quarta-feira, 3 de agosto de 2011

mostra a tua cara.



entrei no elevador daquele Edifício Central, ali na Carioca. Observei cada um dos indivíduos aglomerados naquele espaço. Todos, absolutamente todos, eram horrorosos. Acho difícil de lidar. Sei que parece - e talvez seja mesmo. e é - uma futilidade babaca (tem futilidade legal? Tem, né?) mas isso me toca. Ando com frequência pela Cinelândia e é um festival de feiura e mau gosto todos os dias. Como se vestem mal. Cidade sofrida. Um calor infernal até no inverno. Uma arquitetura de dar desgosto. Folhear um livro de fotos do Rio antigo provoca banzo. Uma atrocidade o que os governos sucessivos dessa cidade vêm fazendo há décadas. Transfiguraram a cidade. Destruíram jóias arquitetônicas. É inacreditável. Sobreviveram algumas. Ufa! O transporte público é uma merda. Não atende a população como deveria. É inseguro e caótico. Já visitei cidades incríveis e ao lembrar delas vejo o quanto esse lugar precisa emergencialmente de socorro. As ruas são sujas e esburacadas em quase todos os bairros. Pensar nos serviços públicos causa ânsia de vômito. Um povo quase sempre ignorante e miserável. A cultura da contravenção, das máfias, da bandidagem e das milícias é exaltada. Aqui a corrupção é lei. O carnaval das escolas de samba virou um espetáculo circense ridículo e cada vez mais lucrativo. Patrocinado, tradicionalmente, pelo jogo do bicho. Atravessar a Avenida Brasil é experimentar a sensação de estar em uma cidade recém bombardeada. Subir o Alto da Boa Vista é uma experiência melancólica. Tanta beleza e tanto abandono. O preço do metro quadrado no Jardim Pernambuco é uma piada insólita. A má educação reina absoluta. A população de rua é vasta e a negligência do Estado é transparente. O meio ambiente é violentamente degradado em várias zonas da cidade. As pessoas trabalham, trabalham e quase sempre só encontram mais transtornos e empecilhos ao invés da garantia de seus direitos e alguma qualidade de vida. Quase todas as pessoas dessa cidade passam por isso. Assaltaram há tempos a dignidade do cidadão carioca e a polícia vendeu por meio kilo de pó. Preciso dizer mais? Ah, e os serviços vergonhosos e os preços exorbitantes? Para onde vai tanto dinheiro? Quem ganha os salários que são compatíveis com um cotidiano tão assombrosamente caro? A vida nas comunidades é (mal) maquiada, mas a população segue sofrendo pelos mesmo motivos retroativos. A oligarquia carioca é, a grosso modo, cretina e arraigada aos valores de seus tataravôs coronéis. Jamais pude entender como as burguesinhas do shopping da Gávea podem ignorar os casebres que brotaram às vistas de suas janelas, sem jamais pensarem que é preciso comunhão entre os cidadãos para que seja encontrada uma solução para todos. Um nojo. Muito difícil tudo isso. Enquanto isso o tal Mundo Desenvolvido se mostra cada dia mais decadente. Alguém entende aqueles reacionários ianques? Alguém explica a popularidade daquela Miss Alasca repugnante?! Como alguém dá credibilidade a Sarah Palin?! A América e aquelas pessoas assutadoras frutos de um sistema falido e que gera consequências hediondas à mentalidade de inúmeras sociedades influenciadas por aquelas mentiras sórdidas. É inviável o retrocesso emergente em toda a Europa semi falida e em muitos níveis ultrapassada. A profusão de ideias fascitas que se espalham como uma peste negra e letal é medonha. Todo o quadro sombrio que é configurado na atual conjuntura me leva a pensar que não há saída.

- Ah, Alberta. Que horror. Acho que você está sendo muito pessimista. Muito mesmo. Será que não há nada nessa cidade que valha a permanência? Não haveria como discordar de tão pontuais observações em muitos níveis. Mas devo dizer que essa selva de pedra caótica e emergente, nascida em tão selvagem e bonito cenário, causa espanto. Às vezes muito positivos, Alberta. Admiro tanto a Mata Atlântica. A natureza aqui é linda. Andar de bicicleta pela Lagoa para ir à praia é maravilhoso. Nosso litoral é lindo, ainda que mintam deliberadamente quando dizem ser ele o mais bonito do mundo. É tão urbano o nosso meio e ainda assim há recantos tão selvagens. E os dois irmãos? E o pôr do sol laranja e rosa do verão? É um deslumbre aquilo! Ah, Alberta, você não pode ignorar isso.

