domingo, 9 de janeiro de 2011

meneios inconscientes.



assistia a uma película antiga, gravada em super 8. Eis a cena: três mulheres de subtil beleza, alvas e de aparência etrusca, conversavam em um carro conversível. A atmosfera remetia ao final da década de 60. Tinham madeixas castanhas, lisas e na altura dos ombros. Uma delas chamava-se Eva, a única que ornava a face com uma franja. As outras eram Flávia e Amanda. Eram jovens de pele viçosa e de personalidade esfuziante. As ruas por onde elas passavam, sem pressa, me remeteram as mais discretas transversais do SoHo novaiorquino, em meados primaveris. De súbito, fui inserido naquele preciso lugar. Fui um dândi carioca, submerso nos rudimentos da Manhattan de minha memória. Segui, calmamente, o contorno das esquinas que se fizeram labirinto. Ainda assim, o deslumbre do recomeço, me levou ao transbordar das emoções mais inquietantes e jamais esmaecidas. Caminhava por sobre os paralelepípedos e navegava os idos de minha mente, sempre afeita de meneios misteriosos. Cheguei ao ponto crucial dessa viagem, quando deparei-me com duas construções surpreendentes e absolutamente distintas, da paisagem pela qual eu passeava. A visão dos magistrais monumentos chocaram meu espírito. Reconhecia já ter estado ali outras vezes. Senti forte vontade de permanecer naquele bairro de deslumbre irracional. O primeiro deles era construído do mais límpido ouro e tinha ares orientais. A singular jóia arquitetônica fazia pulsar violentamente o sangue em minhas veias. Em torno da enorme porta havia pilastras contorcidas e que ultrapassavam os limites do edifício destoante. Em sua porta, uma jovem mulher, portava um lenço escuro e com estampas na cabeça. Vestia uma camisa branca de algodão e uma longa saia escura, com detalhes bordados. Chamava-me atenção sua aparência similar ao das atrizes do filme, cujo o espetáculo teve início. Seu olhar era profundo como o castanho que o coloria. Os detalhes do exuberante edifício eram imensos e sobressaltavam minha percepção confusa. Ao lado dele, um outro prédio monumental, de estilo muito semelhante, em um tom de azul tão intenso, que seria medíocre tentar explicar. Em um rompante imperceptível, eu mergulhava no segundo prédio, de paredes em que os tons de azul imperavam. Via meu Salvador, o avô que partiu faz dez anos, deitado em simples vestes brancas. Pensei que não poderia mais estar ali, pois jamais havia recebido outro telefonema dele que foi e é um grande amor. A sanidade recobrava a lembrança de sua morte. Logo, levantei afoito e perturbado, do mais inconsciente encanto. Por fortuitos minutos, fugiu-me a noção do plano que se faz realidade. Desatei a falar, buscando dizer o que sentia, sem sentido, mas com alguma razão. Em um estado de semi sonambulismo desaguei em choro, pelo fascínio daquela experiência. Respirei fundo e levantei num salto. Caminhei atordoado do quarto até a cozinha exasperando matar a sede pungente que rompeu meu laço com aquela esfera onírica e inigualável. Temi a insanidade. Foi mesmo assustador. Era muito forte a vibração que permaneceu em mim por horas seguidas. Diante da geladeira, mais uma vez a emoção se transformou em lágrimas. Tentei em vão narrar o acontecido. Tentei em vão explicar sobre a saudade que não sei dizer. Fui impregnado pelo despertar dourado que iluminou o meu lar, a minha vida e a minha alma. Refaço-me ainda. Banhado de luz.


Não consegui exprimir através das palavras a grandiosidade dessa experiência. Tudo bem. Nem sempre funciona. Queria muito ter gravado, fotografado, ou algo desse gênero. Queria muito um registro. Queria muito poder mostrar aonde eu fui. Para alguns e para mim. Para que jamais pudesse ser esquecido aquele sentimento. Para que jamais fosse esquecido o segredo que habita aquele lugar. Obrigado pela viagem cósmica. Obrigado pelo gozo indescritível. Obrigado por ter vivido o indizível. Obrigado.

Um comentário:

  1. Duena Poivre,
    tenho lido ávido seus textos , onde encontro além da excelente narrativa e texto ágil, habilmente estruturado, menções incontestes de fatos inauditos, impensáveis para mim, tal a surpresa de tais histórias! Isso é um fator que me gera, mais interesse e curiosidade, por nunca ter encontrado tal universo que por vezes mora ao nosso lado e , no entanto, se acha invisível por paredes de discreção e silêncio, erguidas à nossa volta, mesmo que o fato grite, exploda à nossa frente como um carro de bombeiros atendendo à algum pedido de incêndio. O extraordinário assim nos visita de repente, porque alguém com talento nos faz pensar : - qual será nossa próxima surpresa, a que nos jogará por terra e depois nos lançará ao espaço, como fossemos um estranho objeto estratosférico! Muito obrigado por sua generosa contribuição à minha vida comum e sem tantas aventuras assim!

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