terça-feira, 13 de setembro de 2011

all the single ladies.



Mais um dia de desassossego. Mais um dia buscando com todo meu afinco os pequenos prazeres que me fazem insistir. Como é bom atravessar aqueles corredores de frutas, verduras e legumes e sentir aquele aroma de boa vida no ar. Não tarda muito para eu correr atrás de um coletivo até chegar cá. É cá que penso na brevidade da vida. Aqui me deparo com as portas entre abertas sem poder dar algum passo adentro em nenhuma delas. Ao longo de quinze dias me depararei com atípica solidão. Não faço a mais vaga ideia do que esse tempo de reserva me dirá. Tenho apreço pelo dizer do tempo que sempre me recorda a necessidade de se esperar. Não sei o quê. Quanto mais aguardo, mais ele parece correr. Não há sinergia entre o anseio, o desejo e o tempo. Penso e logo morre um burro. Da maneira com a qual venho a pensar sobre o penar creio, pois sim, nascerem muitos burros. Sou burra nascida e criada. Metáfora de quinta.

- De quinta não, minha filha. De segunda. Quinta é chic. Quinta é babado. Quinta é mara! Quinta é bapho! Quinta é véspera de sexta. Quinta é o dia perfeito para sair. Só quem pode e quem tem sai quinta à noite, meu amorrr!

- Ah tá. Desculpe. Havia pensado alto.

- Ih, bee! Se joga! Pensa alto, desembucha!

Odeio esse vocabulário. Acho tão excessivo. Pensava baixinho, a inconformada Lisboa enquanto sorria simpática para o amigo, ou amiga (nesse caso é impreciso) do escritório.

Enquanto vejo ao meu redor todo o meu círculo social se desmontar devido a viagens interessantes para destinos tão atraentes me percebo tolhida e sendo assim... oprimida, deprimida e vazia. Ai, ai...

- Bamos almoçar, cariños?

Aquele sotaque parecia o soprar de um anjo a trazer boas novas a introspectiva Lisboa.

- É un conbite! Bamos para Santa Tereça ya!

A atmosfera ganhou um novo e acolhedor filtro de luz, algo que remetia Lisboa à imagem de uma foto antiga e fascinante, algo que a fez revisitar seu misterioso passado ancestral. Imagem onírica e apaziguante. Subir aquelas ladeiras a gozar de tão doces companhias lhe parecia um convite do olimpo para a pequena felicidade. Santa Teresa que tanto diz a jovem Lisboa sobre suas origens parecia o lugar perfeito para tão bem vindo escapismo vespertino. Caipirinha. Dois ou três brindes à amizade! Palavras soltas e felizes escapavam em voo lento e suave através da brisa morna e primaveril. Outra caipirinha. Finalmente os sinos tocam dentro da melancólica Lisboa e ela sorri satisfeita ao abraçar novamente a pequena e sempre enorme Alegria! Um som que ela tanto curte lhe surge em mente. Instantaneamente ela se projeta à boa e velha Bahia. Lisboa desliza nua sobre a areia molhada daquele litoral inebriante.

- Ó febril caipirinha mística que para cá me transportou! Sou tão grata a ti!

Lisboa desfrutou do prazer de ser índia em um Rio dourado de sol! Lisboa refeita após um terremoto. Lisboa baiana, Lisboa em paz. A marola lambeu seus pés e subiu por seu corpo a fim de lhe provar o tempero daquela nudez imaculada. Era a primeira vez que Lisboa se deixava transportar acordada para a liberdade que só é capaz ao sonhar.

- Xentchy! Lisboa, aonde você estába?

Ah, a viajar um bocadinho para aquele lugar.

- Chegou o bobô! Bamos! Sirva-se!

Lisboa retornou ao tempo de todos levando consigo aquele cheiro de mar. Ao deixar a bucólica Santa guardou consigo seu sonho.

- iiiiiiiiii... tá chapada, Lisboa?

- não, Olívio. Apenas contente.

- iiiiiiiiiiiii viu algum bofe?

Lisboa foi escovar seu alvos dentes e fitou-se no espelho. Observou-se. Não se achou feia, tampouco bonita. Respirou fundo. Não encontrou o que dizer. Voltou a sala. Sentou-se diante do computador. Olhou o teclado inerte. Passou seus dedos sobre algumas letras buscando dizer algo. Escreveu:

Em silêncio é mais gostoso.

...

Os ruídos lá fora sempre escassos parecem explodir. Um caminhão promocional para em frente ao prédio e sua caixa de som explode: “all the single ladies! all the single ladies”.

- iiiiii, racha! A-TÓ-RON a BEYONÇA, LISBO-ÁÁÁ! Ui! Loucura! Mexe esse cu, portuga!

Apavorada ela sorri sem mostrar os dentes, notavelmente constrangida, para Olívio (ou Olívia. Já não sei).

Lisboa permanece em silêncio e escreve:

So-cor-ro.

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