- É verdade, Maria Joana. É bem isso. Não posso mascarar a selvageria evidente. Macacos roubam minhas frutas em pleno Humaitá. Gambás andam sobre os fios de eletrecidade e atacam tucanos que presenciam, atônitos, bandidos serem assassinados por policiais à paisana tal como eu, de minha janela. É mesmo selvagem. Toda razão. Basta cair qualquer chuva que venha acompanhada de um ventinho para explodir sempre o mesmo transformador e a vizinhança ficar sem luz ao menos por 12 horas. A LIGHT está careca de saber desse problema eterno e jamais trouxe solução definitiva ao bairro. E esses motoristas bestiais? Andar de ônibus aqui é até divertido, na minha idade. Tudo balança! Os motoristam se encarregam de trazer muita emoção a cada viagem. Adoro quando saio do chão por perder a gravidade, em meio a alguma manobra alucinada do babaca do motorista. Aquele saculejo incansável destrói a coluna. Lamento por nós, os idosos. Tudo isso para chegar à São Clemente e dela nunca mais conseguir sair. Um trajeto que levaria 20 minutos passa a ter 1 hora ou mais de duração. É, Joana, acho que você e sua polianice têm toda razão. Mas eu não nasci provida desse dom. Não tenho esse olhar. Sou revoltada por natureza. Não ignoro que exista nesse planeta países como Ruanda, o Congo, o Senegal, a Tanzânia e Uganda, dentre tantos outros. Não ignoro a seca mais violenta dos últimos tempos no Chifre da África. Não ignoro as atrocidades que acontecem sob o aval do governo de inúmeros países do globo. Muito menos ignoro os massacres que ocorrem sob o argumento Santo. Não ignoro as enchetes em Bangladesh e no Paquistão. Não ignoro o Haiti, não ignoro a violência na Guatemala, não ignoro muitos outros dados de realidade tão mais cruéis do que aquilo que vivencio em meu micro universo. Porém, tenho o direito de reclamar. De achar tudo uma merda. E mais! Não ignoro que muito do que acontece nesses lugares esquecidos pelos tais homens de bem, acontece aqui em nosso país também. É alarmente tudo o que chega à tona. É ainda mais e muito mais degradante que o pensável, tudo o que é ocultado por esse país a fora. Não ignoro aquela casa de pombos imundos que é o Congresso. Disseminadores da peste juntamente a uma corja de ratos, raposas e burros, dentre outros inúmeros bichos escrotos.

- Ah, Alberta, mas você está muito arredia. Muito amarga.

- Joana, eu não estou com um copo de espumante na mão divagando sobre a vida. Estou escrevendo um relatório sobre as imundices que os boçais como você insistem em não ver.

- Ah, Alberta, mas e as coisas tão boas que acontecem aqui tão perto, nas Américas? E as boas novas? E as soluções impensadas pelos soberanos do Velho Mundo, cheio de pompa e tidos tão intelectualizados, nascidas em nossos arredores? E o triunfo da filosofia e dos ideiais indígenas gerando soluções geniais e cabíveis ao mundo? Pessoas que vivem da terra e que por ela têm profundo amor e respeito! Pessoas que extraem do próprio meio as mais sábias soluções. Esqueceu da experiência boliviana? Esqueceu de que éramos nós quem conversávamos sobre as soluções que emergirão do sul do globo? Esqueceu das tantas coisas boas que nascem aqui no Brasil? Esqueceu da força emergente de um trabalho que é desenvolvido em prol de novas soluções para antigos problemas? Esqueceu que esses veículos de mídia patéticos não nos servem de expoente de nada que nos sirva à condução da vida rumo a um futuro mais digno? Esqueceu dos bons e dos competentes que insistem em trabalhar para deixar algo de bom em seus legados? Esqueceu da sua revista preferida cheia de boas notícias e artigos interesantes? Não dá, Alberta, para ignorar o que há de bom acontecendo. A passos largos o Brasil mostra abertura em sua mentalidade. Esqueceu que você deu sorte de não estar no lugar da Paola Bittencourt, lá no Haiti, às vésperas do furacão Emily?

- Mostra sim, com esse bando de fascista disfarçado de ovelha de Cristo. Isso me apavora. Ah, a Paola vai se safar dessa. Aliás, já se safou. Emily is gone.

- Ah, Alberta, que bom! A Paola não merecia. Mas voltando ao assunto, Ah, Alberta, é preciso piedade por essas criaturas. Quase sempre é a falta de alternativas que os levam a atacar a sociedade, calcados em ideais tão torpes. Você sabe que muitos caem nessa esparrela por terem suas existências massacradas pelo descaso de quem deveria por eles olhar, o Estado. Você sabe que muitos deles ficam loucões por portarem no peito essa mesma revolta que você carrega e por não saberem canalizá-la de maneira coerente às necessidades reais. Eles não tiveram as mesmas oportunidades que você. É óbvio que não dá para julgar nada de uma maneira tão generalizada e superficial. Para qualquer circunstância há uma série de nuances. Sempre. Mas vamos combinar que faz sentido tão simplista tese. A Igreja Católica, por sua vez, prova do próprio veneno, menina. A ascensão Universal é uma reileitura do terror que outrora foi instalado pelos ascendentes do Vaticano. De arrepiar. Usurparam até o nome. Traduziram católico e seguiram em frente. E ainda há quem duvide da clássica lei de ação e reação.

- Joana, pelamor, me dá isso que você tomou? Não tou legal hoje. Tou nervosa, estressada, desesperançosa, louca e histérica.

- Ah, Alberta. Não é TPM? Tá com fome?

- Joana, tou com vontade de dar um tapão nessa sua cara de contente! Para de dizer "ah, Alberta" a cada frase! Como eu posso estar com TPM se não menstruo mais há anos? Tou com 59 anos, Joana! Enlouqueceu? Tou puta e pronto. Mas vai passar. Vai passar. Vou respirar. Vou investir no ho'oponopono.

- Ah, Alberta, faz isso mesmo. Melhor, viu? Vem aqui pra gente tomar um pró, vem? Aí você relaxa e a gente vai ao cinema.

tu, tu, tu, tu, tu, tu...
(telefone arcaico. telefone residencial.)

Um comentário:

  1. Amei esse texto! Ele é irônico, engraçadíssimo, e a descrição da cidade do Rio quase me lembrou Interzona, aquele lugar terrível de William Burroughs.

    Minha parte favorita: "Macacos roubam minhas frutas em pleno Humaitá. Gambás andam sobre os fios de eletrecidade e atacam tucanos que presenciam, atônitos, bandidos serem assassinados por policiais à paisana tal como eu, de minha janela. É mesmo selvagem."

    Isso é inteligente e hilário. Mas, mudando de assunto: ainda bem que a pobre da Paola escapou da Emily.

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