado é transparente. O meio ambiente é violentamente degradado em várias zonas da cidade. As pessoas trabalham, trabalham e quase sempre só encontram mais transtornos e empecilhos ao invés da garantia de seus direitos e alguma qualidade de vida. Quase todas as pessoas dessa cidade passam por isso. Assaltaram há tempos a dignidade do cidadão carioca e a polícia vendeu por meio kilo de pó. Preciso dizer mais? Ah, e os serviços vergonhosos e os preços exorbitantes? Para onde vai tanto dinheiro? Quem ganha os salários que são compatíveis com um cotidiano tão assombrosamente caro? A vida nas comunidades é (mal) maquiada, mas a população segue sofrendo pelos mesmo motivos retroativos. A oligarquia carioca é, a grosso modo, cretina e arraigada aos valores de seus tataravôs coronéis. Jamais pude entender como as burguesinhas do shopping da Gávea podem ignorar os casebres que brotaram às vistas de suas janelas, sem jamais pensarem que é preciso comunhão entre os cidadãos para que seja encontrada uma solução para todos. Um nojo. Muito difícil tudo isso. Enquanto isso o tal Mundo Desenvolvido se mostra cada dia mais decadente. Alguém entende aqueles reacionários ianques? Alguém explica a popularidade daquela Miss Alasca repugnante?! Como alguém dá credibilidade a Sarah Palin?! A América e aquelas pessoas assutadoras frutos de um sistema falido e que gera consequências hediondas à mentalidade de inúmeras sociedades influenciadas por aquelas mentiras sórdidas. É inviável o retrocesso emergente em toda a Europa semi falida e em muitos níveis ultrapassada. A profusão de ideias fascitas que se espalham como uma peste negra e letal é medonha. Todo o quadro sombrio que é configurado na atual conjuntura me leva a pensar que não há saída.

- Ah, Alberta. Que horror. Acho que você está sendo muito pessimista. Muito mesmo. Será que não há nada nessa cidade que valha a permanência? Não haveria como discordar de tão pontuais observações em muitos níveis. Mas devo dizer que essa selva de pedra caótica e emergente, nascida em tão selvagem e bonito cenário, causa espanto. Às vezes muito positivos, Alberta. Admiro tanto a Mata Atlântica. A natureza aqui é linda. Andar de bicicleta pela Lagoa para ir à praia é maravilhoso. Nosso litoral é lindo, ainda que mintam deliberadamente quando dizem ser ele o mais bonito do mundo. É tão urbano o nosso meio e ainda assim há recantos tão selvagens. E os dois irmãos? E o pôr do sol laranja e rosa do verão? É um deslumbre aquilo! Ah, Alberta, você não pode ignorar isso.

- É verdade, Maria Joana. É bem isso. Não posso mascarar a selvageria evidente. Macacos roubam minhas frutas em pleno Humaitá. Gambás andam sobre os fios de eletrecidade e atacam tucanos que presenciam, atônitos, bandidos serem assassinados por policiais à paisana tal como eu, de minha janela. É mesmo selvagem. Toda razão. Basta cair qualquer chuva que venha acompanhada de um ventinho para explodir sempre o mesmo transformador e a vizinhança ficar sem luz ao menos por 12 horas. A LIGHT está careca de saber desse problema eterno e jamais trouxe solução definitiva ao bairro. E esses motoristas bestiais? Andar de ônibus aqui é até divertido, na minha idade. Tudo balança! Os motoristam se encarregam de trazer muita emoção a cada viagem. Adoro quando saio do chão por perder a gravidade, em meio a alguma manobra alucinada do babaca do motorista. Aquele saculejo incansável destrói a coluna. Lamento por nós, os idosos. Tudo isso para chegar à São Clemente e dela nunca mais conseguir sair. Um trajeto que levaria 20 minutos passa a ter 1 hora ou mais de duração. É, Joana, acho que você e sua polianice têm toda razão. Mas eu não nasci provida desse dom. Não tenho esse olhar. Sou revoltada por natureza. Não ignoro que exista nesse planeta países como Ruanda, o Congo, o Senegal, a Tanzânia e Uganda, dentre tantos outros. Não ignoro a seca mais violenta dos últimos tempos no Chifre da África. Não ignoro as atrocidades que acontecem sob o aval do governo de inúmeros países do globo. Muito menos ignoro os massacres que ocorrem sob o argumento Santo. Não ignoro as enchetes em Bangladesh e no Paquistão. Não ignoro o Haiti, não ignoro a violência na Guatemala, não ignoro muitos outros dados de realidade tão mais cruéis do que aquilo que vivencio em meu micro universo. Porém, tenho o direito de reclamar. De achar tudo uma merda. E mais! Não ignoro que muito do que acontece nesses lugares esquecidos pelos tais homens de bem, acontece aqui em nosso país também. É alarmente tudo o que chega à tona. É ainda mais e muito mais degradante que o pensável, tudo o que é ocultado por esse país a fora. Não ignoro aquela casa de pombos imundos que é o Congresso. Disseminadores da peste juntamente a uma corja de ratos, raposas e burros, dentre outros inúmeros bichos escrotos.

- Ah, Alberta, mas você está muito arredia. Muito amarga.

- Joana, eu não estou com um copo de espumante na mão divagando sobre a vida. Estou escrevendo um relatório sobre as imundices que os boçais como você insistem em não ver.

- Ah, Alberta, mas e as coisas tão boas que acontecem aqui tão perto, nas Américas? E as boas novas? E as soluções impensadas pelos soberanos do Velho Mundo, cheio de pompa e tidos tão intelectualizados, nascidas em nossos arredores? E o triunfo da filosofia e dos ideiais indígenas gerando soluções geniais e cabíveis ao mundo? Pessoas que vivem da terra e que por ela têm profundo amor e respeito! Pessoas que extraem do próprio meio as mais sábias soluções. Esqueceu da experiência boliviana? Esqueceu de que éramos nós quem conversávamos sobre as soluções que emergirão do sul do globo? Esqueceu das tantas coisas boas que nascem aqui no Brasil? Esqueceu da força emergente de um trabalho que é desenvolvido em prol de novas soluções para antigos problemas? Esqueceu que esses veículos de mídia patéticos não nos servem de expoente de nada que nos sirva à condução da vida rumo a um futuro mais digno? Esqueceu dos bons e dos competentes que insistem em trabalhar para deixar algo de bom em seus legados? Esqueceu da sua revista preferida cheia de boas notícias e artigos interesantes? Não dá, Alberta, para ignorar o que há de bom acontecendo. A passos largos o Brasil mostra abertura em sua mentalidade. Esqueceu que você deu sorte de não estar no lugar da Paola Bittencourt, lá no Haiti, às vésperas do furacão Emily?

- Mostra sim, com esse bando de fascista disfarçado de ovelha de Cristo. Isso me apavora. Ah, a Paola vai se safar dessa. Aliás, já se safou. Emily is gone.

- Ah, Alberta, que bom! A Paola não merecia. Mas voltando ao assunto, Ah, Alberta, é preciso piedade por essas criaturas. Quase sempre é a falta de alternativas que os levam a atacar a sociedade, calcados em ideais tão torpes. Você sabe que muitos caem nessa esparrela por terem suas existências massacradas pelo descaso de quem deveria por eles olhar, o Estado. Você sabe que muitos deles ficam loucões por portarem no peito essa mesma revolta que você carrega e por não saberem canalizá-la de maneira coerente às necessidades reais. Eles não tiveram as mesmas oportunidades que você. É óbvio que não dá para julgar nada de uma maneira tão generalizada e superficial. Para qualquer circunstância há uma série de nuances. Sempre. Mas vamos combinar que faz sentido tão simplista tese. A Igreja Católica, por sua vez, prova do próprio veneno, menina. A ascensão Universal é uma reileitura do terror que outrora foi instalado pelos ascendentes do Vaticano. De arrepiar. Usurparam até o nome. Traduziram católico e seguiram em frente. E ainda há quem duvide da clássica lei de ação e reação.

- Joana, pelamor, me dá isso que você tomou? Não tou legal hoje. Tou nervosa, estressada, desesperançosa, louca e histérica.

- Ah, Alberta. Não é TPM? Tá com fome?

- Joana, tou com vontade de dar um tapão nessa sua cara de contente! Para de dizer "ah, Alberta" a cada frase! Como eu posso estar com TPM se não menstruo mais há anos? Tou com 59 anos, Joana! Enlouqueceu? Tou puta e pronto. Mas vai passar. Vai passar. Vou respirar. Vou investir no ho'oponopono.

- Ah, Alberta, faz isso mesmo. Melhor, viu? Vem aqui pra gente tomar um pró, vem? Aí você relaxa e a gente vai ao cinema.

tu, tu, tu, tu, tu, tu...
(telefone arcaico. telefone residencial.)